30 de set. de 2007

Hobsbawm prevê fim do império americano


Hobsbawm prevê fim do império americano

Folha - Em A Era das Revoluções, o sr. fez uma descrição do mundo no século 18. Se fosse fazer a mesma análise do mundo hoje, que aspectos seriam mais relevantes?

Eric Hobsbawm - Eu tentaria começar a descrevê-lo pelo que se pode ver do espaço. No começo da era das revoluções, o único resultado da ação do homem na Terra que podia ser visto do alto era a Grande Muralha da China. Agora podemos ver muito mais. A partir dos foguetes, se percebe o declínio das florestas, o tamanho e a luz das metrópoles, o reflexo de guerras e catástrofes. Se no século 18 sequer tínhamos uma visão global, agora podemos estar no espaço para conferi-la. Em segundo lugar, uma das grandes dificuldades do século 18, a de como ir de um lugar para o outro, passou por uma revolução sem precedentes. Também chamaria a atenção para o que justamente não se pode ver do espaço, a revolução sem precedentes que é a internet. E outros temas como o fim do campesinato e o novo lugar das mulheres. Mas estou muito velho pra um esforço desses...

Folha - Em seu novo livro, ao criticar a ação dos EUA no Iraque, o sr. diz que os valores ocidentais não podem ser simplesmente apresentados como ''importações tecnológicas cujos benefícios são imediatamente óbvios''. Em que momento o que era sonho virou pesadelo?

Hobsbawm - Sempre foi um pesadelo quando se fez uso de poder militar para exportar valores. As idéias podem viajar, mas não a bordo de tanques. Os ideais da Revolução Francesa se espalharam pela Espanha, pela América Latina e causaram grandes transformações políticas. Mas, quando a França quis exportar suas instituições à força, não teve sucesso. Quando uma intervenção não conta com certo consenso local, tende a fracassar. A idéia por trás de certo imperialismo dos direitos humanos era de que regimes tirânicos seriam tão imunes a influências externas que precisariam ser removidos pela força. Mas trata-se de uma concepção antiga, de um mundo pré-1989, pré-redemocratização de regiões como a América Latina.

Folha - O sr. diz que o objetivo de seu novo livro foi ajudar os jovens a enfrentar o século 21 com o pessimismo necessário. Por quê?

Hobsbawm - O fato é que as perspectivas não são boas. Não me refiro apenas à política internacional, mas também aos assuntos relacionados ao ambiente. Hoje já não se pode dizer tão seguramente, como nos séculos 19 e 20, que estamos num caminho de progresso. Questões como crise de energia e falta de água são reais. Outro processo que não vai parar é o da globalização, e talvez o preparo que se exija dos jovens é para que saibam como lidar com essa aceleração dramática.

Folha - O sr. disse que não é mais um comunista porque o comunismo já não está mais na agenda do mundo. Por que o anticomunismo está tomando formas tão agressivas?

Hobsbawm - O comunismo como movimento que conglomera muita gente já não existe. Não se trata mais de uma alternativa no Ocidente. A partir de 1989, passou a ser diferente. Com relação à China, por exemplo, o que quer que esteja acontecendo de errado lá não tem nada que ver com o comunismo. Também não acho que os trabalhadores que assinaram manifestos pelo comunismo no passado pensem que acreditaram num Deus que falhou. Apenas quiseram fazer uma opção, que não deu certo. Hoje, achar que o comunismo é um mal concreto é algo que está limitado ao meio intelectual. Mais especificamente, a intelectuais de países em que o comunismo foi muito influente no debate político. Então chegou um momento em que essas pessoas quiseram reagir contra, como se estivessem pedindo desculpas. Por exemplo, François Furet [historiador francês, autor de ''Pensando a Revolução Francesa''], quando o conheci, ele não era apenas um comunista, mas um enfático militante stalinista. E depois virou-se completamente.

Folha - No prefácio de seu novo livro o sr. diz que suas convicções políticas são indestrutíveis.

Hobsbawm - Sim, minha convicção de ser de esquerda continua. Me posiciono fortemente contra o imperialismo e contra as forças que acham que fazem um bem a outros países ao invadi-los, e contra a tendência de pessoas que, por serem brancas, são superiores. Essas certezas eu não abandono. Mas algumas das minhas convicções mudaram. Não creio mais que o comunismo como foi aplicado poderia dar certo. E não sou mais revolucionário.

Porém, não acho que tenha sido mau para mim e para minha geração termos sido revolucionários. Cresci na Alemanha de Hitler, sempre odiarei totalitarismos.

Folha - O sr. diz no livro que uma chave para entender o que há de diferente no império norte-americano é que os outros grandes impérios do passado sabiam que não eram os únicos, no tempo em que exerceram o poder, e nenhum ambicionou uma dominação global. O que essa diferença revela?

Hobsbawm - Não acho que exista hoje, como nunca existiu, espaço para um único império no planeta. Mesmo o Império Romano, à sua época, não era o único e sabia disso. Havia o persa, o chinês. Brevemente, no século 19, pode ter parecido possível, por razões tecnológicas, que parte do mundo respondesse a um país, como foi o caso do Reino Unido. Mas a Inglaterra nunca quis tentar exercer todo esse poder. A política do Império Britânico era apenas a de seguir a lógica e os interesses de sua economia. Por um breve momento, realmente controlou boa parte do planeta. Mas tampouco houve um grande inimigo. Acho que o mundo continuará a ser plural, com algumas unidades políticas que serão mais poderosas que as outras. Mas não haverá um único império.

Folha - Mas o sr. acredita que a supremacia norte-americana esteja em vias de se dissolver?

Hobsbawm - A Guerra do Iraque está demonstrando que exercer influência no mundo todo não será possível. Ela está demonstrando que mesmo uma grande concentração de poder militar não pode controlar um Estado relativamente fraco sem certa aprovação ou consenso deste. Defendo no livro que o projeto norte-americano está falindo. O que não significa que os EUA se tornarão um país mais fraco, ou que estejam em declínio ou colapso. Mesmo que percam os seus soldados, continuarão sendo uma nação importante, econômica e politicamente.

Folha - Mas onde estão os indícios dessa falência, além do fracasso da intervenção militar no Iraque?

Hobsbawm - O império norte-americano não permanecerá, entre outras razões, por questões internas. A maior parte dos norte-americanos não quer saber de imperialismo e sim de sua economia interna, que tem mostrado fragilidades. Logo os projetos de dominação mundial terão de dar lugar a preocupações econômicas. E os outros países, se não podem conter os EUA, têm de acreditar que é possível tentar reeducá-los.

Folha - O sr. tem defendido que a reação à Al Qaeda é mais perigosa do que os atentados promovidos pelo grupo. Por quê?

Hobsbawm - O projeto político da Al Qaeda é o de recriar a área do califado muçulmano, da Pérsia até a Espanha. Isso é algo completamente fora de questão, uma utopia. O modo como a Al Qaeda se desenvolveu, em pequenos grupos ativos, é muito mais eficiente do que o terrorismo de outros tempos, muito por conta do elemento do homem-bomba. O homem-bomba não é apenas eficaz do ponto de vista objetivo, ele é também mais assustador, porque emocionalmente as pessoas acham difícil entendê-lo, justificá-lo.

Por outro lado, se olharmos para o número de pessoas mortas não só pela Al Qaeda mas por todos os terroristas e homens-bomba até hoje, em termos absolutos, é algo muito pequeno. É um erro achar que a Al Qaeda é uma ameaça ao mundo. A reação à Al Qaeda, essa sim, tem sido perigosa. Não só porque está produzindo uma intervenção militar massiva em locais em que não deveria haver nenhuma intervenção militar. Mas também porque está sendo responsável pela diminuição do respeito aos direitos humanos no Ocidente. É claro que seria ridículo não levar a Al Qaeda a sério. Mas bombardear países não é o modo de lidar com esse tipo de problema. Nunca foi. A questão deve ser resolvida pelos meios tradicionais aplicados no passado, contra o IRA (Exército Republicano Irlandês) e outros grupos terroristas. Por meio de estratégias de investigação policial, da infiltração, de ações localizadas. Trata-se de um problema policial, não militar.

Folha - Quando conversamos, em 2002, por ocasião do lançamento de sua biografia, Tempos Interessantes, o sr. disse que considerava a América Latina um ''fantástico laboratório de transformações históricas''. Ainda pensa assim?

Hobsbawm - Sim, ainda acho que se trata de um continente em que é possível acompanhar desde o momento em que a natureza foi dominada e as pessoas se estabeleceram até a rápida modernização, industrial e da sociedade, ao mesmo tempo. Algo que em outros lugares levaria gerações na América Latina acontece de modo muito acelerado. Visitei o Brasil pela primeira vez há 40 anos. E hoje observo que o país mudou dramaticamente.

Folha - Para o bem?

Hobsbawm - Deixando de lado juízos de valor... O que me impressiona hoje é perceber que antes eu considerava 40 anos um tempo muito longo na história, e agora sei que cabe numa vida humana. Para um historiador, a América Latina, o Brasil, são lugares onde você pode acompanhar um processo inteiro. Como foi importante para Darwin em relação à biologia, acontece da mesma forma para a história. Mas o que continua sendo um mistério para mim é por que, apesar de seu grande potencial, a América Latina tenha permanecido à margem da história ocidental e aí continua. E é desse modo, também, que está entrando no século 21.

Folha - O sr. não vê perspectivas?

Hobsbawm - Não para a América Latina como um todo, possivelmente para o Brasil.

Folha - O sr. segue otimista com o governo Lula?

Hobsbawm - Não tenho acompanhado de forma pontual, mas no geral o Brasil está melhor. A economia, o padrão de vida das pessoas. Em outros aspectos, segue uma bagunça. É interessante notar que, no que diz respeito às diferenças sociais, o país não está mais sozinho. O resto do mundo também ficou socialmente mais polarizado. O Brasil tem uma chance hoje de, como a Argentina em certo momento do século 19, desenvolver-se economicamente muito rápido a partir da exportação de produtos primários. Há uma crise de produtos naturais no mundo e o Brasil tem um potencial ilimitado em relação à produção de alimentos.

Folha - O que o sr. acha de Hugo Chávez?

Hobsbawm - É uma figura simpática, tem senso humor, não é um intelectual, economista, teórico, mas se transformou em mais do que mais um militar latino-americano que tomou o poder. Ele teve sucesso ao se transformar num símbolo genuíno de liderança para a América Latina. Ele continua, mas supera o que simbolizou Fidel Castro. E tem muita sorte de ter tanto petróleo por trás.

Folha - E Fidel Castro? O que ficará da Revolução Cubana?

Hobsbawm - Cuba já vive a fase de transição pós-Castro. Castro será lembrado como uma lenda, uma tocha da emancipação da América Latina em relação aos EUA, uma expressão dramatizada de sua aspiração por independência, um símbolo antiimperialista. Vai ser lembrado por conquistas sociais que nenhum outro país latino-americano alcançou. Acho que não foi suficientemente dito ainda o quanto melhorou a qualidade e a expectativa de vida dos cubanos. Porém, fundamentalmente, o projeto cubano não pode ser considerado um sucesso. Economicamente, foi um desastre até, assim como a tentativa de revolucionar o resto da América Latina não teve sucesso. Fidel vai sobreviver como Che Guevara. Uma imagem, um símbolo.

Folha - No ensaio Nations and Nationalism in the New Century (Nações e nacionalismo no novo século), o sr. lamenta o fato de que as seleções de futebol nacionais estejam perdendo força para os chamados superclubes internacionais. O sr. não acha que o nível do esporte, por conta disso, tenha melhorado?

Hobsbawm - O futebol sintetiza muito bem a dialética entre identidade nacional, globalização e xenofobia dos dias de hoje. Os clubes viraram entidades transnacionais, empreendimentos globais. Mas, paradoxalmente, o que faz o futebol popular continua sendo, antes de tudo, a fidelidade local de um grupo de torcedores para com uma equipe. E, ainda, o que faz dos campeonatos mundiais algo interessante é o fato de que podemos ver países em competição. Por isso acho que o futebol carrega o conflito essencial da globalização.

Os clubes querem ter os jogadores em tempo integral, mas também precisam que eles joguem por suas seleções para legitimá-los como heróis nacionais. Enquanto isso, clubes de países da África ou da América Latina vão virando centros de recrutamento e perdendo o encanto local de seus encontros, como acontece com os times do Brasil e da Argentina. É um paradoxo interessante para pensar sobre a globalização.

Fonte: Folha de S.Paulo, 30/9/07

28 de set. de 2007

Livros didáticos

Livros didáticos
O caderno Aliás de 23/9 trouxe algumas menções de educadores ao livro didático que entendemos equivocadas. Em respeito aos leitores, gostaríamos de apresentar a visão de quem faz o livro didático no País. Em primeiro lugar, ressaltamos que a atual forma
de escolha do livro didático é uma das mais democráticas e transparentes do mundo. O sistema é tão bem-feito que prosseguiu mesmo com a mudança de governo. Graças a esse esforço conjunto da sociedade, o Brasil tem um dos melhores programas de compra e distribuição de livros didáticos, além de reforçar a importância da livre escolha do professor. Ou seja, não há imposição de governantes na escolha da obra e os títulos e abordagens são variados. Como o professor é parte fundamental neste processo, o educador fica confortável para utilizar em suas aulas o livro escolhido por ele. Por conseqüência, o aluno usará efetivamente o material. Também é importante ressaltar que diante de critérios tão rigorosos de escolha as editoras são forçadas a ter sempre o melhor livro didático possível, com investimento em autores, pesquisas e na qualidade de impressão. A complexidade da edição e produção do livro didático, muito maior que a de outros tipos de obras, assim como as altas tiragens necessárias à sua viabilização exigem investimentos vultosos que aumentam significativamente o risco desse ramo editorial. Em conseqüência, as editoras organizam-se como empresas modernas. Dispõem de profissionais de alto nível, de complexa estrutura organizacional, de ampla rede de distribuição e de tecnologia sofisticada. Portanto, não se pode criticar todo um sistema que vem dando certo há tanto tempo sem conhecê-lo com rigor e mais profundidade. Nem criticá-lo em sua totalidade por causa de questões específicas e pontuais.
JOÃO ARINOS,
presidente da Associação Brasileira de Editores de Livros
São Paulo

27 de set. de 2007


MARCHA DO TEMPO

NOS FHC

A mídia e a presidência na Era FHC

Por Mauro Porto em 26/6/2007

Reproduzido do Mídia & Política nº 35, 23/6/2007

O campo dos estudos brasileiros sobre comunicação política tem se consolidado nos últimos anos. O país já conta com grupos de trabalho e associações profissionais dedicados à área, bem como com uma vasta bibliografia sobre mídia e política. Todavia, entre os temas importantes que ainda não foram tratados com a atenção devida está a comunicação presidencial. Algumas questões surgem neste contexto. Quais estratégias os Presidentes da República adotam para se comunicar com o público? Quais estruturas de assessoria e de relacionamento com a imprensa são montadas no Palácio do Planalto? Quais canais os Presidentes utilizam para influenciar a cobertura jornalística? Em que medida o Presidente tem sucesso no controle da agenda pública? Existem vários estudos sobre mídia e política que abordam alguns destes temas, mas ainda não contamos com esforços de teorização ou com estudos empíricos sistemáticos que apresentem respostas a estas questões.

Neste artigo, apresento algumas observações preliminares sobre a estratégia de comunicação estabelecida nos dois mandatos do Presidente Fernando Henrique Cardoso. A discussão faz parte da pesquisa que estou desenvolvendo sobre o papel da televisão na política brasileira desde a redemocratização e que deverá resultar em um livro. A discussão que apresento a seguir está baseada em entrevistas que realizei em 2006 com jornalistas e políticos, includindo o Presidente Fernando Henrique Cardoso [a entrevista com Fernando Henrique Cardoso foi conduzida pelo autor em São Paulo no dia 18 de julho de 2006].

Estratégias de comunicação presidencial

Ao assumir o poder, os chefes do Poder Executivo podem adotar diferentes modelos de comunicação. Para controlar a agenda da mídia e influenciar a agenda pública, os Presidentes e suas equipes podem adotar diferentes estratégias. O Presidente [utilizo o substantivo masculino, já que a Presidência tem sido historicamente monopolizada por homens no brasil] deve decidir quais atores do campo jornalístico são importantes e quem da sua equipe ficará encarregado da relação com estes atores. A grosso modo, é importante distinguir pelo menos três tipos de atores no campo do jornalismo: proprietários, editores e repórteres. O Presidente pode buscar se relacionar diretamente com cada um destes atores. No mundo da política real, todavia, o tempo dos detentores do poder é escasso. Estas tarefas são freqüentemente delegadas a membros da equipe, especialmente ao assessor de imprensa e/ou porta-voz.

A estratégia de comunicação presidencial depende de vários fatores contextuais. Em países que contam com instituições jornalísticas mais profissionalizadas, em que as salas de redação têm maior autonomia em relação a outsiders, incluindo proprietários, a relação do Presidente com os jornalistas e editores é particularmente importante. Já em países ou períodos em que os níveis de profissionalização e autonomia jornalísticos são baixos, ou nos casos de proprietários com tradição de manipulação de suas empresas, contatos com os donos da mídia são particularmente importantes.

Na breve discussão que apresento a seguir aplico estas distinções à era FHC, enfatizando em particular a relação entre o Palácio do Planalto e a Rede Globo. O objetivo é elaborar algumas observações que possam apresentar subsídios para pesquisas futuras sobre a comunicação presidencial.

FHC e os jornalistas

Não é necessário aqui lembrar o papel absolutamente central do Plano Real na eleição de Fernando Henrique Cardoso em 1994. Também creio ser desnecessário enfatizar que os meios de comunicação estiveram entre os atores que apoiaram o plano de forma ativa. A posse de FHC ocorre em meio a um consenso generalizado na mídia e na sociedade em torno do novo plano econômico. Cardoso inicia o seu primeiro mandato desfrutando de níveis elevados de aprovação.

Neste pequeno ensaio trato de uma questão mais específica. Qual foi a estratégia de comunicação montada pelo Presidente Fernando Henrique? Mais especificamente, que tipo de relacionamento FHC e sua equipe de comunicação estabeleceram com a mídia em geral e com a TV Globo em particular? Quais dos três tipos de atores no campo do jornalismo (proprietários, editores e repórteres) foram privilegiados?

Comecemos com a relação entre o Palácio do Planalto e os repórteres. Apesar do clima de consenso que predominou no início do primeiro mandato, o Presidente e sua equipe partiram do pressuposto de que a esquerda em geral, e o PT em particular, exerciam uma influência significativa nas redações e de que a relação com repórteres não seria necessariamente fácil. Um dos aspectos mais importantes da comunicação presidencial na era FHC foi a decisão de indicar a jornalista Ana Tavares para ocupar a Assessoria de Imprensa da Presidência da República. Em seus oito anos no cargo, a jornalista montou o que muitos repórteres e editores definiram em suas entrevistas como a assessoria de imprensa mais profissional e eficaz já montada no Palácio do Planalto. Ana Tavares conhecia os jornalistas que cobriam o governo e era por eles conhecida, criando um importante clima de confiança pessoal. Muitos jornalistas descreveram em suas entrevistas que era "fácil" cobrir a Presidência, pois a assessora passava as informações necessárias e freqüentemente conseguia agendar entrevistas com o Presidente.

Portanto, a comunicação presidencial na era FHC foi caracterizada não só pela decisão de delegar a relação com jornalistas para a Assessora de Imprensa, como também pela criação das condições necessárias para o seu funcionamento. Em outras palavras, Ana Tavares teve um relativo êxito na coleta de informações solicitadas pela imprensa e no agendamento de entrevistas com o Presidente, o que facilitou o trabalho com repórteres e eliminou algumas resistências.

FHC e os editores

Todavia, de nada adianta ao Presidente cultivar boas relações com jornalistas se os editores vetarem ou alterarem as matérias que são produzidas por eles. Portanto, além de repórteres, a relação com editores e chefes de redação é vital para o êxito das estratégias de comunicação presidencial.

No caso específico da Rede Globo, o governo Fernando Henrique enfrentou uma transição importante na direção do departamento de jornalismo da emissora. Quando Fernando Henrique toma posse em 1995, a Central Globo de Jornalismo (CGJ) era comandada por Alberico de Sousa Cruz. Responsabilizado pela famosa edição do debate entre Lula e Collor no segundo turno da eleição de 1989, Alberico ocupou o cargo de Diretor Geral da CGJ entre 1990 e 1995. Neste período, Alberico estabeleceu relações pessoais e íntimas com políticos e Presidentes, incluindo Fernando Collor de Mello. Um dos aspectos que facilitou inicialmente a estratégia de comunicação de Fernando Henrique foi o fato de que ele também tinha boas relações pessoais com Alberico e que esta relação facilitou a influência do governo no jornalismo da Globo. Nas minhas entrevistas, tanto políticos como jornalistas afirmaram que a parcialidade e a amizade pessoal de Alberico com FHC foi uma das razões principais da sua demissão poucos meses depois. Alberico é substituído por Evandro Carlos de Andrade no posto de Diretor Geral da Central Globo de Jornalismo em julho de 1995. Em trabalhos anteriores, já analisei em detalhe a importância e as conseqüências desta mudança. [Mauro Porto, "Novos apresentadores ou novo jornalismo? O Jornal Nacional antes e depois da saída de Cid Moreira". Comunicação e Espaço Público, Vol. 4, n. 1-2, 2002, pp. 9-31; e Mauro Porto, "TV news and political change in Brazil: The impact of democratization on TV Globo´s journalism." Journalism, Vol. 8, n. 4, 2007, pp. 381-402] Para os objetivos deste texto, cabe ressaltar que a contratação de Evandro Carlos de Andrade teve por objetivo recuperar a credibilidade do jornalismo da Rede Globo através de uma maior profissionalização e de menos intervenções explícitas e parciais no campo da política. Neste sentido, a relação de Cardoso com os editores da Rede Globo ficou mais difícil, quando comparada com o fácil acesso do Presidente na gestão de Alberico.

Estas mudanças no corpo de editores da Rede Globo tiveram repercussões importantes para a comunicação presidencial. Em sua entrevista, Fernando Henrique afirmou que um dos filhos de Roberto Marinho comunicou a ele que a empresa ia mudar a direção do jornalismo. Segundo o Presidente, os proprietários da Globo afirmaram na ocasião que uma das conseqüêcias da mudança seria uma maior independência da emissora em relação ao governo.

Ao ressaltar estas mudanças, não estou pretendendo afirmar que Fernando Henrique teve dificuldades no seu relacionamento com os novos editores da Central Globo de Jornalismo ou que a emissora exerceu um jornalismo imparcial em relação ao governo. Em livro que será lançado em breve, demonstro que o jornalismo da Rede Globo continuou a privilegiar os enquadramentos do governo federal durante o segundo mandato de Fernando Henrique. [Mauro Porto, Televisão e Política no Brasil: A Rede Globo e as Interpretações da Audiência. Rio de Janeiro: E-Papers (no prelo).] O meu objetivo aqui é apenas ressaltar um tema até agora negligenciado pelos estudos de comunicação política: o fato de que mudanças na linha editorial da principal empresa de comunicação do país afetam as estratégias de comunicação presidencial. Em particular, a maior profissionalização do jornalismo da Globo fez com que o favorecimento das perspectivas do governo se estabelecesse de forma mais sutil e indireta, quando comparado às manipulações mais explícitas do passado.

FHC e os donos da mídia

Finalmente, cabe ressaltar o terceiro ator do campo jornalístico que é essencial para as estratégias de comunicação dos Presidentes: os proprietários dos meios de comunicação. Sabendo da importância dos proprietários na formação da linha editorial de suas empresas, Fernando Henrique buscou cultivar uma relação direta e pessoal com eles. Em momentos de crise, o Presidente chegou a intensificar contatos com os donos da mídia com o objetivo de alterar a cobertura noticiosa. Por exemplo, no primeiro semestre de 1998 a reeleição de Fernando Henrique parecia ameaçada pelo caráter essencialmente negativo da agenda da mídia e pelo crescimento de Lula nas pesquisas. O Presidente entrou então em contato com vários proprietários de meios de comunicação alertando para o fato de que a continuidade deste tipo de cobertura poderia levar à eleição de Lula. [Em sua entrevista, Cardoso ressaltou que agenda da mídia no primeiro semestre de 1998 era realmente negativa e culpou a influência do PT nas redações por este tom da cobertura. Todavia, o Presidente negou que tenha estabelecido contatos freqüentes e diretos com proprietários dos meios de comunicação para alterar a cobertura noticiosa. O Presidente admitiu apenas ter conversado a respeito com Octavio Frias, proprietário da Folha de S. Paulo. Apesar do Presidente negar o fato, alguns jornalistas relataram em suas entrevistas que proprietários de empresas de comunicação foram procurados na época pelo Presidente.]

Um dos fatos marcantes da era FHC foi o gradual afastamento de Roberto Marinho do comando da Rede Globo por motivos de saúde. Quando Fernando Henrique tomou posse em 1995, os três filhos de Marinho já haviam assumido o controle da empresa. As conseqüências desta mudança geracional não podem ser ignoradas. Marinho exercia um controle claro e às vezes direto da linha editorial da principal empresa de comunicação do país. Já os seus três filhos optaram por uma maior profissionalização da Central Globo de Jornalismo, dando mais autonomia para editores e jornalistas. Portanto, a importância do cultivo de relações diretas com os proprietários da Globo diminuiu na era FHC.

Não pretendo com isso afirmar que FHC teve dificuldades no relacionamento com os proprietários da Globo ou que os filhos de Roberto Marinho não exerceram influência no seu governo. Em sua entrevista, o Presidente relatou, por exemplo, ter consultado os novos proprietários das Organizações Globo quando se negociava nomes para a composição da equipe do Ministério das Comunicações. O meu objetivo é ressaltar um aspecto ainda não explorado pelos estudos brasileiros de comunicação política: o impacto do afastamento de Roberto Marinho para as estratégias de comunicação da Presidência da República.

Espero que este texto de naturera introdutória contribua para gerar novas questões e novas pesquisas sobre a relação entre o campo jornalístico e as estratégias de comunicação presidencial.

Observatório da Imprensa, acesse aqui.

23 de set. de 2007

O ensino da História- Ana Maria Pereira

O ensino da História como responsabilidade social
Ana Maria Pereira

Segundo muitos pensadores contemporâneos, vivemos na pós-Modernidade. Não cabe discutir este conceito aqui, mas constatamos que pelo menos num aspecto, todos os pós-modernos concordam: atravessamos uma crise de paradigmas. Contexto em que o conhecimento é sistematicamente colocado à prova, ao mesmo tempo em que se afirma o relativismo das verdades historicamente construídas pela Modernidade. É nessa configuração, que discutimos o ensino de História.

O ensino dessa disciplina, até a década de 70, centrava-se na concepção diríamos, positivista e reprodutivista da História. Positivista pela crença de que o desenvolvimento histórico e resultante de uma "ordem" e de um "progresso" naturais, desdobrando-se numa sucessão de fatos explicados para uma relação lógica de causas e efeitos, cujos atores são sempre os grandes nomes da História política. Reprodutivista porque tal modelo, ao destituir o aspecto dialético e crítico dessa disciplina, serviu como instrumento de reprodução ideológica do Estado Militar.

A penetração da análise econômica da História, nos níveis Fundamental e Médio, sobretudo a partir da década de 80, subverteu esse modelo, abrindo o campo da explicação social para uma visão de totalidade histórica. Sob influência do Marxismo, da Nova História e da Historiografia Inglesa, alguns livros didáticos se renovaram e outros surgiram, incorporando avanços acadêmicos que contribuíram para maior criticidade na abordagem histórica.

Outro fator determinante para a mudança no ensino de História foi a própria exigência do Vestibular. Desde os anos oitenta, principalmente nas Universidades públicas, por meio dos Exames Seletivos dos Vestibulares, passou-se a exigir do aluno maior capacidade crítica na interpretação da História, minimizando, cada vez mais, a necessidade de memorização dos tradicionais nomes, datas e fatos isolados de seus contextos sócio-econômicos. Esse fator, certamente somou-se aos esforços que ajudaram até certo ponto, a romper com o ensino alienado de História em sala de aula. Dessa forma, muitos professores ao incorporarem uma visão crítica de sua disciplina, deixaram de ser meros reprodutores para assumirem o papel de pesquisadores do conhecimento histórico.

O aluno por sua vez, também se modificou. Em razão das mudanças internas do país, dos avanços pedagógicos e das consequências do contexto da revolução informacional mundial (era da informação), perdeu seu caráter de receptor passivo, na medida em que pelas mesmas razões, o professor perdia o monopólio absoluto do saber (se é que de fato o possuía).

Evidentemente, não significa que o professor desaprendeu ou que não conhece mais o suficiente para ensinar. Ao contrário, o professor aprendeu mais, exatamente pela consciência que adquiriu sobre suas próprias limitações e pela complexidade que se revelou o conhecimento histórico com os novos estudos e enfoques. Entretanto, a História foi destituída de seu status de consolidadora do passado, tomando-se o que de fato ela é: uma ciência em construção.

Nesse sentido, o papel do professor de História (e das outras disciplinas) extrapola o conteúdo de sua disciplina, levando-o à condição de mestre e de aprendiz. A lousa não deixa de existir, as provas continuam a ser cobradas, o livro didático permanece como ferramenta de aprendizado, mas o conhecimento, pela dinâmica transdisciplinar adquirida na contemporaneidade, não se limita a esses elementos.

Ocorre de certa forma, uma desterritorialização do espaço de aprendizado, visto que, sem eliminar a aula expositiva e os exercícios de sala de aula, aprende-se e ensina-se História em muitos espaços e por muitos meios: pela ida ao museu ou exposição de arte, pelo uso de um vídeo, por uma pesquisa ou um programa em multimídia, por leituras paradidáticas ou de revistas e jornais, etc. Práticas que têm se tornado cada vez mais comuns no cotidiano das aulas de História em nossa escola.

Neste novo cenário, ensinar História significa impregnar de sentido a prática pedagógica cotidiana, na perspectiva de uma escola-cidadã. Vale dizer, que a escola é reprodutora, na medida em que trabalha com determinados conhecimentos produzidos e acumulados pelo mundo científico, mas transformadora, visto que promove uma apropriação crítica desse mesmo conhecimento tendo em vista a melhoria da qualidade de vida da sociedade global.

22 de set. de 2007

Fundação Perseu Abramo

A Fundação Perseu Abramo coloca à disposição dos leitores 43 livros de sua editora para download gratuito. É uma iniciativa, inédita em termos quantitativos, que busca aumentar o alcance das publicações e incentivar a circulação e o debate de idéias. São livros de autores diversos, pensadores contemporâneos e das mais diferentes áreas. A maior parte dos livros disponibilizados na Biblioteca Digital continua à venda no site e nas livrarias.


20 de set. de 2007

O livro didático que a Globo quer proibir

CARTA RESPOSTA.

A respeito do artigo do jornalista Ali Kamel no jornal O Globo de 18 de setembro de 2007 sobre o volume de 8ª série da obra Nova História Crítica, de Mario Schmidt, o autor e a Editora Nova Geração comentam: Nova História Crítica da Editora Nova Geração não é o único nem o primeiro livro didático brasileiro que questiona a permanência de estruturas injustas e que enfoca os conflitos sociais em nossa história. Entretanto, é com orgulho que constatamos que nenhuma outra obra havia provocado reação tão direta e tão agressiva de uma das maiores empresas privadas de comunicação do país.

Compreendemos que o sr. Ali Kamel, que ocupa cargo executivo de destaque nas Organizações Globo, possa ter restrições às posturas críticas de nossa obra. Compreendemos até que ele possa querer os livros didáticos que façam crer ''que socialismo é mau e a solução para tudo é o capitalismo''. Certamente, nossas visões políticas diferem das visões do sr. Ali Kamel e dos proprietários da empresa que o contratou. O que não aceitamos é que, em nome da defesa da liberdade individual, ele aparentemente sugira a abolição dessas liberdades.

Não publicamos livros para fazer crer nisso ou naquilo, mas para despertar nos estudantes a capacidade crítica de ver além das aparências e de levar em conta múltiplos aspectos da realidade. Nosso grande ideal não é o de Stálin ou de Mao Tsetung, mas o de Kant: que os indivíduos possam pensar por conta própria, sem serem guiados por outros.

Assim, em primeiro lugar exigimos respeito. Nós jamais acusaríamos o sr. Kamel de ser racista apenas porque tentou argumentar racionalmente contra o sistema de cotas nas universidades brasileiras. E por isso mesmo estranhamos que ele, no seu inegável direito de questionar obras didáticas que não façam elogios irrestritos à isenção do Jornal Nacional, tenha precisado editar passagens de modo a apresentar Nova História Crítica como ridículo manual de catecismo marxista. Selecionar trechos e isolá-los do contexto talvez fosse técnica de manipulação ultrapassada, restrita aos tempos das edições dos debates presidenciais na tevê. Mas o artigo do sr. Ali Kamel parece reavivar esse procedimento.

Ele escolheu os trechos que revelariam as supostas inclinações stalinistas ou maoístas do autor de Nova História Crítica. Por exemplo, omitiu partes como estas: ''A URSS era uma ditadura. O Partido Comunista tomava todas as decisões importantes. As eleições eram apenas uma encenação (...). Quem criticasse o governo ia para a prisão. (...) Em vez da eficácia econômica havia mesmo era uma administração confusa e lenta. (...) Milhares e milhares de indivíduos foram enviados a campos de trabalho forçado na Sibéria, os terríveis Gulags. Muita gente foi torturada até a morte pelos guardas stalinistas...'' (pp. 63-65).

Ali Kamel perguntou por onde seria possível as crianças saberem das insanidades da Revolução Chinesa. Ora, bastaria ter encotrado trechos como estes: ''O Grande Salto para a Frente tinha fracassado. O resultado foi uma terrível epidemia de fome que dizimou milhares de pessoas. (...) Mao (...) agiu de forma parecida com Stálin, perseguindo os opositores e utilizando recursos de propaganda para criar a imagem oficial de que era infalível.'' (p. 191) ''Ouvir uma fita com rock ocidental podia levar alguém a freqüentar um campo de reeducação política. (...) Nas universidades, as vagas eram reservadas para os que demonstravam maior desempenho nas lutas políticas. (...) Antigos dirigentes eram arrancados do poder e humilhados por multidões de adolescentes que consideravam o fato de a pessoa ter 60 ou 70 anos ser suficiente para ela não ter nada a acrescentar ao país...'' (p. 247) Os livros didáticos adquiridos pelo MEC são escolhidos apenas pelos professores das escolas públicas. Não há interferência alguma de funcionários do Ministério.

O sr. Ali Kamel tem o direito de não gostar de certos livros didáticos. Mas por que ele julga que sua capacidade de escolha deveria prevalecer sobre a de dezenas de milhares de professores? Seria ele mais capacitado para reconhecer obras didáticas de valor? E, se os milhares de professores que fazem a escolha, escolhem errado (conforme os critérios do sr. Ali Kamel), o que o MEC deveria fazer com esses professores? Demiti-los? Obrigá-los a adotar os livros preferidos pelas Organizações Globo? Internar os professores da rede pública em Gulags, campos de reeducação ideológica forçada para professores com simpatia pela esquerda política? Ou agir como em 1964?

19 de set. de 2007

Os tigres de papel

Os tigres de papel

Por Carlos Brickmann em 18/9/2007

Comecemos com uma declaração de princípios: nenhum político que esteja ao lado de todos os governos, por mais inimigos que sejam uns dos outros, merece consideração. É o caso de Renan Calheiros: era comunista linha chinesa, articulou a candidatura de Fernando Collor de Mello à Presidência, apoiou Itamar Franco, foi ministro de Fernando Henrique Cardoso, é aliado de Lula desde criancinha. Não há como respeitá-lo. Não há como respeitá-lo como político, mas é essencial respeitá-lo como ser humano.

O jornalista, como cidadão, tem o mesmo direito de todos os cidadãos de pensar como quiser. Mas, enquanto jornalista, é delegado dos consumidores de notícias. Espera-se que narre os fatos com toda a honestidade e a máxima objetividade possível. O consumidor de notícias, que em última análise é quem paga nosso salário, quer ser informado ampla e corretamente. E está no seu direito.

Jornalista, enquanto jornalista, não pode vaiar um político, por mais que o despreze, por menos que o aprecie. E não somente por motivos éticos: ao agir como torcedor, o jornalista se deprecia. Uma reportagem bem-feita derruba um governo, contribui para a mudança de um regime político. Uma vaia não muda nada. Quando jornalista age como moleque, sua influência é a de um moleque.

O caso Renan mostrou isto com toda a clareza. Renan tem muitos defeitos (alguns dos quais, com certeza, compartilhados por bom número de seus pares). Se a história das rádios for verdadeira, merece ter o mandato cassado – talvez não por quebra de decoro, mas por violação deliberada das leis do setor. Mas que seja cassado pela lei, não pela imprensa. Jornalista não pode acumular as funções de investigador, promotor, juiz e carrasco. É muita coisa para uma pessoa só.

Quanto alguns colegas tentaram acumular essas funções, tivemos casos como os de Alceni Guerra, de Ibsen Pinheiro, da Escola Base. Não deu para aprender?

Para acessar o Observatório da Imprensa aqui

Memória de Allende sumiu para a grande mídia

Memória de Allende sumiu para a grande mídia

Por Ivy Garcia em 18/9/2007


Após o ataque terrorista de 11 de setembro de 2001, nos Estados Unidos, a mídia parece ter esquecido completamente que, muito antes, nossos irmãos chilenos morriam coincidentemente também em 11 de setembro, porém de 1973, em decorrência do golpe militar.

A grande imprensa, cumprindo seu papel principal que é informar, poderia relembrar os tanques e aviões bombardeando o palácio presidencial em Santiago e a morte do presidente Salvador Allende na mesma proporção em que, há 6 anos, mostra as torres gêmeas vindo ao chão.

Seria igualmente gratificante assistirmos nos telejornais a reportagens especiais sobre o papel dos EUA no golpe militar, fundamentando-as no desarquivamento de documentos norte-americanos em 1999. As informações possibilitaram o esclarecimento sobre a responsabilidade de Washington na derrubada de Allende e o apoio ao golpe do general Augusto Pinochet.

Esses dados vieram a público após 30 anos de debates sobre o assunto. Ainda que tardiamente, ficou patente que as operações secretas da CIA no Chile, entre 62 e 73, tentaram impedir a eleição de Allende, desestabilizar seu governo e, após o cruel golpe militar, em 11 de setembro de 1973, que também contou com apoio norte-americano, apoiaram o regime militar.

O 34º aniversário do golpe chileno deve ser motivo de reflexão em memória de tantas vítimas da ganância e intolerância, mas, acima de tudo, devemos ter o direito de assistir, ler e ouvir sobre um assunto tão importante e que marcou a história da América Latina.

15 de set. de 2007

MSM

IMPRENSA

"Sem-mídia" se manifestam em frente à Folha

Manifestação por mais liberdade de imprensa no Brasil denuncia cartelismo editorial da mídia conservadora. Manifestantes prometem que esse só foi o primeiro passo de uma longa caminhada.

Cidadãos brasileiros de variados matizes ideológicos e partidários, vindos de várias regiões e cidades do país e agrupados em torno de um movimento auto-intitulado "MSM - Movimento dos Sem Mídia" realizaram, na manhã desse sábado, 15/09, uma manifestação política singular em frente ao prédio do jornal Folha de S.Paulo.

Uma manifestação de caráter político - mas que se pretende político com "P" maiúsculo. Um ato que -, garantem os seus organizadores e participantes - reivindica e cobra, sobretudo e essencialmente, a observância de princípios básicos em defesa da cidadania e do bom jornalismo - aquele tipo de jornalismo que tem compromisso apenas com o pluralismo e com verdade factual e que, há muito, não é praticado nas redações da grande mídia .

Foi uma iniciativa de Eduardo Guimarães, um velho conhecido de jornalistas, ombudsmans e editores dos espaços destinados aos leitores em blogs, sites, revistas e jornais - dizem que Clóvis Rossi, atormentado pela marcação cerrada de E.G., um dia exasperou-se e disse-lhe que iria mandar-lhe de presente uma camisa-de-força. A sua luta solitária, aos olhos de alguns, era sinal de "insanidade". Todos sabemos que, na nossa cultura, a diferença é sempre enquadrada como "loucura", numa tentativa ardilosa de domar ou anular o diferente. Guimarães, e pude conferir isso pessoalmente, não tem nada de "desmiolado".

O pequeno homem contra o gigante da mídia é hoje (re)conhecido pela sua saga obstinada, quase quixotesca, na defesa de um jornalismo plural, que atenda, principalmente, aos interesses dos leitores, e não às pressões e demandas de partidos políticos, governos ou grupos econômicos. Esse ato em frente à Folha, parece ter sido, finalmente, um gesto corajoso, de impacto e desdobramentos imprevisíveis. No que parece ter sido um peremptório "basta!" dado por Guimarães e pelos que, de modo desinteressado, estão ao seu lado nessa empreitada .

Guimarães não é ligado a partidos políticos, igrejas, sindicatos ou movimentos sociais. Não que haja algum demérito em ser ligado a algumas dessas instituições, claro. Mas isso parece tornar mais "puro" o movimento capitaneado por ele - pelo menos na avaliação de alguns de seus integrantes e observadores. Ou seja, livre de tendências ou amarras ideológicas. Assim, o movimento, que ora se agrupa e organiza, não poderá ser acusado de servir ao partido X ou Y ao governo W ou Z.

No evento, que começou por volta das 10h, e, nesse momento, reunia, numa ensolarada manhã de sábado, cerca de duzentas pessoas, pude aquilatar a indignação das chamadas "pessoas de bem’ com as imposturas da grande imprensa. Ali estavam homens e mulheres que se dispuseram a deixar um pouco de lado sua confortável e preguiçosa rotina de fim-de-semana, e se dirigiram até a rua Barão de Limeira, no centro da cidade, para manifestar sua indignação em frente "jornalão", utilizado ali como um símbolo.

Alguns confeccionaram (e empunharam) faixas onde se podia ler, por exemplo: "Que a mídia fale, mas não nos cale!", ou ainda, "Abaixo a ditadura da opinião publicada. Regulação já!". Quase todos portavam etiquetas com a inscrição "MSM" estampada no peito, ou, "MSM - Contra o império da mentira". Essas "palavras de ordem" dão indícios do que poderia ser considerado como um ideário incipiente do movimento, como suas principais reivindicações? Isso só os integrantes do "MSM" poderão responder. Pode-se ler o manifesto do grupo, na íntegra, no blog de Eduardo Guimarães. Vale a pena.

Esse manifesto, depois de lido no megafone, foi entregue por Guimarães, por volta das 11h20, na portaria do jornal - não sem uma certa relutância e sob o olhar um tanto constrangido da jornalista Kátia Seabra, da própria Folha, que estava ali para cobrir a manifestação.

Alguns manifestantes diziam, não sem uma pitada de exagero, que estavam ali fazendo história. E que aquele era o primeiro passo de uma longa caminhada. Exageros à parte, o fato é que outros atos já estão previstos para as cidades do Rio de Janeiro e, de novo, em São Paulo. Os próximos alvos parecem ser a Globo e a Abril (a revista Veja).

(Jornalistas e colaboradores de alguns veículos da imprensa alternativa (ou quase) estavam presentes cobrindo o ato: Agência Carta Maior, Caros Amigos, Conversa Afiada, IG, dentre outros) .

A mídia no poder.

O que podemos aprender com Renan Calheiros.

Em seu livro “Às portas da revolução” (Boitempo Editorial), Slavoj Zizek tomou o exemplo da eleição de Berlusconi na Itália para sustentar o papel fracassado da moralidade na política. Ele escreveu: “Sua vitória é uma lição deprimente sobre o papel da moralidade na política: o supremo desfecho da grande catarse moral-política – a campanha anticorrupção das 'mãos limpas' que, uma década atrás, arruinou a democracia cristã, e com ela a polarização ideológica entre democratas cristãos e comunistas que dominou a política italiana no pós-guerra – é Berlusconi no poder”.

No Brasil, nos últimos anos, muitas vozes preconizam a necessidade de uma operação “mãos limpas” aqui. Mas qual foi mesmo o resultado dessa operação na Itália: a eleição de Berlusconi, um grande empresário das comunicações que se apresentou na campanha eleitoral como um “não-político”, alguém que estaria afastado de toda “sujeira da política”.

Como se sabe, o governo de Berlusconi foi atravessado por denúncias e acusações de corrupção. Aqui no Brasil, em passado recente, também tivemos um candidato que se apresentou com um discurso similar. O caçador de marajás e de corruptos não terminou seu mandato. Em um passado um pouco mais distante, tivemos a experiência ultra-moralista da UDN, que tampouco resultou em avanço para o país.

Isso quer dizer, então, que o negócio é o “locupletem-se todos”? Obviamente que não. E o emprego do advérbio aqui não é um exercício retórico, mas uma conseqüência lógica. Um dos principais elementos que está na base do fracasso dos discursos e experimentos moralistas citados acima é que eles jamais foram expressões de uma concepção de algo que mereça ser chamado de espírito público. Sempre foram, ao contrário, manifestações de moralidade seletiva – e, portanto, hipócrita – que, necessariamente, precisam esconder seu real objetivo: o poder político.

O território da política e a democracia

Há dois alertas importantes na afirmação de Zizek, segundo a qual a vitória de Berlusconi é uma lição deprimente sobre o papel da moralidade na política. O primeiro consiste em nos lembrar que o território da política é, fundamentalmente, o território do poder, e que cruzadas moralistas na política costumam ser capitaneadas por moralistas de resultados. Essa é uma das razões singelas que explicam seus retumbantes fracassos, do ponto de vista do avanço da democracia. O segundo interroga diretamente a tradição da esquerda que, nas últimas décadas, flerta com a possibilidade de uma terceira via.

No Brasil, o PT, especialmente a partir do governo FHC, adotou de um modo bastante enfático o discurso da ética na política, como se esta fosse a principal divergência programática com o projeto do PSDB e PFL, então em curso. A prática parlamentar petista foi dominada pela lógica das denúncias e dos pedidos de CPI que, anos depois, voltaram-se como um bumerangue na sua direção. Ao final das contas, o candidato de Fernando Henrique acabou derrotado não pelo tema da corrupção (até por que seu governo conseguiu construir uma blindagem relativamente eficiente neste tema), mas pela incapacidade de seu projeto político-econômico responder aos problemas que afligiam a população. Mas não se trata, aqui, de fazer um balanço dos anos FHC. Importa sim destacar que a escolha do PT pela centralidade do discurso da ética na política acabou custando um alto preço para o partido.

E esse preço não se reduz ao tema do mensalão. O preço maior pode ter sido mesmo o programático. Voltemos a Zizek, que escreve: “o sonho que a esquerda tem de uma terceira via é igual ao de que o pacto com o diabo possa dar certo: tudo bem, nada de revolução, aceitamos o capitalismo como regra do jogo, mas pelo menos poderemos manter algumas das conquistas do Estado do bem-estar social e construir uma sociedade tolerante em relação às minorias sexuais, religiosas e étnicas”.

Mas há uma perspectiva muito mais sombria no horizonte, acrescenta o filósofo esloveno: “um mundo no qual o domínio ilimitado do capital será suplementado não pela tolerância esquerdista-liberal, mas por uma típica mistura pós-política de espetáculo de pura publicidade e preocupações da Moral Majority (lembremos que o Vaticano deu apoio tácito a Berlusconi)”.

Mocinhos, bandidos e um pântano

O caso Renan Calheiros parece ilustrar bem esse cenário sombrio delineado por Zizek. Ele é sombrio em vários sentidos. O senador alagoano é um típico representante do que há de pior na política brasileira. Entre os que queriam sua cassação, há outros tantos da mesma estirpe. O problema, portanto, não é discutir quem são os mocinhos e quem são os bandidos.

O grave, nesta história toda, é figuras como Renan Calheiros e seus adversários de ocasião (aliados de ontem) dominarem o debate político no país. O grave é figuras como eles serem peças-chave em um projeto de governabilidade. O grave é ver uma mídia indigente intelectualmente tratar o tema segundo a lógica do espetáculo e da moralidade seletiva. As disputas políticas que estão, de fato, em jogo ficam assim obscurecidas por uma névoa de mistificação e meias-verdades.

E quais são as disputas política que estão, de fato, em jogo? Uma delas é a agenda eternamente adiada da necessidade de democratização do Estado. O enfrentamento do patrimonialismo, da apropriação privada da esfera pública e da transformação da política em um balcão de mercadorias (e de emendas parlamentares). Nada disso começou no atual governo, mas este não está conseguindo fazer este enfrentamento.

Neste cenário, somos convidados a assumir um lado nestas disputas intra-patrimonialistas. E, se não o fazemos, somos empurrados para um destes lados. A presença dominante do nome “Renan Calheiros”, e dos eventos que orbitam em torno dele, no debate político do país nas últimas semanas é, por si só, um eloqüente sinal de alerta. Aponta para um pântano imobilizador de onde podem sair novas deformidades.

Um dos problemas que deveria merecer nossa atenção, então, não é propriamente quem livrou Calheiros da cassação, mas sim como é possível que figuras como ele sigam tendo poder na República, seja qual for o governo. Como é possível que se apresente como baluarte da ética essa mistura grotesca de pseudo-moralismo, dissimulação política e espetáculo que anima muitos daqueles que querem cortar o pescoço dos Calheiros da vida hoje para resgatá-los logo ali adiante.

Denunciar os termos desta equação e expor sua verdadeira natureza talvez seja um caminho para sair do pântano. Caso contrário, poderemos estar alimentando o surgimento de novos “Berlusconis”, aprendendo uma nova e deprimente lição e assistindo a repetição de espetáculos melancólicos.

Marco Aurélio Weissheimer é jornalista da Agência Carta Maior (correio eletrônico: gamarra@hotmail.com)

Fim de semana

TV GLOBO E A ELITE

TV GLOBO E A ELITE

Valores democráticos dos mais instruídos

Por Cristiano Celestino Dourado Borges em 4/9/2007

Este texto refere-se à reportagem do Jornal Nacional quinta-feira (20/8/2007) sobre o livro A cabeça do brasileiro, de Alberto Carlos Almeida. No sítio do JN, temos a seguinte chamada: "Os dados da Universidade Federal Fluminense desfazem a associação negativa entre elite e privilégios e mostram que os mais instruídos têm os valores mais democráticos" (disponível aqui).

Afirmar que a elite tem os valores mais democráticos é, no mínimo, problemático. Apesar da pouca idade, lembro-me bem de quem estava nas ruas na Marcha da Família com Deus pela Liberdade, em março de 1964, apoiando a deposição do presidente Goulart, democraticamente eleito. Se for escrever sobre os vários momentos na história do Brasil onde a elite econômica e/ou aqueles com maior escolaridade apoiaram medidas antidemocráticas, precisaria, certamente, de um livro.

Ainda no sítio do JN, encontro a seguinte tabela que faz parte do livro:

Concordam com a frase: "Se alguém é eleito para um cargo público, deve usá-lo em benefício próprio."

Concordam com a frase: "Se alguém é eleito para um cargo público, deve usá-lo em benefício próprio.

Analfabetos

40%

Até a 4ª série

31%

Da 5ª à 8ª série

17%

Ensino médio

5%

Superior

3%

O discurso e a prática

Em uma interpretação completamente despropositada, afirma-se, tendo por base a tabela acima,que aqueles com nível superior são mais honestos que os analfabetos. Então, como explicamos a corrupção neste país? Se aqueles com nível superior são os mais honestos não precisamos nos preocupar, uma vez que os cargos públicos exigem, em sua quase totalidade, no mínimo ensino médio completo, enquanto aqueles cargos mais estratégicos, como as diretorias dos órgãos públicos, são ocupados, em grande parte, por pessoas que passaram pelos bancos das faculdades.

O que todos aqueles com um mínimo de conhecimento na área de pesquisa em ciências humanas sabem, ou deveriam saber, é que uma coisa é o que os agentes dizem e outra, o que fazem. Em outras palavras, uma coisa é o dito; outra, o feito. Não há como separar estes dois aspectos sob risco de obter informações incompletas e em muitos casos equivocadas, sobretudo quando o que se quer investigar são comportamentos.

Não podemos interpretar discursos como se eles fossem o mesmo que práticas. É possível, analiticamente, separá-los no momento da pesquisa.

Ingenuidade intelectual

Desta maneira, o que vemos é um discurso de democracia, de honestidade, de tolerância etc. que carece de evidências para se sustentar como prática de democracia, de honestidade, de tolerância. Aqueles que responderam à pesquisa podem realmente acreditar que a democracia é superior à ditadura, que a tortura é abominável, que a corrupção é deprimente. Agora, minha experiência mostra que estas pessoas que têm maior escolaridade são aquelas que estão em maior número envolvidas em casos de corrupção, tanto como corruptoras quanto como corrompidas.

Mino Carta com sua precisão e clareza peculiar, ao comentar a pesquisa afirma:

"A acuidade da pesquisa é, no mínimo, discutível. Resta verificar até que ponto os analfabetos entenderam as perguntas e os letrados se esmeraram na hipocrisia. Enfim, queijo de Parma sobre o macarrão: o cidadão branco é mais inteligente, honesto e educado do que o negro e o pardo. O negro é mais malandro, o pardo o menos preguiçoso, mas tem acentuada tendência para o crime." (Mino Carta, disponível aqui.)

Deste modo, afirmar que aqueles que têm maior escolaridade são mais democráticos, tolerantes, honestos etc. porque dizem que são é, no mínimo, uma ingenuidade intelectual.

Observatório da Imprensa, aqui.

7 de set. de 2007

O ASSASINATO DA VIA CHILENA AO SOCIALISMO



“Compatriotas: Esta será seguramente a última oportunidade em que poderei dirigir-me a vocês. A aviação bombardeou as antenas de Radio Portales e Radio Corporación. Minhas palavras não têm amargura, mas decepção, e elas serão o castigo moral para os que traíram o juramento feito: soldados de Chile, comandantes-em-chefe titulares e mais o almirante Merino, que se autodesignou, e o señor Mendoza, esse general rasteiro, que ontem me manifestara sua fidelidade e lealdade ao governo.

Frente a estes fatos, só me cabe dizer aos trabalhadores: não vou renunciar!

Colocado neste transe histórico, pagarei com minha vida a lealdade do povo, e digo-lhes que tenho certeza que a semente que entregamos à consciência digna de milhares e milhares de chilenos não poderá ser apagada definitivamente. Eles têm a força, mas não se detêm processos sociais pelo crime e pela força. A História é nossa, ela é feita pelos povos.

Trabalhadores da minha pátria: quero agradecer-lhes a lealdade que sempre tiveram e a confiança que depositaram num homem que foi apenas intérprete dos seus anseios de justiça, que empenhou sua palavra no respeito à Constituição e à lei, e que a respeitou. Neste momento definitivo, o derradeiro em que posso me dirigir a vocês, peço que aproveitem a lição. O capital estrangeiro, o imperialismo unido à reação, criou o clima para que as Forças Armadas rompessem uma tradição que lhes ensinou Schneider e que reafirmou o comandante Anaya, vítimas do mesmo setor social que hoje está nas suas casas esperando através de mão alheia reconquistar o poder, para seguir defendendo seus privilégios.

Me dirijo sobretudo à modesta mulher da nossa terra, à camponesa que acreditou em nós, à operaria que trabalhou mais, à mãe que soube da nossa preocupação pelas crianças. Me dirijo aos profissionais patriotas que há dias continuam trabalhando contra a sedição auspiciada por órgãos de classe, para defender as vantagens que a sociedade capitalista deu a uns poucos.

Me dirijo à juventude, àqueles que cantaram, que entregaram sua alegria e seu espírito de luta.

Me dirijo ao homem chileno, operário, camponês, intelectual, àqueles que serão perseguidos porque em nosso país o fascismo já se faz presente há algum tempo em atentados terroristas, sabotagens de estradas de ferro e pontes, oleodutos e gasodutos.

Frente ao silêncio dos que tinham a obrigação – interrupção momentânea da transmissão de Radio Magallanes - ...a que estavam submetidos. A História os julgará.

Seguramente, Radio Magallanes será calada e o metal tranqüilo da minha voz não chegará mais a vocês...

Não importa ... Não importa, vocês seguirão me ouvindo, estarei sempre junto de vocês, pelo menos minha lembrança será de um homem digno, leal à lealdade dos trabalhadores.

O povo deve se defender, mas não se sacrificar. Não deve deixar-se arrasar nem crivar de balas, mas tampouco pode se deixar humilhar.

Trabalhadores da minha pátria: tenho fé no Chile e no seu destino. Este momento cinzento e amargo, onde a traição pretende se impor, será superado. Sigam sabendo que muito mais cedo do que tarde de novo se abrirão as grandes avenidas por onde passará o homem digno que quer construir uma sociedade melhor...

Viva Chile, viva o povo, vivam os trabalhadores... Estas são minhas últimas palavras ... Tenho certeza de que meu sacrifício não será em vão, tenho certeza de que pelo menos será uma lição moral que castigará a felonia, a covardia e a traição...".

6 de set. de 2007

Manifesto dos Sem-Mídia

"Vivemos numa época em que a informação se tornou tão vital para o homem que passou a integrar o cabedal de seus direitos fundamentais. No transcurso do século XX, as novas tecnologias geraram o que se convencionou chamar de mídia. Trata-se do conjunto de meios de comunicação em suas variadas manifestações, tais como a secular imprensa escrita, o rádio, o cinema, a televisão e, mais recentemente, a Internet.

A mídia se tornou fundamental na estruturação das sociedades devido a ser composta por meios de comunicação de massa. E, em países continentais como o nosso, quem controla o poder de falar para as massas controla um poder que, vigendo a democracia, suplanta até mesmo o poder do Estado. Isso ficou claro no decorrer da história de regiões como a América Latina, onde o poder dos meios de comunicação passou a eleger e a derrubar governos, aprovar leis ou impedir sua aprovação e a moldar costumes e valores das sociedades.

Não se nega, de maneira alguma, que as mídias, sobretudo a imprensa escrita, foram bem usadas em momentos-chave da história, como no estertor da ditadura militar brasileira, quando a pressão da imprensa ajudou a pôr fim à opressão de nossa sociedade pelo regime dos generais. Todavia, é impossível ignorar que a ditadura foi imposta ao país graças, também, a essa mesma imprensa.

O lado perverso da mídia deve-se ao que também é uma de suas virtudes. Como, na sua configuração normal, a mídia pertence à iniciativa privada, comumente não é – ou não deveria ser - controlada por governos ou por facções políticas, e não se pauta – ou não deveria se pautar – por ideologias. O que deveria ser, no entanto, sabe-se que está muito longe de efetivamente ser – e não é de hoje.

A submissão da mídia ao poder do dinheiro é um fato, não uma suposição. Os meios de comunicação privados nada mais são do que empresas que visam lucro e, como tais, estão sujeitas a interesses que, em grande parte das vezes, não são os da coletividade, mas os de grandes e poderosos empresários. Estes, pelo poder que têm de remunerar o “idealismo” que lhes convêm, conseguem profissionais dispostos a produzir o “jornalismo” que o patrão requer.

É nesse ponto que jornalistas e seus patrões se encontram com facções políticas e com ideologias simpáticas aos menores anseios da iniciativa privada. Essas facções e ideologias, então, terminam por constituir uma união estável com certo “jornalismo” que passa a fazer o jogo de políticos que podem transformar em leis e em formas de governar que, muito freqüentemente, privilegiam o interesse privado em detrimento do interesse público.

É óbvio que a mídia sempre dirá que seus pendores capitalistas coincidem com o melhor interesse do conjunto das sociedades. Dirá isso através da confortável premissa (para os grandes do capitalismo) de que as dores que a prevalência do interesse dos capitalistas causa aos estratos inferiores da pirâmide social constituem uma espécie de “sala de espera” para o ingresso no jardim das delícias dos estratos superiores. É a boa e velha teoria do “bolo” que precisa primeiro crescer para depois ser dividido.

A mídia se defende dizendo que a facção política que ora ocupa o poder - e que ela (a mídia) ataca hoje - não pratica nada diferente do que praticava a facção política que governava antes. Alguns veículos mais ousados dizem que os que hoje governam favorecem mais o capital do que seus antecessores. Outros veículos, mais dissimulados, adotam um discurso quase socialista e passam a criticar lucros de bancos e cumprimento de contratos pelo atual governo, fazendo crer que apoiariam uma forma de governar como a de um Fidel Castro, por exemplo.

A mídia brasileira garante que é “isenta”, que não é pautada por ideologia ou interesses privados e que trata os atuais governantes do país como tratou os anteriores. Não é verdade. Bastaria nos debruçarmos sobre os jornais da época do governo que antecedeu o atual e compará-los com os de hoje que veríamos como é grande a diferença.

Não é preciso recorrer a registros históricos para comprovar como os pesos e medidas da mídia diferem de acordo com a facção política que ocupa o poder. Basta, por exemplo, comparar a forma como os jornais paulistas cobrem o governo do Estado de São Paulo e como cobrem o governo do país.

A mesma facção política governa São Paulo há mais de uma década. Nesse período, São Paulo foi tomado pelo crime organizado. A Saúde pública mergulhou ainda mais num verdadeiro caos. A Educação pública permanece como uma das piores do país, a despeito da pujança econômica paulista. Assim, começaram a eclodir desastres nunca vistos na locomotiva do Brasil que é São Paulo.

Ano passado, uma organização criminosa aterrorizou São Paulo. Essa organização nasceu e se fortaleceu dentro dos presídios controlados pelo governo do Estado. A Febem consolidou-se como escola de crimes, e as prisões, como faculdades.

No início deste ano, uma rua inteira ruiu por causa de uma obra da linha quatro do metrô paulistano, administrado pelo governo paulista. Várias pessoas morreram. Foi apenas mais um de muitos outros acidentes que ocorreram nas obras do metrô de São Paulo.

Seria possível passar dias escrevendo sobre tudo que a imprensa paulista deveria cobrar do governo do Estado de São Paulo, mas não cobra. Ler um jornal impresso em São Paulo ou assistir a um telejornal produzido em São Paulo é saber apenas do que faz de ruim o governo federal. Quase não há informações sobre o governo paulista, e críticas, muito menos. O desastre causado pela obra da linha quatro do metrô paulistano foi coberto por alguns dias. Depois, o assunto desapareceu da mídia e nunca mais se soube nada do assunto. A mídia esconde e impede qualquer aprofundamento no caso.

Assim é com tudo que diga respeito a governos de que a imprensa paulista gosta. E o mesmo se reproduz pelo país inteiro. A mídia carioca, a mídia baiana, a mídia gaúcha, todas fazem o mesmo que a paulista.

O lado mais perverso desse processo é o de a mídia calar divergências. Cidadãos como estes que assinam este manifesto são tratados pelos grandes meios de comunicação como se não existissem. São os sem-mídia. Muito dificilmente lhes é permitido criticar o moralismo seletivo dos meios de comunicação ou mesmo as facções políticas que esses meios protegem. A quase totalidade dos espaços midiáticos é reservada àqueles que concordam com a mídia.

Claro precisa ficar que os cidadãos que assinam este manifesto não pretendem, de forma nenhuma, calar a mídia. Pelo contrário, queremos que ela fale ou escreva muito mais, pois queremos que fale ou escreva tudo e não só aquilo que quer.

Mais do que um direito, fiscalizar governos, difundir idéias e ideologias, é obrigação da mídia. Assim sendo, os signatários deste manifesto em nada se opõem a que essa mesma mídia critique governo nenhum, facção política nenhuma. O que nos indigna, o que nos causa engulhos, o que nos afronta a consciência, o que nos usurpa o direito de cidadãos é a seletividade do moralismo político midiático, é o soterramento ideológico de corações e mentes.

Por tudo isso, os signatários deste manifesto, fartos de uma conduta dos meios de comunicação que viola o próprio Estado de Direito, vieram até a frente desse jornal dizerem o que ele e seus congêneres parecem negar. Viemos dizer que existimos, que também temos direito de ter espaço para nossos pontos de vista, pois a mídia privada também se alimenta de recursos públicos, da publicidade oficial, e interfere no interesse público.

Hoje está sendo fundado o Movimento dos Sem-Mídia. Trata-se de um movimento que não está cansado de nada, pois mal começou a lutar pelo direito humano à informação correta, fiel, honesta. Aqui começamos a lutar pelo direito de todos os segmentos da sociedade de terem como expor suas razões, opiniões e anseios e de receberem informações em lugar da atual propaganda política que nos tem sido imposta como se fosse jornalismo.

Eduardo Guimarães

2 de set. de 2007

A história é um profeta com os olhos voltados para trás

O perigo do negacionismo

Luís Carlos Lopes

As dificuldades dos povos em manter a memória de seus passados têm sido habilmente usadas pelos negacionistas. O presentismo midiático de hoje significa um corte profundo com as gerações anteriores, o que implica imaginar que o passado nada tem a ver com a atualidade. Este problema trata-se de um artefato ideológico criado a partir a dificuldade real das novas gerações compreenderem o que se passou com as que lhes antecederam. Na mesma senda, é possível de se constatar a existência de novos usos negacionistas, construídos com o mesmo padrão anterior.

O negacionismo ‘clássico’ é um procedimento usual da extrema direita européia. Seus partidários em vários países negam que tenha existido a solução final na Alemanha nazista. O extermínio massivo de milhões de seres humanos é negado. Não teria havido um plano ou não teriam existido os instrumentos criados para provocar a morte de pessoas recolhidas aos campos de concentração. Negam, igualmente, a escravidão recriada no mesmo país, para sustentar a indústria de guerra. Negam fatos que os colocam na posição de partidários dos maiores genocidas na história humana. Dizem que nada disto existiu nos termos conhecidos, e que tudo o que é dito não passa de propaganda. As imagens dos fornos crematórios seriam montagens fotográficas ou filmográficas. Os depoimentos registrados em inúmeras mídias seriam mentiras orquestradas pelos judeus e pelo comunismo.

Paradoxalmente, os membros do núcleo duro destes movimentos mantêm os mesmos preconceitos que geraram o extermínio massivo de judeus, homossexuais, ciganos, opositores políticos, deficientes físicos, dentre outros. Negam o massacre, mas mantêm os argumentos usados para executá-lo. Continuam dividindo o mundo entre os mais aptos e os inferiores, renovando as teses arianas, relativas à existência de super-homens altos, brancos, inteligentes e disciplinados destinados a reinar sobre a Terra. Estas teses, de algum modo, ainda orientam muitos dos preconceitos e práticas sociais existentes no mundo atual. Muita gente ainda acredita que ser ‘ariano’ é pertencer a um contingente humano superior. Os ideais de beleza ocidentais, por exemplo, têm ainda forte influência do mesmo mito, por decorrência disto, a moda e a publicidade se apropriam destes signos hoje negados e reafirmados em vários contextos. O mesmo acontece com várias emissões e visões das mídias de massa.

O negacionismo atual tem múltiplas faces e não é mais monopólio da extrema direita. Ela continua a praticá-lo sistematicamente por toda parte, mas as outras direitas - existem múltiplas direitas - também fazem uso do mesmo procedimento. Tornou-se fácil no mundo do espetáculo midiático proceder assim. Os meios disponíveis para a propaganda política e a manipulação social devem ser invejados, se vistos do inferno. Goebels, ministro da propaganda de Hitler, deve lamentar ter vivido em uma época onde as mídias eram de alcance tão limitado. Na época do nazismo não havia televisão, Internet etc. O Mein Kampf, livro de base do hitlerismo, alcançou, na época, uma edição de cerca de um milhão de exemplares. Hoje, qualquer besteira livresca que venda no mundo, consegue tiragens de milhões e milhões nas mais diversas línguas.

Os inimigos de hoje não são exatamente os mesmos. O que se precisa negar também não é necessariamente a mesma coisa. Negam-se, por exemplo, a guerra do Vietnã e seus horrores, as tragédias perpetradas pelo fascismo vermelho de Stalin, os genocídios e limpezas étnicas dos Bálcãs e da África etc. Nega-se a truculência das ditaduras militares latino-americanas, representadas pela tortura, morte, exílio e censura. Negam-se todas as ignomínias perpetradas contra o gênero humano, em vários casos dizendo-se que era necessário, que não havia outro jeito etc. Elas são inúmeras, fazendo pensar se realmente existe a necessidade de um inferno no pós-morte, porque os tormentos sofridos por muitos são inimagináveis, por quem jamais os sofreu.

Continua-se, outrossim, a se negar que houve e continua a existir violências, discriminações, racismos, exclusões e preconceitos. Os seres humanos, pertencentes à grande família do homo sapiens sapiens, persistem sendo vistos por alguns, como se fossem de diferentes espécies. Isto ocorre, com maior força, se tiverem culturas diversas. Acredita-se na existência de civilizações, corpos e mentes superiores e inferiores, mesmo com todas as evidências científicas atuais de que isto seja um dos mitos do racismo contemporâneo. Confunde-se, deliberadamente, diferenças com oposições fratricidas, tais como as expostas no integrismo puritano e racista e nos fundamentalismos religiosos em voga.

Uma nova mania negacionista, que beira a paranóia, é a de acreditar na teoria conspirativa que imagina a manipulação midiática como algo infinitamente mais forte do que os episódios reais. É verdade que as mídias, sobretudo as empresariais e mais estruturados, manipulam, mentem e tentam, de modo fascista, controlar a opinião comum. Mas, também é verdadeiro que elas têm limites e precisam se basear, vez por outra, em fatos concretos, como, por exemplo, a crise aérea e os episódios recentes da longa história brasileira da corrupção de Estado.

Uma das vertentes políticas contemporâneas da chamada cultura das mídias é o negacionismo clássico. Outra consiste no negacionismo que foi refundado no mundo atual. A construção das ‘verdades’ midiáticas baseia-se na verossimilhança, isto é, em algo plausível e possível de ser concreto e, por isso, consistindo em fácil objeto de manipulação. Os grandes veículos precisam se apropriar da realidade e dar a ela um sentido que lhe interesse, fugindo da objetividade que, paradoxalmente, dizem perseguir. Entretanto, é mais raro, no contexto da democracia formal, dizer algo absolutamente impossível, tal como se fazia na época da ditadura.

O convencimento, quando fruto da manipulação, almejado pelas grandes mídias, precisa se ancorar em algo visível e que não possa ser facilmente desmascarado. A notícia e a opinião são construídas de modo cauteloso. Os fatos reais são narrados a partir de uma ótica de preconceitos e interesses que ressaltam ou escondem, tal como é necessário para se construir os artefatos e a opinião do público receptor. Por isso tudo, também é caracterizável como negacionismo dizer que as grandes mídias falam absolutas inverdades, em todos os casos e em qualquer situação. Nem o ministério da propaganda da Alemanha nazista agia assim. É preciso cautela com o exagero da simplificação.

É importante denunciar como negacionismo todas as imposturas históricas e reconstruções manipuladas que servem à formação da opinião comum. Talvez, assim, os negacionistas tenham maior cuidado, por medo de serem desmascarados e mostrados à luz do sol. Eles são seres das sombras. Detestam que se faça a exposição de suas mazelas. Abominam que se fale sobre o que não podem responder, e sobre o que querem esconder. Temem o debate, em especial, com quem não tem o rabo preso em algum lugar.