26 de ago. de 2007

Definitivamente cansei do Brasil.

Cansados do Brasil
Luís Carlos Lopes

São curiosas as reivindicações desta gente do Cansei. Eles dizem que estão cansados dos assaltos, dos assassinatos e de coisas como acidentes aéreos trágicos. Dizem que são contra a corrupção e pensam que a época da ditadura era melhor. Prenunciam a campanha eleitoral presidencial que se aproxima, acusando o governo atual de todos os males do país. E o governo, para eles, é composto apenas pela presidência da República. O resto do Executivo, o Congresso e o Judiciário desaparecem de suas críticas. Os governos estaduais e municipais também escapam de suas fúrias, principalmente, os dirigidos por aqueles que consideram aliados.

As empresas nacionais e estrangeiras, segundo eles, não têm quaisquer responsabilidades nos problemas do país. O crime nada tem a ver com a distribuição de renda, da qual eles fogem, tal como o dito cujo foge da cruz. Existiria uma corrupção de Estado aceitável e a de hoje, para eles, mais grave. Na ditadura viviam no céu, na democracia chegaram ao inferno. Eles precisam rapidamente voltar ao passado. Não criticam o Estado brasileiro e nem as políticas de governo. Criticam pessoas que seriam despreparadas e incapazes, isto é, não seriam membros da elite branca (expressão usada por um deles) e nem teriam a formação universitária correspondente aos cargos ocupados.

Esquecem que para roubar não é preciso diploma. Roubam de doutores a analfabetos, de acordo com a ocasião, que sempre fez e faz o ladrão. A cor da pele nada tem a ver com o roubo. Aliás, os cometidos pelos brancos costumam ser maiores, mais valiosos e menos punidos. Tudo isto é esquecido. Eles turvam seus olhares, evitando ver a realidade que os envolve e encontrando bodes expiatórios para os seus problemas de consciência. Imaginam com impaciência, o jovem negro, pobre, ladrão e, eventualmente, assassino como sendo uma calamidade. Mas, calam-se contra os de colarinho branco que são facilmente absolvidos pela justiça, mesmo depois de serem reunidas provas incontestáveis de suas rapinagens.

Direitos humanos para eles é uma excrescência. Bandido bom é bandido morto, quanto mais torturado melhor. Pensam como alguns dos seus bisavôs que colocavam no tronco qualquer escravo, por ‘delitos’ mínimos. Os direitos deles são sempre os mais justos. Ninguém deve protestar quanto aos verdadeiros problemas sociais e políticos do país. Eles é que estão certos. Não querem discutir os seus reais problemas. Já sabem de tudo e acreditam que podem resolver as questões complicadas que tanto os cansam.

Eles parecem uma frente que juntou malufistas e fernandistas históricos, viúvos e viúvas da ditadura, deslumbrados das mídias, artistas de pouco talento, advogados, empresários, políticos, publicitários, outros profissionais de nível superior, alguns desportistas e até, segundo os jornais, um ou outro pobretão. As madames e os patrões levaram alguns dos seus domésticos para protestar. Nem todos sabem bem o que estão fazendo ali. Possivelmente, acham cool estar entre os famosos. Afinal, é um momento especial e raro para aparecerem na tv. Alguns, já esquecidos pelas grandes mídias, têm instantes de brilho e de fama. Não casualmente, eles são quase todos paulistas quatrocentões, brancos, volúveis e instáveis. Querem dar um sentido às suas vidas. Não agüentam mais o tédio cotidiano e o cheiro da miséria social e moral que os envolvem.

Eles estão cansados com certa razão. O ócio cansa. Falar para os mesmos cansa. Viver sem razão cansa. Omitir-se cansa. Ser brasileiro cansa. A impossibilidade de tirar da visão os mais pobres cansa. Afinal, o Brasil é pobre e miserável e alguns deles têm dinheiro demais. Acreditar-se belo para sempre cansa. Não ser capaz de pensar cansa. Defender a superficialidade cansa. Manipular o próximo cansa. Como seria bom que um novo pai da pátria branco cuidasse de tudo. Em breve, estarão cansados deste movimento e terão que conseguir outras coisas para fazer.

É verdade que numa democracia criticar o governo é tarefa da oposição seja ela de direita ou de esquerda, partidária ou social. Trata-se de algo salutar e próprio dos regimes que aceitam o diálogo e não amordaçam a palavra. Neste sentido, os cansados do Brasil têm o direito à crítica, bem como têm os mesmos direitos, os que estão cansados da elite brasileira, de seus políticos corruptos de qualquer partido e dos irracionalismos de plantão. O problema que precisa ser notado e que parece grave é que os cansados midiáticos apelam para volta de um passado baseado na tortura, na prisão, na morte, no exílio e na censura. Será que eles esqueceram? Ou será que estamos frente a um novo negacionismo?

CARTA MAIOR

12 de ago. de 2007

TEU RISO- NERUDA

O teu riso

Tira-me o pão, se quiseres,
tira-me o ar, mas não
me tires o teu riso.

Não me tires a rosa,
a lança que desfolhas,
a água que de súbito
brota da tua alegria,
a repentina onda
de prata que em ti nasce.

A minha luta é dura e regresso
com os olhos cansados
às vezes por ver
que a terra não muda,
mas ao entrar teu riso
sobe ao céu a procurar-me
e abre-me todas
as portas da vida.

Meu amor, nos momentos
mais escuros solta
o teu riso e se de súbito
vires que o meu sangue mancha
as pedras da rua,
ri, porque o teu riso
será para as minhas mãos
como uma espada fresca.

À beira do mar, no outono,
teu riso deve erguer
sua cascata de espuma,
e na primavera, amor,
quero teu riso como
a flor que esperava,
a flor azul, a rosa
da minha pátria sonora.

Ri-te da noite,
do dia, da lua,
ri-te das ruas
tortas da ilha,
ri-te deste grosseiro
rapaz que te ama,
mas quando abro
os olhos e os fecho,
quando meus passos vão,
quando voltam meus passos,
nega-me o pão, o ar,
a luz, a primavera,
mas nunca o teu riso,
porque então morreria.

Pablo Neruda

3 de ago. de 2007

Cansei?

O porquê do “cansaço” da elite branca

A elite branca “cansou”. Resolveu, em sinal de protesto, fazer barulho e demonstrar toda sua indignação.

Lula Miranda

A elite branca “cansou”. Resolveu, em sinal de protesto, fazer barulho e demonstrar toda sua indignação. Pode-se vê-los, mais uma vez, devidamente “enquadrados” numa charge do Angeli, onde se vê, como que numa coreografia mais ou menos ensaiada, esses singulares membros da nossa sociedade com os braços para cima a chacoalhar suas jóias e Rolex num veemente e ruidoso protesto. Indubitavelmente bastante ruidoso e veemente... Risível, decerto.

A elite branca, em definitivo, cansou de conviver com um operário na Presidência da República. Um presidente “monoglota” e sem curso superior é duro de agüentar. E os familiares do presidente então!? Todos de uma pobreza lastimável. Onde foi parar o “glamour” da Presidência da República?

A elite branca cansou desse romantismo ignaro e pobre do proletariado no poder. Esse negócio do Partido dos Trabalhadores “lotear” a máquina pública colocando sindicalistas e outros “desqualificados” em cargos estratégicos da administração federal, é duro de engolir. Esses cargos, você há de se recordar, eram antes todos de livre provimento das elites brancas. Claro! Pois só eles sabem governar, só a eles, e aos seus, devem ser reservados os melhores empregos, escolas, faculdades, casas e hospitais.

Esse negócio de pagar faculdade para pobre também é algo que a elite branca já não suporta mais. Cotas para negros e pobres nas Universidades Públicas, então, é algo intolerável. O que é pior: essa história de investimentos em um sistema universal de saúde à custa do rico dinheirinho dos impostos não pagos pela elite branca, é para acabar.

A elite branca cansou de carga tributária extorsiva para financiar essa tal bolsa-esmola. Cansou de ver os seus iguais “enquadrados”, não pelas charges inteligentes do cartunista Angeli, mas pela Polícia Federal mesmo, em horário nobre da TV. Tem “madame” e “doutor” chacoalhando as algemas e fazendo test-drive em camburão zero quilômetro, modelo 2007/2008.

A elite branca quer cheirar sua cocaína em paz e harmonia. A mesma cocaína que desce os morros e favelas para abastecer as festas, e mancha de sangue a alvura de sua hipocrisia branca; não quer a Força Nacional, e o que sobrou da polícia digna e cidadã do Rio de Janeiro, causando contratempos ao bom andamento dos “negócios” no complexo de favelas do Alemão. A elite branca, empalidecida, não admite que o governo da Venezuela não renove a concessão da RCTV, pois temem que um dia a “sua casa”, a sua Rede Globo de Televisão, encontre o mesmo destino.

À elite branca não interessa que nesse mesmo governo, que lhes causa indignação e cansaço, o emprego formal bate recorde após recorde: só no primeiro semestre desse ano de 2007, foram criados cerca de 1,096 milhão de empregos com carteira assinada. A elite branca tem verdadeira ojeriza a pobres e desempregados – e também pelos pobres que mofam nas filas em busca de emprego. A elite branca vetou o projeto de FGTS para empregados domésticos – não gastaria o valor de um jantar para pagar a parcela mensal do FGTS da criadagem. Como nos evidencia os nossos vexatórios índices sociais, a nossa elite branca é por demais benevolente e generosa.

Portanto, deixe a elite branca reclamar, e clamar aos quatro ventos o seu cansaço. Afinal, o Veuvet Clicquot nunca esteve tão barato: virou “carne de vaca”, “todo mundo” hoje está bebendo. Viajar ao exterior então! E esse tal “caos aéreo” é, em grande parte, culpa das passagens muito baratas e dessa “gentalha” que deixou de viajar de ônibus (ou de pau-de-arara) e passou a viajar de avião, enchendo assim os aeroportos e aviões com sua pobreza e maus modos. Um horror! Viajar de avião antes era exclusividade dos bem-nascidos.

A elite branca detesta o governo Lula. A elite branca detesta pobre. A elite branca adora as revistas Caras e Veja, os jornais Folha de S.Paulo e Estado de S. Paulo e a rede Globo. A elite branca enxerga o país como uma jazida a ser explorada até a exaustão, apenas isso. E o povo brasileiro, os escravos de sempre que aí estão para servi-la. Apenas isso e não mais que isso.

AGÊNCIA CARTA MAIOR