26 de set. de 2012

Doze condições da luta social


As quebradas [bairros populares nas periferias] são todas iguais em precariedade e para surgir uma luta são necessárias várias condições prévias.

1. Primeiro, não basta ser estrangeiro e chegar agitando na quebrada. Mesmo com a participação de gente de fora é sempre necessário que pessoas de dentro assumam as coisas.

2. Não são quaisquer pessoas que estão em condições de chamar os outros para a luta. As lutas são sempre iniciadas por pessoas que possuem uma boa carreira moral na quebrada – nos termos de Goffman -, precisam ter moral junto aos demais, respeito (viciados, vagabundos, putas e golpistas estão previamente excluídos). Sem oferecer nenhum centavo para que outros lutem, as lideranças arriscam, na verdade, as suas carreiras morais. Imaginem que morra uma criança ou ocorram outras coisas. Quem chamou o ato será cobrado [responsabilizado] nesse sentido.

3. Nenhuma liderança consegue fazer nada se não houver um clima mínimo de identidade, união e paz entre os moradores. São essa identidade e boa convivência prévia que são catalizadas. Ora, quem, num exemplo, sentir vergonha de morar num CDHU [Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano, habitação social] menos ainda vai querer se expor numa luta deste mesmo CDHU. E se as vizinhas andarem com facas a pegar umas às outras, quem as tirará para a rua juntas? Estar junto no ônibus, escola, quermesse, trem, bar, salão de beleza, igreja permite construir essa confiança mútua.

4. As lutas são ligadas a necessidades passíveis de serem supridas. Trabalhador pobre não costuma sair para a rua para salvar as onças cor de rosa ou protestar contra a invasão de um país pelos E.U.A. Querem uma escola, uma duplicação, um desconto na passagem.

5. Diferentemente do que ocorre nas lutas sem base social certa ou com base temporária – caso dos estudantes -, os populares não aceitam golpe de pauta [golpes na ordem de trabalhos] (feministas adoram dar golpe de pauta, por isso fogem das quebradas). Ou seja, se o Pedrinho resolver cobrar o Marquinho que não lhe paga ou se a Cecília resolver acertar contas conjugais no meio do ato serão devidamente informados pelos populares que aquela luta não foi organizada para tal.

6. Quem já apanhou na vida não gosta muito de ficar brincando com a questão. Assim, certas provocações bobas comuns em atos de estudantes protegidos são descartadas. Também não gostam de ficar falando em greve de fome, porque conhecem a falta de alimentos de perto ou de memória próxima.

7. As lideranças ou os mais bem instruídos são ouvidos, mas precisam ter humildade para lidar com a falta de conhecimentos gerais. Nenhum trabalhador gosta de sair para atos e reuniões onde seja exposto sem delicadeza à sua ignorância.

8. O respeito com os valores populares precisa ser grande. Não há espaço para militância ateísta nem hedonismo puro e simples.

9. Nesse tipo de luta ocorre muito de as lideranças terem que arcar com os gastos – panfletos, cartazes e outros. O militante literalmente acaba tirando dinheiro do bolso. Dinheiro é sempre um tema polêmico e se os gastos não atingirem uma soma muito alta preferem bancar [pagar] sem que se recolha alguma coisa dos moradores.

10. Não bastam os cartazes, é preciso um corpo a corpo, andar muito, falar pessoalmente com as pessoas, se expor para que elas participem. Militância de Facebook não dá conta.

11. Naturalmente, com a luta surgem os riscos, as pressões, as ameaças. Por outro lado, surgem as tentativas de cooptação. Assim como times possuem olheiros [informadores] nos campeonatos de base, políticos e organizações buscam captar militantes dentre as lideranças populares que vão surgindo.

12. Quando as coisas esquentam, é comum que muitos corram, desapareçam, deixem de participar. Nesse caso, as lideranças vão ficando mais sozinhas ante as ameaças e surgem os convites para ingressarem em dadas organizações – que lhes oferecem advogados, apoio, outros. Boa parte dos lutadores populares que conheci ou desistiram com medo das ameaças ou se juntaram a grupos para ter algum respaldo. E assim segue a roda de surgimento, cooptação ou desaparecimento de lutadores populares.

Fonte: http://passapalavra.info/?p=64743



23 de set. de 2012

O marxismo-leninismo: entre a negação e a afirmação da tradição stalinista


O Partido Comunista Brasileiro (PCB)

O PCB e o PC do B são, historicamente, as principais forças políticas que representam a tradição stalinista em nosso país. O PCB, fundado em 1922, foi hegemônico na esquerda brasileira durante décadas e se constituiu no tronco principal do marxismo no Brasil.[1] Este partido incorporou a concepção de partido marxista-leninista, a teoria e cultura política prevalecentes no movimento comunista internacional com a vitória de Stalin contra Trotsky no seio do Partido Comunista da URSS e da III Internacional. Evidentemente, há outras organizações e grupos permeados pelo stalinismo. Mas estas em sua maioria aderiram ao projeto de construção do Partido dos Trabalhadores. Nos limitaremos à análise da evolução do PCB e o PC do B – e suas cisões – procurando apreender suas mudanças e reações ao impacto dos acontecimentos no Leste Europeu e no Brasil e os elementos de superação e/ou manutenção da tradição stalinista.

No Brasil, a hegemonia da vertente stalinista só foi abalada seriamente a partir da segunda metade da década de 1950. Sob o impacto das revelações no XX Congresso do PCUS, em 1956, após a morte de Stalin, a mentalidade arraigada pela ideologia marxista-leninista durante décadas entrou em crise. A tradição perdia sua solidez ideológica. Abria-se um período de crescente questionamento que fomentava o surgimento de uma “nova esquerda”.[2]

Foi nesse período que o PCB iniciou o processo de crítica e autocrítica em relação ao legado stalinista.[3] Apesar de romper formalmente com o stalinismo, manteve valores e conceitos teóricos que marcaram esta tradição. A concepção de partido predominante ainda se referendava no passado; o partido também não conseguia exercer a democracia em sua plenitude; a exclusão política permanecia como método preferencial para dar término à luta de idéias; e, as mudanças internas não colocavam em questão a teoria etapista da revolução brasileira.[4]

Embora abalado pelas conseqüências desta crise, o PCB manteve a hegemonia, agora enfraquecida pela concorrência de outras organizações marxistas e não-marxistas com inserção no movimento operário e no campo. Enquanto força hegemônica coube a ele o principal ônus pela derrota da esquerda em 1964. Após o golpe militar, sua direção majoritária conseguiu se impor e manter a linha política adotada até então. O partido implodiu e jamais se recuperaria das diversas cisões que sofreu.[5]

O PC do B e o MR-8 também não escapariam da crise geral da esquerda brasileira nos anos pós-golpe. A crítica ao PCB levou-os a adesão à luta armada: o primeiro influenciado pelas teses maoístas da “guerra popular prolongada” e do “cerco da cidade pelo campo”; o segundo, adotou as teses “foquistas” da revolução cubana, inspirado nos textos de Che Guevara e Régis Debray.[6]

Nos anos 1970-80, cerraram fileiras na defesa da transição democrática sem sobressaltos – isto é, sem radicalização do movimento sindical e popular. Tanto o PCB como o PC do B e o MR-8 viam o MDB como um espaço privilegiado para a ação política e eram frontalmente contrários a qualquer proposta de construção de um novo partido. Para eles, isso representaria a divisão da frente democrática. Na verdade, como outros grupos menores que estavam fora do MDB, eles se autoproclamavam o partido do proletariado e, como tal, pensavam retomar o seu papel dirigente tão logo as condições políticas se modificassem.

Embora divergentes quanto à tática e as formas de luta, o PCB, PC do B e MR-8 se caracterizam por elementos comuns como: a estratégia de frente democrática inserida na concepção etapista do processo revolucionário[7]; a mesma concepção marxista-leninista do partido de quadros etc.

A tese etapista da revolução brasileira os levariam a privilegiar a frente democrática e a conceber a radicalização do movimento operário como um fator de risco à transição. Esta convergência estratégica se expressou no apoio ao governo Sarney e a Nova República e se refletiu ainda na crítica à Central Única dos Trabalhadores (CUT), na conseqüente formação de outra central sindical, a Central Geral dos Trabalhadores (CGT) e na defesa do pacto social.

Em fins da década de 1970 e inícios dos anos 1980, a esquerda passaria por um processo de rearticulação. Nesse período, o PCB enfrentaria outra vaga de cisões. Sua linha política foi questionada abertamente: a começar por Luís Carlos Prestes; pelos “renovadores” (também conhecidos como eurocomunistas), liderados por Armênio Guedes e Marco Aurélio Nogueira; a dissidência paulista agrupada em torno de David Capistrano e do jornal “a Esquerda” – muitos dos quais, a começar por Capistrano, terminariam por aderir ao PT; e, pelas dissidências que, em vários estados, formaram os Coletivos Gregório Bezerra (CGB).

A turbulência que atingiu o partido parecia superada após a aliança de setores à esquerda em torno do núcleo dirigente contra o que era considerado a ala direita, rotulada de “eurocomunista”. Essa manobra interna não lograria superar a crise: persistiu o que muitos consideravam como a política de conciliação e de aprofundamento da frente democrática; o velho estilo de direção enviesado por métodos e práticas stalinistas; a discussão em torno do significado da democracia, da concepção de partido etc.

A atitude do PCB frente à Nova República e ao governo Sarney aprofundariam as divergências e críticas internas à direção partidária. Vários setores criticavam o zelo excessivo em torno da governabilidade de Sarney, a prioridade à negociação no âmbito institucional, o alinhamento acrítico ao projeto político burguês da Nova República e a confusão reinante dos que concebiam a Aliança Democrática como a expressão política do governo da frente democrática. Outros apontavam a necessidade de reconhecer a crise de identidade do partido, resultante da sua política, do “comodismo mental” e da persistência do “velho estilo” de fazer política.[8]

Diante desse quadro, vários militantes e dirigentes passaram a reivindicar a realização do 8º Congresso. Então, a direção nacional convocou uma conferência nacional, que foi suspensa sob o argumento da necessidade de concentrar as forças partidárias nas eleições de 1986. Na esteira da crítica à suspensão da conferência, muitos colocaram em questão o 7º Congresso: este não teria sido democrático, pois a discussão interna teria sido insuficiente, além de prejudicada pela ambigüidade que caracterizou a sua realização.[9]

O partido voltou-se então para as eleições. Em São Paulo, a discussão sobre o apoio a Quércia ou Antônio Ermírio de Moraes, candidatos ao governo, detonaria outra crise. A maioria da direção paulista conseguiu, com o aval da direção nacional, aprovar a adesão à segunda candidatura, a qual expressaria mais fielmente a amplitude desejada para a frente democrática.

Passado o período eleitoral, a direção nacional do PCB publicou, em fevereiro de 1987, as teses que abriam o processo preparatório do 8º Congresso, reivindicado por vários setores do partido. Sem colocar em dúvida a concepção estratégica estabelecida anteriormente[10], essas teses representavam uma tentativa de adequar a estratégia à dinâmica conjuntural da transição democrática.

As posições da direção nacional foram criticadas por vários setores do partido, em tons e graus diferenciados. Havia desde os que apenas reivindicavam a reorientação da política de apoio ao governo Sarney, o que não implicava alteração da sua essência[11], até os que abertamente questionavam a legitimidade do núcleo dirigente[12], ou acusavam-no de reboquismo e oportunismo político, cuja expressão seria a defesa da democracia burguesa, a secundarização do partido de quadros etc.[13]

Esta crítica levou alguns a propor a unidade preferencial à esquerda: a frente democrática popular, englobando desde o PT, PC do B, PDT e PSB às correntes à esquerda dentro do PMDB. Houve ainda quem defendesse a reunificação dos comunistas, com o convite a Prestes e a outros setores da esquerda a participarem do congresso.[14]

Esta situação reflete a realidade de um partido dividido da cúpula à base, cuja impossibilidade de conformação de tendências internas facilita a dispersão e dificulta a organização dos indivíduos e setores que poderiam constituir uma alternativa de direção à maioria dirigente. As forças políticas internas, heterogêneas e descentralizadas, configuram grupos políticos regionais que se articulam em torno de questões pontuais e tem na crítica à tática e estratégia predominantes o patamar mínimo para sua aglutinação. Isto possibilitaria a construção da Articulação por dentro, com as características descritas.

Em linhas gerais, as resoluções aprovadas pelo 8º Congresso, realizado nos dias 17, 18 e 19 de julho de 1987, expressaram os projetos de resoluções apresentados pela direção nacional e a aliança entre os “renovadores” e a burocracia dirigente. Os 121 delegados eleitos, mais os 41 membros da direção nacional e 17 convidados (com direito a voz), concluíram que a transição inaugurada com o governo Sarney foi um elemento positivo para a luta dos trabalhadores e que esse governo, mesmo com limitações, manteve os compromissos com a democracia e assegurou as liberdades democráticas. (PCB, 1987a: 03-04)

O partido insistiu no estabelecimento de um pacto político que envolvesse os diversos setores da sociedade e os partidos. Sua estratégia visava a conquista do Estado de direito democrático, compreendido como “a institucionalização e a consolidação de um regime democrático, onde o povo possa ter os seus direitos e garantia da cidadania assegurados”. (Id.: 06)

Na análise pecebista, a luta pela democratização do Brasil, condição essencial para a implementação de uma alternativa popular e progressista, realçava a atualidade da articulação da frente democrática, composta por todos os setores dispostos a lutar pela democracia, os interesses nacionais ou mesmo que assumissem uma plataforma mínima nesta direção.

Com a conquista do estado de direito, que na avaliação do PCB poderia ser consagrado pela Constituição, dependendo da mobilização popular, essas forças deveriam lutar “por uma maioria parlamentar” que possibilitasse a formação de governos “comprometidos em consolidar e aprofundar os avanços institucionais e as reformas de estrutura inscritos na nova constituição”. Esses governos abririam caminho para a implantação de “uma democracia de massas” (PCB, 1987a: 06-07).

De acordo com o PCB, a formação desses governos e a realização de suas tarefas dependiam de inúmeros fatores, os quais não podiam ser previstos. A magnitude do desafio de implementá-los e consolidá-los, bem como as resistências que teriam, levou o partido a concluir que tal projeto não poderia ser vitorioso sem a constituição de “um novo bloco político e social, um novo bloco histórico, democrático e nacional, construído por uma política de amplas alianças, capaz de afirmar a hegemonia do proletariado e encaminhar o país para o socialismo” (Id.: 07).

O 8º Congresso analisou a atuação dos demais partidos no processo da “transição democrática”. O PT foi caracterizado como um “partido com um programa de tendência socialista e penetração na classe operária, particularmente entre os setores modernos e combativos, nas classes médias assalariadas, no campo, no clero e na intelectualidade” (PCB, 1987b: 22).

Para o PCB, o PT subestimava a questão democrática, se equivocava na identificação da política de amplas alianças com a colaboração de classes. Assim, caía numa postura de oposição sistemática e nutriria preconceitos em relação aos comunistas e às forças democráticas e populares, o que dificultava a unidade do movimento sindical e popular. Contudo, o PCB admitia que o PT havia “avançado”, isto é, flexibilizara sua política de alianças. (Id.).

Quanto ao PC do B, as resoluções congressuais afirmam que este mudou algumas de suas concepções “ultra-esquerdistas”. Porém, ressalta que isto ocorreu “apenas parcialmente e com muitas fraturas” e, sobretudo, sem qualquer “autocrítica pública”. O PC do B teria permanecido preso a uma “posição de confrontação caluniosa e divisionista” em relação à URSS, ao movimento comunista mundial e ao próprio PCB. As concepções em relação à revolução e ao processo político em curso seriam “antiquadas, dogmáticas e sectárias”. Estas se traduziam no “ziguezague da sua prática política, no aparelhismo e golpismo de sua relação com as forças políticas e atuação nos movimentos de massas” (Id.: 22-23).

A despeito das limitações e desigualdades na disputa eleitoral, o partido avaliou que, no Congresso Constituinte eleito em 1986, “as forças comprometidas com um discurso favorável à democracia e às mudanças” foram vitoriosas e, acreditava o PCB, teriam condições de barrar a resistência conservadora e articular “uma maioria capaz de garantir a aprovação de uma Constituição democrática que institucionalize o Estado de Direito Democrático”. Para o PCB, o parlamento se tornara o “terreno onde tem lugar e se entrecruzam as grandes batalhas político-institucionais do período de transição” (Id.: 27-28).

O 8º Congresso também fez uma avaliação autocrítica da atuação do partido. Após ressaltar a sua contribuição à derrota da ditadura militar e de apontar seus pontos frágeis – destacando sua débil inserção no movimento de massas e no proletariado, as incompreensões sobre o caráter partidário etc. – as resoluções admitiram que o partido cometeu erros e revelou incompreensões que resultavam na subestimação do valor da democracia burguesa para os trabalhadores. Por outro lado, também admitiu que o partido desenvolveu a “tendência de omitir o caráter de classe da democracia, alimentando ilusões sobre a democracia burguesa”.[15]

Esses equívocos levariam igualmente à confusão sobre o caráter de classe do governo Sarney e da transição. Isto, na prática, induzira a ambigüidades e desvios que se expressavam na atitude de “esfriar os ânimos das massas” e daqueles que pretendiam impulsionar a democracia, ainda que burguesa. Essas concepções “golpistas e conciliadoras, por prescindirem das massas como construtores da história” se fizeram presentes particularmente nas eleições de 1986, as quais serviriam como um termômetro que colocou a nu a fragilidade do partido. (Id.:48)

Por fim, o Congresso aprovou o regimento Interno, reafirmando o princípio do centralismo democrático, e promoveu a eleição da nova direção nacional (ampliada de 66 para 85 membros). Renovada em mais de 50%, a nova direção tem à frente Salomão Malina, como presidente, e Roberto Freire, vice-presidente. Giocondo Dias, impedido de participar do congresso por estar gravemente enfermo, foi reconduzido à direção efetiva. A novidade ficou por conta da eleição, no próprio congresso, do Conselho de Controle e Ética, composto por sete membros efetivos e dois suplentes – antes, este órgão era eleito pela direção central.

A inexistência de chapas concorrentes no 8º Congresso dá a impressão de que o partido finalmente construíra a unidade e que as críticas foram incorporadas pelo núcleo dirigente. De fato, as resoluções, assimilam vários elementos críticos suscitados pela esquerda, principalmente no balanço autocrítico divulgado pela direção central. Nos aspectos mais gerais, que dizem respeito diretamente à estratégia e à tática democratizante, manteve-se a política anterior.

A inflexão à esquerda não foi efetivada, quando muito, houve concessões retóricas e pontuais à esquerda. Na prática, a direção pecebista perseverou no compromisso com o governo Sarney e não fez questão de escondê-lo. Quando a Aliança Democrática se esfacelou, o PCB alardeou a “necessidade de um programa de governo capaz de dar continuidade à transição, promover mudanças e assegurar a base política e social necessária ao presidente Sarney”. Por isso, defendeu a consecução de “um novo acordo político, centrado no objetivo maior de conduzir o país ao Estado de direito democrático”.[16]

A tônica da política pecebista continuaria sendo a garantia da estabilidade do governo e da transição democrática. “O confronto”, afirmava Malina, “somente favorece a regressão”.[17] Esta orientação refletia a política do partido adotada na década de 70, centrada no âmbito institucional e na negociação, embora mantivesse a retórica do socialismo e da mobilização das massas.

O exemplo maior dessa política foi a atitude do partido frente às greves no ABC, quando a direção temeu que esse movimento terminasse por levar o país ao retrocesso institucional e o viu como um risco à abertura política. Essa orientação vigorou até o 8ºCongresso. Isso explica porque o partido foi o último a abandonar o governo Sarney.[18]

A esquerda pecebista não ficou isenta de responsabilidade. Galvanizada pela mesma concepção etapista da revolução brasileira, pela estratégia da frente democrática, ligada umbilicalmente à burocracia dirigente pelas mesmas referências ideológicas que expressavam o socialismo realmente existente, ela corroborou com uma prática que, em teoria, passara a questionar.

O elemento novo que contribuiu para o aprofundamento das divergências políticas e pressionaria as correntes pecebistas a definirem perfis próprios foi a evolução do quadro internacional. A luta interna, até então contida, enquadrada e assimilada pelo aparato partidário, devido à vinculação do partido a um projeto político-ideológico representado pela URSS, foi acirrada na proporção da evolução da crise no Leste Europeu, ou seja, da crise do projeto referencial. Por isso, o impacto desta sobre o PCB se daria de forma mais intensa.

O partidão repercutiu em seu seio as tendências contraditórias do congênere soviético. No início, todos apoiaram as medidas propugnadas por Gorbatchov e acreditaram que estas levariam a URSS a recuperar “a sedução e a influência do socialismo no mundo” (FREIRE, 17.07.1989). Então, o partido apresentava publicamente um aparente consenso. Ainda não haviam surgido as avaliações de que as reformas econômicas e políticas em curso na URSS poderiam levar este país a engatar a marcha ré, isto é, retroceder ao capitalismo. Porém, os ventos do leste solapavam os alicerces do edifício das antigas verdades e demonstraria que este não era mais do que um castelo de areia. Impulsionadas pelo advento da perestroika e a glasnost, as diversas concepções presentes no interior do PCB irrompiam com toda a força.

Na campanha eleitoral de 1989, Freire antecipou a polêmica que se tornaria pública às vésperas do IX Congresso do PCB: defendeu a renovação do socialismo; admitiu a introdução de mecanismos de mercado na economia socialista; questionou o conceito de democracia adjetivada, comum à tradição marxista. Freire também colocou sob dúvida o modelo leninista de partido, o conceito de ditadura do proletariado, a concepção de Estado e de revolução. O questionamento dos ícones da ideologia marxista-leninista e a defesa de teses consideradas modernizantes passaram a ser compartilhados pela maioria da direção pecebista. Em suma, colocava-se em xeque a tradição comunista vinculada à III Internacional.

A crítica a estas teses nem sempre representou a defesa irrestrita da ortodoxia. Será a maior ou menor ênfase na crítica à cultura e prática ortodoxa que determinará a heterogeneidade da oposição e os diferentes rumos que seus membros tomarão. Na dissidência havia o desejo de renovação, com caráter e conteúdo diferenciado da renovação modernizante da maioria capitaneada por Freire. Havia ainda elementos autocríticos em relação à práxis do partido nos últimos anos. Embora mantivessem conceitos e concepções ortodoxas, os dissidentes elaboraram uma reflexão crítica sobre o marxismo-leninismo e as experiências do socialismo real.

A dissidência que se formou no Rio Grande do Sul, por exemplo, criticou tanto a ala ortodoxa (da esquerda) quanto à ala modernizante liderada por Freire – era a terceira via. Em São Paulo, a “Esquerda Socialista” representou outro setor dissidente que, embora mais próximo aos ortodoxos, também defendia a construção de um caminho alternativo contraposto à “velha burocracia” e aos “modernos”.

A crítica e autocrítica da oposição objetivavam a articulação dos militantes para “reconstruir o PCB”, qualificando-o para ser a direção da revolução brasileira. Acreditava-se na possibilidade de ganhar a luta interna. O determinante seria os esforços da militância no sentido de “forjar uma nova hegemonia no partido” que gerasse as condições para uma renovação radical. O caminho a trilhar seria o da oxigenação da vida partidária através de várias medidas que fortalecessem a democracia interna, inclusive com o reconhecimento da existência de tendências.

As divergências irromperam ruidosamente no processo preparatório do IX Congresso. Este, realizado nos dias 30 de maio a 02 de junho de 1991, foi o ponto culminante da polêmica instaurada no interior do partido em torno de questões como a manutenção ou não do nome e símbolos; sua laicidade; o papel que este devia cumprir perante a sociedade; avaliação sobre o socialismo etc.

O elemento fundante das teses da maioria da direção é a “política de radicalidade democrática”, ou seja, a incorporação da cidadania à modernidade “através do processo democrático e de sua ampliação”. Este conceito tem como base fundamental a concepção da democracia enquanto “valor de caráter universal e radical”, o que pressupõe a valorização desta, sem negar a permanência dos conflitos de classe. (Direção Nacional do PCB, 1991: 03-06).

Isto exigia a reformulação da concepção de Estado. O conceito tradicional do Estado como o “comitê executivo da burguesia” deu lugar à compreensão de que, no mundo atual, o aparelho de Estado “é permeável à ação da sociedade civil e submetido ao seu controle, sendo passível de disputa no jogo democrático por forças sócio-políticas contraditórias”. A maioria dirigente advoga que a “supremacia da sociedade civil sobre o Estado” é um princípio estratégico a ser seguido “infatigavelmente”. Para tanto, “impõe-se a reforma democrática do Estado para a consolidação da democracia”. De acordo com a Direção Nacional (DN), “esta é a chave para a democratização da vida nacional e a realização da reforma de estrutura”. (Id.)

Esta política não contrapõe reforma e revolução. Assim, as reformas democráticas, na medida em que contestam as elites e oligarquias tradicionais, “tem um sentido revolucionário de duplo caráter: elas serão em si uma mudança de estrutura, rompendo a lógica da modernização conservadora; e, por outro lado, colocarão na ordem do dia o socialismo com democracia e liberdade”. As lutas pelas reformas possibilitariam ainda a geração de “zonas de rupturas possíveis” que ultrapassariam os “limites do velho reformismo evolucionista”. A revolução adquire um novo significado: um caráter processual. O socialismo aparece como resultante da concretização de várias reformas e das diversas rupturas possíveis. (Id.)

A implementação destas teses exigia a renovação radical do partido. Isto significava abandonar a concepção tradicional de partido de quadros, da ditadura do proletariado e o desafio de construir uma nova teoria e organização partidária. A maioria da direção coloca em xeque a existência do PCB, seu nome, seus símbolos e a tradição histórica que estes encerram. Para viabilizar este novo operador político, a maioria da direção defende a realização de um “encontro nacional do qual participem comunistas e socialistas, marxistas ou não, com partido ou sem partido, sem modelos e programas pré-estabelecidos” (Id.). Esta foi a base teórica para a formação da chapa Socialismo e Democracia, liderada por Roberto Freire, Sérgio Arouca e Salomão Malina.

Os dissidentes se dividiram em duas chapas: a “Fomos, Somos e Seremos Comunistas”, composta pelo grupo dos “renovadores revolucionários”, rotulados como “ortodoxos” e liderados por Horácio Macedo, Ivan Pinheiro, Francisco Milani, Juliano Siqueira, Antônio Mazzeo, Edmilson Costa etc.; e, a chapa “Política de Esquerda pelo Novo Socialismo”, liderada pelo ex-presidente do partido no Rio Grande do Sul, Domingos Tódero, além de Jairo Ferreira e Lauro Hagemann. Embora defenda a manutenção do nome e símbolos partidários, esta chapa se colocou como alternativa às teses social-democratas da maioria e à ortodoxia da minoria, a qual representaria o legado da III Internacional e a herança stalinista. Neste aspecto, a dissidência gaúcha aproxima-se da maioria.

Na avaliação do dirigente Antonio Carlos Mazzeo, a antítese apresentada pela esquerda não traduziu o acúmulo teórico do conjunto da oposição, expressando mais intensamente o setor influenciado pelo stalinismo. Este fator teria dificultado a incorporação do grupo gaúcho e facilitado a vitória da chapa liderada por Freire. Ainda segundo Mazzeo, a esquerda, neste momento, não se identificava com as teses de Gorbatchov.[19]

A correlação de forças entre as chapas ficou evidente nas votações. A Declaração Política proposta pela maioria da Direção Nacional foi aprovada por 336 votos contra 254 da chapa “Fomos, Somos e Seremos Comunistas” e 45 da chapa liderada por Tódero. Na eleição para o novo Diretório Nacional, a chapa encabeçada por Freire obteve 54% dos votos dos mais de 600 delegados presentes, ficando com 38 membros efetivos num total de 71 cargos. A outra, liderada por Macedo, teve 36,5% dos votos, elegendo 26 representantes para a DN. A chapa de Tódero teve 10,5% e ficou com sete vagas. Freire foi eleito presidente nacional do partido, substituindo Salomão Malina.

A aprovação da Declaração Política representou a vitória das teses liberalizantes: caíram o conceito de partido único, de ditadura do proletariado e o centralismo democrático. Em seu lugar, o PCB adotou uma nova concepção de Estado, de socialismo e de partido. Outra mudança radical foi a admissão de mecanismos da economia de mercado no socialismo. Por outro lado, foi recusada a tese do partido laico. Mas, com a aprovação das propostas de Freire, tornou-se desnecessário ser marxista para se filiar ao partido.

Agora, o PCB passava a admitir a alternância do poder, o pluralismo e o pluripartidarismo. O papel revolucionário da classe operária enquanto agente histórico de transformação social foi relativizado, descartado como exclusivista. A revolução terminou por ser concebida como um processo de ampliação da participação da cidadania. A oposição conseguiu manter a existência do partido, seu nome e seus símbolos e ampliou seu peso na Direção Nacional. Sua vitória neste ponto representa um recuo da maioria da DN diante do sentimento das bases. Contudo, terminado o congresso, ela se viu novamente dividida e em minoria.

Tradicionalmente o controle da máquina partidária determinou os rumos do PCB. Agora não seria diferente. Sob o pretexto de encaminhar as resoluções do IX Congresso, a maioria da DN (por 47 contra 17 votos), em reunião extraordinária realizada nos dias 31 de agosto e 01 de setembro de 1991, decidiu iniciar o processo de constituição da nova formação política socialista, propondo o diálogo com lideranças, personalidades, forças e partidos vinculados à tradição socialista de vocação democrática. Para tanto, o Diretório Nacional convocou o X Congresso do PCB, em caráter extraordinário e aberto à participação dessas forças e partidos. A maioria da direção nacional argumentou que apenas dava seqüência ao processo inaugurado em 1989 quando o partido teria se colocado o desafio de “renovar a cultura política e a prática da esquerda com propostas modernas e pluralistas”.[20]

Anteriormente a esta reunião, ainda em agosto, um grupo de 40 militantes decidiu sair e ingressar no PC do B. Entre os que mudaram de sigla, seis eram membros do Diretório Regional do Rio de Janeiro; outros seis do Diretório Municipal; os demais pertenciam aos diretórios zonais desse município. À frente desse grupo estava Juliano Siqueira (integrante do Diretório Nacional). Oscar Niemeyer, que apoiara os ortodoxos, licenciou-se da direção do partido e declarou que o abandonaria caso este viesse a mudar de nome.

A saída desses militantes demonstra a heterogeneidade da oposição. No entanto, mesmo enfraquecida pela perda da ala mais ortodoxa, reagiu de forma imediata e incisiva diante das decisões da maioria: vinte e nove dos seus integrantes, membros do DN, manifestaram o repúdio à postura liquidacionista da ala majoritária e decidiram criar o Movimento em defesa do PCB, convocando um encontro nacional com este objetivo.

Em novembro, a oposição sofreu outro golpe. Numa atitude inédita na história da esquerda, Freire registrou no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) as marcas símbolos do PCB: a foice e o martelo, o nome “Partido Comunista Brasileiro”, a sigla PCB e a expressão “partidão”. O deputado se declarou respaldado pela Comissão Executiva, patrocinadora da decisão. “Um dia depois da nossa transição socialista, poderemos até abrir mão dos direitos”, ironizou (GAZETA MERCANTIL, 21.11.1991).

O Movimento Nacional em Defesa do PCB entrou com requerimento junto ao INPI solicitando a recusa do inusitado pedido. Na fundamentação, os signatários denunciam que o assunto jamais foi discutido no Diretório Nacional. Afirmam que a atitude do referido deputado coloca em risco a democracia brasileira, pois transforma os partidos em marca comercial; que Freire “tem o direito de criar outro partido, mas não o de tentar inviabilizar o partido que renega”. “O legado político e histórico do PCB não é propriedade privada, mas patrimônio do povo brasileiro em geral e dos comunistas em particular”, concluem (MOVIMENTO NACIONAL DE DEFESA DO PCB, 1991).

Esse movimento decide ainda participar do X Congresso com a “disposição de derrotar o liquidacionismo, manter a mística do “partidão” e reafirmar a atualidade da questão comunista”. Seus organizadores se colocam o objetivo de reconstruir o PCB numa “perspectiva da revolução social e política” que se vincula ao socialismo e à luta “pela reunificação dos comunistas e pela unidade das forças do progresso” (Id.).

A reconstrução do partido ganhou novo impulso com a decisão tomada no Rio de Janeiro, em 28 de dezembro, da fundação do Partido Comunista (PC) e a conseqüente publicação no Diário Oficial, em 9 de janeiro de 1992, do manifesto, programa e estatutos da nova legenda. Em seu manifesto, o PC declara que se orienta teoricamente pelo pensamento de Marx, Engels e Lênin, incorporando a experiência do movimento operário e socialista, nacional e internacional; que seu objetivo é contribuir para uma profunda transformação da situação econômica e social no Brasil e lutar pelo uso do nome “Partido Comunista Brasileiro”. O primeiro signatário da relação de fundadores do PC foi o arquiteto Oscar Niemeyer.

Ainda neste mês, realizou-se no Rio de Janeiro o Encontro do Movimento Nacional em Defesa do PCB. Este aprovou a Declaração Política ao X Congresso do PCB, a qual reafirma a “bandeira da revolução brasileira e da conquista do socialismo na perspectiva do comunismo”; defende a “unidade estratégica de todos os comunistas, militantes ou não do PCB” na luta por este objetivo e pela reconstrução do partido; e, dirige-se às “forças progressistas e de esquerda”, no sentido de construir um “bloco político capaz de forjar uma nova hegemonia e um movimento nacional” que possa empolgar o povo e conquistar-lhe o apoio político e social. (Id.: 03)

A concepção de democracia dos dissidentes difere do conceito de “democracia universal” da maioria da Direção Nacional. A minoria defende a “Democracia Política, que mesmo sendo a expressão das possibilidades da ordem burguesa, foi sempre fruto das conquistas dos trabalhadores”. Nesse sentido, as liberdades democráticas são valorizadas e reafirmadas “não como resultantes intrínsecas ao capitalismo e à ordem burguesa, mas sim como fruto das lutas populares e sociais travadas ao longo do tempo”. Para estes, é nesta perspectiva que “a democracia se desnuda e transmuta”, adquirindo “um valor estratégico, tanto na luta anticapitalista quanto no caminho da construção e desenvolvimento da Sociedade Socialista” (Id.).

Em relação à luta parlamentar, os organizadores do Partido Comunista reconstruído a vêem “como um dos caminhos possíveis na construção do Socialismo”. Mas não acreditam no socialismo “apenas pela via parlamentar, pois esta não esgota a luta política”. Para eles, “o eixo das transformações está nas lutas sociais e na organização do povo” (Id.). Os dissidentes defendem uma renovação que reafirme o legado marxista, mas que, por outro lado, represente uma ruptura definitiva “com os métodos burocráticos, antidemocráticos e deformadores da vida do partido, bem como com as velhas interpretações de cunho pequeno burguês, que levaram o partido à conciliação de classes e ao distanciamento das massas trabalhadoras”. Desta forma, o projeto do novo PCB pressupõe o resgate do “verdadeiro conceito do centralismo democrático” com a restauração da democracia interna, a qual terá como base “valores éticos” e prevê a constante renovação dos quadros dirigentes. (Id.)

O PCB almeja construir-se enquanto um partido marxista e revolucionário, um partido de quadros e de massas: “de quadros que constroem o partido” e têm “qualidade para impulsionar o movimento de massas”; de massas porque almeja ampliar a “quantidade de militantes e filiados”. Não será um partido laico, mas estará “aberto à todos que aderirem ao seu programa e estatutos, independente de suas crenças e convicções religiosas”. Segundo a Declaração Política: “A unidade de ação será alcançada à base da exaustão da discussão, do convencimento das minorias e do respeito por elas, da circulação vertical e horizontal das informações, da disciplina consciente”. (Id.: 07)

Este documento avaliou ainda que o capitalismo mundial passava por uma crise profunda e que a “internacionalização do processo produtivo e a transnacionalização da economia não alteram a essência agressiva do imperialismo”. No que se referia à conjuntura nacional, o novo PC se colocou em oposição ao governo Collor, caracterizando-o como “um governo conservador, anti-social e entreguista” (Id.: 04-05).

Os renovadores modernizantes e os renovadores revolucionários formalizavam assim mais um episódio de fragmentação da esquerda: os primeiros formariam o Partido Popular Socialista (PPS); os segundos, reorganizariam o Partido Comunista Brasileiro (PCB)

* Os artigos que compõem esta série são versões adaptadas da dissertação de Mestrado, Os partidos, tendências e organizações marxistas no Brasil (1987-1994): permanências e descontinuidades, apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), em 1998, sob a orientação de Maurício Tragtenberg. A banca de defesa foi composta, além do orientador, pelos professores Isabel Maria Loureiro e Lúcio Flávio Rodrigues de Almeida. A dissertação não foi publicada em versão impressa e a iniciativa que ora adotamos visa disponibilizá-la aos militantes do movimento social, estudiosos do tema e demais interessados – afinal, a pesquisa foi financiada por dinheiro público, através de bolsa de estudo do CNPq.

[1] O PC do B constituiu-se em 1962, a partir da ruptura com a linha de “coexistência pacífica” e do “caminho pacífico da revolução brasileira” defendida pela maioria da direção do PCB. O Comitê Central do PC do B, eleito na conferência extraordinária que fundou o Partido Comunista do Brasil (PC do B), incluía oito membros remanescentes do CC do PCB. O controle do jornal A Classe Operária passou para o PC do B, sob a direção de Grabóis e Pedro Pomar. Uma das suas tarefas seria o trabalho pela reabilitação de Stalin. O PC do B não se assume como um novo partido, mas enquanto continuidade do partido comunista fundado em 1922. Em sua versão, teria sido reorganizado. A reivindicação do legado de 1922, entre outros fatores, expressa a necessidade de auto-afirmação da tradição marxista-leninista e, portanto, de quem representa o partido revolucionário no Brasil. Sem dúvida, a concepção de partido vigente até então tem uma importante contribuição. Até essa época, ser revolucionário era pertencer ao Partido Comunista reconhecido por Moscou; deixá-lo significava renegar a revolução.

[2] O termo se refere às organizações que surgiram nos anos 60: a Política Operária (POLOP), formada em 1961; a Ação Popular (AP), criada em 1963 a partir do movimento estudantil católico; o PC do B e os trotskistas organizados no Partido Operário Revolucionário–Trotskista (POR-T). Estas organizações, e o PCB passaram por um processo de fragmentação no período posterior ao golpe de 1964. A “nova esquerda” não representou uma ruptura absoluta. Embora apresente elementos novos (como a crítica à linha pacifista do PCB, à teoria etapista da revolução brasileira etc.), manteve pontos de continuidade, principalmente em relação à concepção “marxista-leninista” de partido. Daí, as aspas.

[3] Ver: SANTOS (1988 e 1991).

[4] O controle do aparelho continuou sendo a máxima para forjar as “maiorias” e garantir a política dos dirigentes pró-soviéticos. Neste ponto, o depoimento da filha de Prestes é esclarecedor: “Como é sabido, no 6º Congresso, realizado em 1967, da mesma maneira que no 4º, o que prevaleceu não foi a opinião da maioria dos militantes: ao contrário, diversas organizações que discordaram da orientação do CC foram dissolvidas e impedidas de se fazerem representar na plenária do congresso. Na verdade, continuaram os mesmos métodos, talvez um tanto liberalizados, de imposição de opiniões e ausência do debate democrático”. O próprio Prestes reconheceria estes desvios quando da sua cisão com a maioria. Ver: Anita Leocádia Prestes, A que Herança os Comunistas devem renunciar?, Caderno, pp.21-2; e, Luís Carlos Prestes, Carta aos Comunistas, divulgada em maio de 1980.

[5] Sobre o processo de fragmentação do Partido Comunista Brasileiro – e da esquerda em geral – ver: GORENDER, 1987; SILVA, 1987; REIS Fº.,1990; e, RIDENTI, 1993. Os documentos políticos das organizações comunistas, no período 1961 a 1971, foram publicados no livro organizado por REIS Fº, Daniel Aarão e SÁ, Jair Ferreira de. Imagens da Revolução. Rio de Janeiro, Marco Zero, 1985.

[6] Um dos principais textos que fez a cabeça da esquerda neste período foi o de Debray, Revolução na revolução. São Paulo. Centro Ed. Latino Americano, s.d. As organizações brasileiras influenciadas pelo foquismo também viam o campo como cenário privilegiado para a implementação da guerra de guerrilha. De fato, tanto os adeptos do maoísmo quanto do foquismo terminaram por se resumirem às ações guerrilheiras na cidade (com o objetivo inicial de angariar fundos para preparar a estrutura da guerrilha no campo). A exceção ficou por conta da guerrilha do Araguaia, preparada e desencadeada sob a liderança do PC do B.

[7]Já o 3º Congresso do Partido Comunista Brasileiro (PCB), realizado em 1928, definiu o caráter da revolução brasileira como “democrática, agrária e antiimperialista”. Esta teoria tem origens nas discussões sobre a questão colonial e nacional no IV e V congressos da Internacional Comunista, realizados em 1922 e 1924. No VI Congresso da IC, realizado em 1928, esta temática envolveu, pela primeira vez, os países latino-americanos, genericamente caracterizados como coloniais e neocoloniais. O IV Congresso do PCB (1954), reafirmou esta tese. Tratava-se de garantir a primeira etapa da revolução brasileira, condição fundamental para garantir a independência do país frente ao imperialismo, realizar o desenvolvimento industrial e superar o latifúndio e os restos feudais, realizando a reforma agrária. Isto abriria o caminho para a Segunda etapa, a etapa socialista. Um socialismo que ficava no horizonte longínquo das intenções. Esta concepção marcou a tradição da esquerda brasileira, inclusive as organizações que aderiram à luta armada no período pós-1964.

[8] Esse debate pode ser acompanhado no jornal “Voz da Unidade”, 298 e seguintes. Ver: Carlos Alberto Noronha. “Transição ou transação”, Voz da Unidade 302, 13 a 19.06.1986; José Paulo Netto. “Crise de identidade no PCB”, Voz da Unidade 303, 20 a 26.06.1986, p.6.

[9] Essa é a postura de Paulo Cavalcanti. “Debater é Preciso”. Voz da Unidade 309, 01 a 07.08.86 (Tribuna de Debates, p.1); e, Marcos Tadeu Del Roio “Crônica de uma morte anunciada”. Voz da Unidade 339, 03 a 09.04.1987 (Voz Debate, p.1).

[10] Consubstanciadas no texto: Uma alternativa democrática para a crise brasileira (PCB, 1987b).

[11] Ver: Gilmar de Lima Martins. “Reorientar a tática, garantir e fazer avançar a transição democrática e construir o partido”. Voz da Unidade 333, 13 a 19.02.87 (VD, p.1).

[12] Como Marcos Tadeu Del Roio no artigo já citado.

[13] Por exemplo: Eliezer Pacheco. “Democracia proletária ou social-democracia”. Voz da Unidade 333, 13 a 19.02.1987 (VD, pp. 2-3); Benedito de Campos. “Estado democrático de direito ou democracia burguesa?” Voz da Unidade, 335. 06 a 12.03.1987 (VD, pp.3-4); Annelise Schmidt. “O partido que queremos: legalidade ou legalismo”. Voz da Unidade, 336, 13 a 19.03.1987 (VD, p.6); e, Roberto Numeriano. “Tática e estratégia da revolução democrática burguesa”. Voz da Unidade 345, 15 a 21.05.87 (VD, pp. 11-12).

[14] Ver: Humberto P. Cavalcanti. “Por um Partido Comunista Brasileiro”. Voz da Unidade 332, 06 a 12.02.1987 (VD, pp. 1-2); José Maria Crispim. “A crise brasileira e o congresso do PCB”. Voz da Unidade 336, 13 a 19.03.1987 (VD, pp.7-8); Hiran Roedel. “Proposta de atuação política do PCB”. Voz da Unidade 339, 03 a 09.04.1987 (VD, p.6); e, Anir Limana. “Frente democrática e popular, aliança das esquerdas e reunificação dos comunistas”. Voz da Unidade 345, 15 a 21.05.1987 (VD, pp.15-16).

[15] As resoluções afirmam: “Não se entende que a transição democrática, como a democracia burguesa, fazem parte da luta entre o proletariado e a burguesia. Que, neste momento, a luta é pela democracia burguesa, mas sem a ilusão de que a democracia será completada com o Estado de Direito Democrático (isso não aconteceu em nenhum país), mas com a conquista da democracia socialista” (PCB, 1987b: 47).

[16] “Editorial: Desafios de estadista na rota de transição”. Voz da Unidade 365, 02 a 08.10.87, p. 02.

[17] Nota distribuída à imprensa por Salomão Malina. Voz da Unidade 374, 04 a 10.12.87, p. 03.

[18] Essa é a avaliação da “Esquerda Socialista”, dissidência paulista. Para esse setor, a maioria da direção do PCB não conseguira avançar na compreensão da realidade do país a partir da década de 1970. Isso explica a deterioração da perspectiva revolucionária e a atuação centrada na política institucional e na negociação. (Ver: Edmilson Costa. Carta de princípios da plataforma da Esquerda Socialista”. São Paulo, novembro de 1990, mimeo).

[19] Entrevista ao autor. [20]Diretório Nacional do PCB. Resolução Política. Brasília, 01.09.1991, 01 pág. In: Coletivo do PCB/Florianópolis. 1991: 81.