"Vivemos numa época em que a informação se tornou tão vital para o homem que passou a integrar o cabedal de seus direitos fundamentais. No transcurso do século XX, as novas tecnologias geraram o que se convencionou chamar de mídia. Trata-se do conjunto de meios de comunicação em suas variadas manifestações, tais como a secular imprensa escrita, o rádio, o cinema, a televisão e, mais recentemente, a Internet.
A mídia se tornou fundamental na estruturação das sociedades devido a ser composta por meios de comunicação de massa. E, em países continentais como o nosso, quem controla o poder de falar para as massas controla um poder que, vigendo a democracia, suplanta até mesmo o poder do Estado. Isso ficou claro no decorrer da história de regiões como a América Latina, onde o poder dos meios de comunicação passou a eleger e a derrubar governos, aprovar leis ou impedir sua aprovação e a moldar costumes e valores das sociedades.
Não se nega, de maneira alguma, que as mídias, sobretudo a imprensa escrita, foram bem usadas em momentos-chave da história, como no estertor da ditadura militar brasileira, quando a pressão da imprensa ajudou a pôr fim à opressão de nossa sociedade pelo regime dos generais. Todavia, é impossível ignorar que a ditadura foi imposta ao país graças, também, a essa mesma imprensa.
O lado perverso da mídia deve-se ao que também é uma de suas virtudes. Como, na sua configuração normal, a mídia pertence à iniciativa privada, comumente não é – ou não deveria ser - controlada por governos ou por facções políticas, e não se pauta – ou não deveria se pautar – por ideologias. O que deveria ser, no entanto, sabe-se que está muito longe de efetivamente ser – e não é de hoje.
A submissão da mídia ao poder do dinheiro é um fato, não uma suposição. Os meios de comunicação privados nada mais são do que empresas que visam lucro e, como tais, estão sujeitas a interesses que, em grande parte das vezes, não são os da coletividade, mas os de grandes e poderosos empresários. Estes, pelo poder que têm de remunerar o “idealismo” que lhes convêm, conseguem profissionais dispostos a produzir o “jornalismo” que o patrão requer.
É nesse ponto que jornalistas e seus patrões se encontram com facções políticas e com ideologias simpáticas aos menores anseios da iniciativa privada. Essas facções e ideologias, então, terminam por constituir uma união estável com certo “jornalismo” que passa a fazer o jogo de políticos que podem transformar em leis e em formas de governar que, muito freqüentemente, privilegiam o interesse privado em detrimento do interesse público.
É óbvio que a mídia sempre dirá que seus pendores capitalistas coincidem com o melhor interesse do conjunto das sociedades. Dirá isso através da confortável premissa (para os grandes do capitalismo) de que as dores que a prevalência do interesse dos capitalistas causa aos estratos inferiores da pirâmide social constituem uma espécie de “sala de espera” para o ingresso no jardim das delícias dos estratos superiores. É a boa e velha teoria do “bolo” que precisa primeiro crescer para depois ser dividido.
A mídia se defende dizendo que a facção política que ora ocupa o poder - e que ela (a mídia) ataca hoje - não pratica nada diferente do que praticava a facção política que governava antes. Alguns veículos mais ousados dizem que os que hoje governam favorecem mais o capital do que seus antecessores. Outros veículos, mais dissimulados, adotam um discurso quase socialista e passam a criticar lucros de bancos e cumprimento de contratos pelo atual governo, fazendo crer que apoiariam uma forma de governar como a de um Fidel Castro, por exemplo.
A mídia brasileira garante que é “isenta”, que não é pautada por ideologia ou interesses privados e que trata os atuais governantes do país como tratou os anteriores. Não é verdade. Bastaria nos debruçarmos sobre os jornais da época do governo que antecedeu o atual e compará-los com os de hoje que veríamos como é grande a diferença.
Não é preciso recorrer a registros históricos para comprovar como os pesos e medidas da mídia diferem de acordo com a facção política que ocupa o poder. Basta, por exemplo, comparar a forma como os jornais paulistas cobrem o governo do Estado de São Paulo e como cobrem o governo do país.
A mesma facção política governa São Paulo há mais de uma década. Nesse período, São Paulo foi tomado pelo crime organizado. A Saúde pública mergulhou ainda mais num verdadeiro caos. A Educação pública permanece como uma das piores do país, a despeito da pujança econômica paulista. Assim, começaram a eclodir desastres nunca vistos na locomotiva do Brasil que é São Paulo.
Ano passado, uma organização criminosa aterrorizou São Paulo. Essa organização nasceu e se fortaleceu dentro dos presídios controlados pelo governo do Estado. A Febem consolidou-se como escola de crimes, e as prisões, como faculdades.
No início deste ano, uma rua inteira ruiu por causa de uma obra da linha quatro do metrô paulistano, administrado pelo governo paulista. Várias pessoas morreram. Foi apenas mais um de muitos outros acidentes que ocorreram nas obras do metrô de São Paulo.
Seria possível passar dias escrevendo sobre tudo que a imprensa paulista deveria cobrar do governo do Estado de São Paulo, mas não cobra. Ler um jornal impresso em São Paulo ou assistir a um telejornal produzido em São Paulo é saber apenas do que faz de ruim o governo federal. Quase não há informações sobre o governo paulista, e críticas, muito menos. O desastre causado pela obra da linha quatro do metrô paulistano foi coberto por alguns dias. Depois, o assunto desapareceu da mídia e nunca mais se soube nada do assunto. A mídia esconde e impede qualquer aprofundamento no caso.
Assim é com tudo que diga respeito a governos de que a imprensa paulista gosta. E o mesmo se reproduz pelo país inteiro. A mídia carioca, a mídia baiana, a mídia gaúcha, todas fazem o mesmo que a paulista.
O lado mais perverso desse processo é o de a mídia calar divergências. Cidadãos como estes que assinam este manifesto são tratados pelos grandes meios de comunicação como se não existissem. São os sem-mídia. Muito dificilmente lhes é permitido criticar o moralismo seletivo dos meios de comunicação ou mesmo as facções políticas que esses meios protegem. A quase totalidade dos espaços midiáticos é reservada àqueles que concordam com a mídia.
Claro precisa ficar que os cidadãos que assinam este manifesto não pretendem, de forma nenhuma, calar a mídia. Pelo contrário, queremos que ela fale ou escreva muito mais, pois queremos que fale ou escreva tudo e não só aquilo que quer.
Mais do que um direito, fiscalizar governos, difundir idéias e ideologias, é obrigação da mídia. Assim sendo, os signatários deste manifesto em nada se opõem a que essa mesma mídia critique governo nenhum, facção política nenhuma. O que nos indigna, o que nos causa engulhos, o que nos afronta a consciência, o que nos usurpa o direito de cidadãos é a seletividade do moralismo político midiático, é o soterramento ideológico de corações e mentes.
Por tudo isso, os signatários deste manifesto, fartos de uma conduta dos meios de comunicação que viola o próprio Estado de Direito, vieram até a frente desse jornal dizerem o que ele e seus congêneres parecem negar. Viemos dizer que existimos, que também temos direito de ter espaço para nossos pontos de vista, pois a mídia privada também se alimenta de recursos públicos, da publicidade oficial, e interfere no interesse público.
Hoje está sendo fundado o Movimento dos Sem-Mídia. Trata-se de um movimento que não está cansado de nada, pois mal começou a lutar pelo direito humano à informação correta, fiel, honesta. Aqui começamos a lutar pelo direito de todos os segmentos da sociedade de terem como expor suas razões, opiniões e anseios e de receberem informações em lugar da atual propaganda política que nos tem sido imposta como se fosse jornalismo.
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