31 de dez. de 2010

Arrefecimento global

A propaganda da teoria do aquecimento global hiberna quando o gelo chega, ou melhor, tirita de vergonha ao tornar-se público e notório que as temperaturas desceram para valores de há um século atrás em certas regiões europeias.

Bastará, contudo, que o sol desponte, para que os crentes no global warming voltem a atacar, alertando para o degelo do Ártico. E, se o calor escassear, não hesitam em socorrerem-se dos tornados e outros eventos meteorológicos mais radicais, que por vezes ocorrem, para agitarem o papão das alterações climáticas catastróficas.

Em grande parte da Europa, os aeroportos, as vias-férreas e as auto-estradas ficaram inoperacionais durante vários dias. Deveu-se isto a uma massa de ar gelado proveniente de latitudes árcticas, que chegou para congelar as pequenas ondas dos lagos dos parques londrinos e das fontes romanas. Ora isto é espantoso: – então, o ar congela as águas no continente europeu, mas, no próprio Árctico, de onde vem, não funciona?!

Com o presente artigo, pretende-se alertar os leitores para deriva ecoliberal, em que os grandes poderes políticos e económicos vêem incorrendo, apoiando-se nas discutíveis teorias do IPCC – Painel Intergovernamental para a Mudança Climática, que servem de partida para a os lucrativos negócios em torno da economia do carbono. De facto, muitas dezenas de cientistas em todo o mundo já demonstraram que a teoria antropogénica do aquecimento global não está confirmada cientificamente. É uma hipótese, nada mais.

Mas, então, e não obstante todas as dúvidas existentes, por que razão os centros de decisão política neoliberais foram tão apressados em adopta-la como doutrina oficial, apontando medidas correctivas para "salvar o mundo" numa panóplia de soluções mitigadoras? Qual é o interesse dos media ao reproduzirem acriticamente tudo o que é anunciado como uma Verdade inquestionável? E por que motivo o caudal informativo sobre a "catástrofe ambiental" convence os consumidores de notícias e, entre eles, pessoas bem informadas e inseridas em partidos de esquerda?

Os alarmes relativamente ao degelo no Árctico não são novos nem inéditos: muito antes dos satélites americanos terem "visto", em 2007, aquilo que disseram ser a evidencia do degelo no Ártico, os marinheiros, pescadores e navegadores contavam que, no Verão, o clima é muito instável naquelas latitudes, e ora há degelo, ora a água recongela, e é isso que torna a navegação muito perigosa naqueles mares. Os russos, naturalmente, conhecem bem aquelas águas.

Uma notícia publicada no The Washington Post, em 2 de Novembro de 1922, baseada num relatório governamental do United States Department of Commerce, com origem nas informações recolhidas pelo cônsul americano na Noruega, chamava a atenção para as alterações que estavam a verificar-se no Árctico: as águas aqueciam, os icebergs desapareciam, as focas ressentiam-se e os ursos polares estavam a desaparecer. Enfim, já então eram só desgraças!

Naquele tempo a repercussão internacional, pelo menos no mundo ocidental, foi enorme. Estava-se perante uma alteração drástica de toda a região do Árctico, dizia-se.

Em 1922, o dióxido de carbono (CO2) não estava na agenda de ninguém. As emissões antropogénicas deste gás que, note-se, não é um poluente, eram muitíssimo menores do que são no presente. Simplesmente havia, como hoje, outros mecanismos responsáveis pela evolução climática, mecanismos esses com muito mais importância do que o inocente CO2.

Naquela época, a Organização Mundial de Meteorologia anunciou que a temperatura média global cresceria a uma taxa próxima da que veio, de facto, a verificar-se muito mais tarde, no período de 1970 a 1990, e que deu oportunidade ao IPCC e seus seguidores para fazerem o grande alarido que conhecemos.

C02, O PSEUDO VILÃO UNIVERSAL

A situação do Árctico, com ou sem satélites meteorológicos, com ou sem IPCC, repete-se desde tempos imemoriais. A diferença é que, actualmente, há uma agenda ecoliberal, segundo a qual faça chuva ou faça sol, faça uma onda de calor ou uma vaga de frio, ou, até, sismos, erupções vulcânicas ou tsunamis, tudo é culpa do CO2.

Esclareçamos, com maior pormenor, a opinião crítica aqui registada e que se fundamenta nos trabalhos eruditos de muitos estudiosos destas matérias em todo o mundo.

As diversas actividades industriais, que se vêem intensificando desde a revolução industrial, numa primeira fase impulsionada pela utilização da máquina de vapor accionada a carvão, e, depois, pela electricidade (gerada a partir do potencial hídrico e do carvão) e pelo petróleo, colocam um severo problema de gestão de recursos naturais, e, entre eles, o do esgotamento a médio prazo do petróleo, cujo Pico produtivo estaremos a atingir na actualidade, e, mais tarde, de forma inevitável, do gás natural e do carvão. O próprio urânio, se consumido na produção de electricidade com as melhores tecnologias já hoje disponíveis, também se esgotará em menos de cem anos.

O ritmo de extracção dos recursos naturais e o crescendo das emissões poluentes resultantes da indústria e dos transportes, foram acelerados à medida que o modo de produção capitalista se impôs mundialmente. Este modo de produção, a par da sua força revolucionária inicial, é, por natureza, predatório e desregulado. E o seu poder adaptativo tem, inclusive, o condão de contaminar as alternativas políticas e económicas socialistas que se formaram em diversas regiões eurasiáticas, pressionando-as a "competir" com ele em vários tabuleiros e, assim, levando-as a não conseguirem originar um forma de produção industrial alternativa e sustentável. E, quando não vai lá através do binómio competição-sedução, recorre aos bloqueios ou à agressão bélica.

É possível que as diversas actividades humanas, que trazem sempre consigo diversos tipos de impactes – a desflorestação, a produção de metano pela agro-pecuária, a alteração dos solos, os resíduos produzidos pelos quase sete mil milhões de seres humanos, a emissão de CO2 industrial e nos transportes (e nas queimadas e incêndios) e de poluentes líquidos, sólidos e gasosos, etc., – contribuam, com uma percentagem significativa, para algumas das alterações climáticas que se fazem notar no planeta. No entanto, pode afirmar-se com segurança, que não é possível provar, ou imaginar sequer, um padrão de correlação causa-efeito solidamente estabelecido e indiscutível.

A caracterização e quantificação destas mudanças tem muitas incertezas e, por via disso, é difícil afirmar, com razoável segurança e seriedade, qual a data a partir da qual elas, as alterações climáticas, afectariam significativamente a geosfera, a biosfera, e a própria nooesfera. As várias estórias acerca das alterações climáticas são, para diversos cientistas (sistematicamente silenciados), muito duvidosas. É que há muitas causas para as mudanças climáticas periódicas que são mal conhecidas.

É razoável admitir, então, que, independentemente das incertezas, seria importante descarbonizar, desde já, a economia. Por uma questão de prudência.

O AUMENTO DAS TARIFAS DE ENERGIA ELÉCTRICA

Contudo, e porque isso significa gastar milhares de milhões de euros ou dólares, há que balancear com prudência os custos e os benefícios deste colossal investimento público e privado. Porque, ao gastarem-se estes recursos financeiros nesta frente, isso determina que eles rareiem em outros campos essenciais para a humanidade, como o combate às endemias, à fome e à iliteracia. Mais, é necessário perceber que a mobilização destes montantes financeiros significa, no actual modo de produção dominante, que os consumidores e utentes de bens e serviços essenciais acabam sempre a desembolsar muito mais. Em certos países, como Portugal, significaria perder competitividade económica, ou seja, aumentar o deficit e o desemprego. Por outro lado, as empresas que fornecem bens e serviços "livres de GEE", e que foram, entretanto, privatizadas, não prescindem dos seus lucros escandalosos. Veja-se, entre nós, o inqualificável caso do aumento das tarifas eléctricas, devido, entre outras causas, às eólicas e outras energias renováveis subsidiadas – cuja exploração aparece justificada pelas alterações climáticas –, e os pornográficos lucros das empresas produtoras, como a EDP, por exemplo.

Em suma: não é nada pacífico considerar que a causa principal do aquecimento do planeta – se esta tendência se mantiver – sejam as emissões antropogénicas de dióxido de carbono. No entanto, o poder político dominante, quer impor, de qualquer maneira, que essa seja a Única Verdade. Tudo o mais é inconveniente. Veja-se, por exemplo, a enorme trapalhada em que se envolveram alguns cientistas no chamado Climagate que ensombrou a COP15.

Há dúvidas essenciais sobre a ligação entre os GEE (Gases com efeito de estufa) e o aquecimento global. Designadamente aquelas que têm a ver com o referencial temporal que os cientistas utilizam para proceder àquela correlação - cerca de 150 anos de registos fiáveis -, e que muitos consideram insuficiente para estabelecer uma teoria sólida sobre as causas de aquecimento de um planeta que subsiste há milhares de anos. Esta dúvida foi, finalmente, assumida pela ONU, que, em Março de 2010, iniciou uma revisão das Conclusões do 4º Relatório do IPCC, precisamente na sequência das críticas aventadas antes e durante a COP15.

Em Outubro de 2008, uma das principais missões da dinamarquesa Connie Hedgaard, ministra para os assuntos da energia e clima no seu país, era a de preparar a Conferência Sobre Mudança Climática que se realizaria, sob a égide das Nações Unidas, em Dezembro de 2009, na cidade de Copenhaga.

Numa entrevista dada à revista Veja – edição 2081 – a ministra dava conta dos seus entusiasmos e preocupações e, perante uma questão colocada pelo jornalista (Qual é o principal indício do aquecimento global?), deu a seguinte resposta: – "Em 2004, quando fui nomeada ministra do Meio Ambiente, recebi a informação de que em trinta anos a fusão do gelo do Árctico iria permitir a navegação entre o Mar do Norte e o Oceano Pacífico. Decorreram apenas quatro anos e, no último mês, a passagem já ficou livre do gelo. Ou seja, a abertura ocorreu muito antes do previsto!"

Acontece, porém, que houve um navegador português, de nome David Melgueiro , que, ao serviço da Holanda, terá saído do Japão em Março de 1660, cruzou parte do Oceano Pacífico, passou no Estreito de Bering, atravessou todo o espaço oceânico árctico roçando, acima do arquipélago Svalbard, os 84º de latitude norte, descendo depois pelo espaço-canal entre a Islândia e a Irlanda, já no Atlântico, para chegar à foz do Douro em 1662.

E, que se saiba, O Pai Eterno – assim se chamava a embarcação usada por Melgueiro – não era um cruzador couraçado e também não é provável que tenha sido apoiado por quebra-gelos movido a energia nuclear. Pelo contrário, tratava-se de uma daquelas construções em madeira apenas um pouco mais evoluída do que as simples caravelas.

Se, em meados do séc. XVII, já não havia, naquelas tiritantes latitudes, gelo suficiente para travar uma frágil casca de noz, duas hipóteses se colocam: ou houve alguma nova glaciação entre os séculos XVII e o XX, ou, então, no tempo de Melgueiro, verificaram-se alterações climáticas suficientemente fortes para que se verificasse um significativo degelo, que, por certo, não se deveu, a ter acontecido, a gases com efeito de estufa de origem antropomórfica.

No que respeita à política de ambiente internacional no pós-Copenhaga (que foi um fiasco) é necessário reter que, sendo certo que a preservação da atmosfera terrestre deverá ser uma responsabilidade dos diversos países, é também claro que a influência que cada um desses países exerceu sobre a atmosfera ao longo da história – e a que ainda hoje exerce – é muito diferente, o que determina que aquela responsabilidade tenha de ser diferenciada.

Por outro lado, a definição da responsabilidade de cada país no esforço global de redução de emissões terá, pelas mesmas razões de justiça, que ter em conta os referenciais socioeconómicos das respectivas populações.

As emissões per capita da China são quatro vezes inferiores às dos EUA e cerca de metade da média das emissões da UE. A Índia tem cerca de um décimo das emissões médias da UE e vinte vezes menos do que as dos EUA. Neste momento, na Índia, há cerca de 500 milhões de pessoas sem acesso à electricidade.

São, assim, descabidas e injustas as tentativas de responsabilizar estes e outros países – os da ALBA, por exemplo – pelo fracasso de Copenhaga. Apenas a cegueira dos ecoliberais, empenhadíssimos nos chorudos negócios propiciados pelo mercado do carbono e pelo market enablement das renováveis, justifica a tentativa de impor restrições aos países e povos que se querem desenvolver mas que não podem dar-se ao luxo de consumir "carvão limpo" ou usar apenas energia eólica e solar para produzir electricidade (como se isso fosse viável).

"The planet has a fever ", afirmou Al Gore num discurso proferido no Congresso norte-americano, em Março de 2007, incluído na sua cruzada contra as alterações climáticas. Já se percebeu, contudo, que este fantástico paladino ambiental tem vários negócios "ambientalmente correctos", todos eles na linha do preconizado no 4º Relatório do IPCC, que veio estabelecer, apressadamente, um nexo entre a industrialização e os hábitos de consumo de uma sociedade movida a carbono e o aquecimento global.

A mitigação dos efeitos do CO2 é urgente diz o IPCC, e isso passaria pela imediata redução das emissões de GEE (Protocolo de Quioto), através da introdução de tecnologias mais limpas, na implementação de técnicas que propiciem eficiência energética e na progressiva reconversão das fontes de energia fóssil densamente poluentes por fontes renováveis tendencialmente limpas. É, não haja dúvida, uma música linda! Teríamos, assim, o soft way referido por Lovins na sua obra The energy controversy (1977), em que se recorreria de forma intensiva a novas formas de produção de energia (electricidade) através do vento, do sol e das marés.

Vivemos, na actualidade, mergulhados na perversa omnipresença de um debate centrado na questão dos GEE, em particular do CO2, preterindo outros assuntos muito mais relevantes como sejam, a protecção da biodiversidade, o acesso à água, a luta contra a desertificação, para além da já citada necessidade de combater a fome, as epidemias, as desigualdades e a iliteracia. Mas, estas questões, que não geram economias específicas e negócios lucrativos, não são, por isso, prioridades para a UE e EUA. Além disso, não serviriam para atacar os BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China).

A ditadura das alterações climáticas desencadeou, sem dúvida, um movimento de reconversão da produção energética (electricidade) a partir do voluntarismo da Europa. Em Portugal, o governo diz que são os campeões deste movimento.

Apesar da simpatia que merecem as fontes renováveis utilizadas para produzir electricidade, são muito grandes as dúvidas sobre a justeza e sustentabilidade desta opção, nomeadamente quando se pretende fazer acreditar que elas seriam suficientes, por si só, para sustentarem os consumos mundiais crescentes.

A herança de Quioto no plano do incentivo às energias renováveis tornou-se numa moda pujante e inquestionada pelos media. Tanto no plano da geração de electricidade, como ao nível da produção de biocombustíveis para alimentar as frotas rodoviárias e marítimas, as tecnologias de aproveitamento de fontes de energia renovável proliferam e desafiam a imaginação.

Porém, esta reconversão energética pós-moderna e ecoliberal não só agiganta brutalmente os custos financeiros dos investimentos iniciais, como, de facto, avoluma os impactos sociais e ambientais.

A CONVERSA BEATA DAS RENOVÁVEIS

O aproveitamento de fontes de energia renováveis implica investimentos iniciais vultuosos porque incluem custos "frescos" de investigação científica e experimentação, significam a construção de miríades de pequenas centrais electroprodutoras, a extensa reconversão agrícola ou silvícola para a produção de biocombustíveis, a extensão e reforço da rede de transporte e distribuição eléctrica bidireccional e, ainda, o investimento em centrais convencionais (térmicas ou hidroeléctricas) devido ao carácter intermitente e aleatório das fontes renováveis (sol, vento, ondas), custos que se reflectem na factura energética. Os consumidores, previamente mentalizados que devem contribuir para o esforço contra o aquecimento global, não têm outro remédio do que pagar mais. E ainda ficam agradecidos por puderem colaborar na "missão" de combate ao aquecimento global!

Não há dúvida que é um esquema genial, este, o que foi montado pelos ecoliberais! Muitos deles andaram, há trinta anos atrás, na campanha pela liberalização e privatização das empresas energéticas, dizendo que, com isso, a energia seria mais barata.

Cumpre dizer que estas "novas" fontes de energia (conhecidas há centenas de anos) são devoradoras de espaço, são intermitentes e não são inócuas, nem do ponto de vista ambiental, nem do ponto de vista social. Basta citar que a desflorestação da Amazónia, para propiciar a cultura da cana-de-açúcar e outras matérias-primas bioenergéticas, constitui uma emenda pior que o soneto. E que a utilização do milho para produzir álcool fez disparar os seus preços, determinando o aumento insustentável do custo da alimentação dos povos da América Central.

É interessante registar que toda esta questão baralhou os referenciais político-ideológicos: há uma direita neoliberal que diz que a responsabilidade desta novel orientação é de uma designada "esquerda ecotópica", formada pelos partidos socialistas (sociais-democratas, trabalhistas, democratas) coligada aos movimentos ecologistas, que seria caracterizada por uma ideologia pós-moderna, anti-científica, e com muitos interesses económicos misturados. Chega-se mesmo a defender que esta "esquerda" teria muito em comum com o pensamento mágico, elitista e utópico do nacional-socialismo, só não sendo, por enquanto, nacionalista e violenta.

Por outro lado, a esquerda científica (marxista) correlaciona esta política ambiental, centrada nas teses do IPCC, com as lideranças neoliberais que, assim, ensaiariam uma manobra de diversão para refrescar o sistema capitalista.

De facto, os dois pontos de vista podem ser concatenados se considerarmos que, hoje em dia, os partidos "socialistas" se tornaram nos pontas de lança de um neoliberalismo assanhado que está, de facto, a provocar um terrível arrefecimento global socioeconómico.
Ver também:
Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .

30 de dez. de 2010

20 pontos de reflexão

Um ano está perto de acabar e outro de começar.
.
Tempo de resumos.
.
Fiquem descansados: nada de reflexões pseudo-filosóficas.
Só alguns dados.
.
  1. Segundo a UN Conference on Trade and Development (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e o Desenvolvimento), o número de "Países menos desenvolvidos" dobrou nos últimos 40 anos.
  2. Os "Países menos desenvolvidos" gastaram 9 bilhões de Dólares para as importações de alimentos em 2002. Em 2008 este montante subiu para 23 biliões de Dólares .
  3. O rendimento médio per capita nos Países mais pobres da África caiu de 1/4 nos últimos 20 anos.
  4. Bill Gates tem um património líquido da ordem de 50 bilhões de Dólares. Existem cerca de 140 Países no mundo que têm um PIB anual menor do que a riqueza de Bill Gates.
  5. Um estudo do World Institute for Development Economics Research (Instituto Mundial de Investigação sobre Economia do Desenvolvimento) mostra que a metade inferior da população mundial, detém cerca de 1% da riqueza global .
  6. Cerca de 1 bilhão de pessoas no mundo vai para a cama com fome todas as noites.
  7. 2% das pessoas mais ricas detêm mais de metade de todo o património imobiliário do mundo.
  8. Estima-se que mais de 80% da população mundial vive em Países onde o fosso entre ricos e pobres está a crescer.
  9. A cada 3,6 segundos alguém morre de fome, e 3/4 são crianças com menos de 5 anos .
  10. Segundo a Gallup, 33% da população mundial afirma não ter dinheiro suficiente para comprar comida.
  11. Enquanto estamos a ler este artigo, 2,6 bilhões de pessoas em todo o mundo estão a sofrer com a falta de serviços básicos de saúde.
  12. Segundo o mais recente "Global Wealth Report" do Credit Suisse, 0,5% das pessoas mais ricas controlam mais de 35% da riqueza global .
  13. Mais de 3 biliões de pessoas, quase metade da população mundial a , vivem com menos de 2 Dólares por dia.
  14. O fundador da CNN, Ted Turner, é o maior proprietário privado de terras nos Estados Unidos. Hoje, Turner é dono de cerca de 2 milhões de hectares, mais de 8.000 quilómetros quadrados de terra. Esta quantidade é maior do Delaware e Rhode Island juntos . Turner também pede restrições impostas pelo governo para limitar a 2 ou menos filhos por casal , na óptica dum controle do crescimento populacional.
  15. 400 milhões de crianças no mundo não têm acesso a água potável.
  16. Aproximadamente 28% das crianças dos Países em desenvolvimento são consideradas desnutridas ou têm um crescimento reduzido devido à desnutrição.
  17. Estima-se que os Estados Unidos detêm cerca de 25% da riqueza total do mundo.
  18. Estima-se que o inteiro continente Africano possui apenas 1% da riqueza total do mundo.
  19. Em 2008, cerca de 9 milhões de crianças morreram antes da idade de cinco anos. Cerca de 1 / 3 de todas essas mortes deveu-se, directa ou indirectamente, à escassez de alimentos.
  20. A mais famosa família de banqueiros do mundo, os Rothschilds, acumulou fortunas imensas enquanto o resto do mundo ficou preso na pobreza. Aqui está o que diz Wikipedia (versão inglesa) sobre a riqueza da família Rothschild: Alegou-se que durante o século 19, a família teve de longe a maior fortuna privada do mundo, e de longe a maior fortuna da história moderna.

Fonte original: The Economic Collapse
.
Extraido de: http://informacaoincorrecta.blogspot.com/2010/12/20-pontos-de-reflexao.html
.

A privatização do espaço público em São Paulo

Por favor assinem e divulguem o abaixo-assinado cujo texto está a seguir. O link para o abaixo-assinado é
.
.
Nós, cidadãos preocupados com a qualidade de vida, com a defesa do interesse público e do patrimônio publico, com a preservação do patrimônio histórico e com o respeito ao meio ambiente, expressamos por meio deste abaixo-assinado nosso repúdio à intenção da Prefeitura de vender para o setor imobiliário o quarteirão situado entre as Ruas Cojuba, Lopes Neto, Salvador Cardoso e Avenida Horácio Lafer, no bairro do Itaim Bibi, pelos motivos expostos a seguir:
Teatro Décio de Almeida Prado - que Kassab quer vender para o setor imobiliário

- O quarteirão, com área de 20 mil metros quadrados, é um terreno municipal que concentra praticamente todos os serviços públicos da região, abrigando nada menos que oito equipamentos públicos da maior importância para a comunidade, a saber: a Biblioteca Pública Anne Frank, a EMEI - Escola Infantil Tide Setúbal, a creche Santa Teresa de Jesus, a Unidade Básica de Saúde José de Barros Magaldi, a Escola Estadual - Escola de Tempo Integral Prof. Ceciliano José Ennes, a APAE - Escola Zequinha, o Centro de Atenção Psicossocial 24 horas e o Teatro Décio de Almeida Prado (os dois últimos, recentemente reformados pela prefeitura, com o gasto de significativa quantia de recursos públicos). Neles são atendidos, diariamente, centenas de crianças, portadores de necessidades especiais, estudantes, pessoas em busca de atendimento médico e psicológico, usuários da biblioteca, além de proporcionar emprego a dezenas de profissionais da saúde, educação, assistência social, cultura e esporte.
.
- O quarteirão é símbolo da cultura e da arte no Itaim Bibi. Nele se situa a Biblioteca Anne Frank, a mais antiga biblioteca infantil instalada fora do centro da cidade, inaugurada em 1946 num antigo casarão, residência de campo da família Couto de Magalhães, depois em outro prédio construído em 1955, esta a mais antiga edificação modernista no bairro, além de abrigar o primeiro teatro da região.
.
- O quarteirão é símbolo do meio ambiente no Itaim Bibi e sua mais tradicional área verde, abrigando a maior densidade e diversidade de árvores nativas da região, algumas centenárias, além de inúmeras espécies de pássaros e outros animais, e constituindo um oásis de paz e beleza num dos locais mais saturados e congestionados da cidade.
.
- A área também é símbolo das memórias e histórias do bairro, tendo sido originalmente propriedade da família Couto de Magalhães, pioneira do Itaim Bibi, e nele se situando até hoje o casarão, que atualmente abriga a creche Santa Teresa de Jesus. Possivelmente nesta área ainda existam remanescentes arqueológicos da ocupação indígena e colonial.
.
- O valor de mercado estimado do quarteirão entre 20 e 30 milhões de reais - representa menos de 0,1% do orçamento da Prefeitura para 2011, de R$ 35 BILHÕES, e será claramente insuficiente para compensar o valor de todos os prédios e equipamentos públicos existentes no terreno, os custos de realocação desses serviços para outros locais, os transtornos aos usuários desses serviços, à vizinhança e à comunidade em geral, os danos ambientais e, inclusive, o valor afetivo ? este, inestimável - para os moradores do Itaim Bibi.
.
Como este bem, além de muitos outros, faz parte do acervo de imóveis da Municipalidade, lembramos que estes terrenos e suas edificações são patrimônio a serem mantidos não só para uso presente, como também são áreas de reserva para dotação de serviços públicos para as futuras gerações. Dilapidar o patrimônio público - bem escasso nesta cidade gigantesca e que cresce sem parar - é proposta imediatista, sem atender ao interesse público, além de crime de impossível reparação pois, certamente, chegaremos ao cúmulo de ter que desapropriar imóveis no futuro para fazer escolas, postos de saúde e o que mais for necessário para atender à população paulistana
.
Por essas e outras razões, consideramos que a venda desse terreno municipal servirá tão somente aos interesses da especulação imobiliária mais predatória, em detrimento do interesse público, do meio ambiente, da cultura, da história e da qualidade de vida, constituindo verdadeira agressão aos moradores do bairro do Itaim Bibi e redondezas, e a todos aqueles que sonham com uma cidade melhor e mais humana, para nós e para nossos filhos.
.
Em defesa da cidade, instamos a Prefeitura a desistir de dispor deste patrimônio imobiliário que pertence à coletividade, uma vez que não há justificativa para tão temerária medida.
.



,

21 de dez. de 2010

História Sumária do Racismo no Brasil (Primeira Parte)

Mário Maestri

1. Constituição e Racionalização da Escravidão Clássica

A desqualificação dos oprimidos é recurso histórico, consciente e inconsciente, dos opressores para racionalizar e consolidar a exploração. Nas formas de produção pré-capitalistas, essa desqualificação centrou-se fortemente na natureza dos explorados. No clássico A origem da família, da propriedade privada e do Estado, de 1884, Frederico Engels assinalou a dominação da mulher pelo homem, no contexto da primitiva divisão sexual do trabalho, como a primeira forma geral de exploração. "[...] o primeiro antagonismo de classes que apareceu na história coincide com o desenvolvimento do antagonismo entre o homem e a mulher na monogamia; e a primeira opressão de classes, com a opressão do sexo feminino pelo masculino." A opressão da mulher ensejou e apoiou-se tradicionalmente na defesa de sua inferioridade, fortemente ancorada na sua diversidade fisiológica em relação ao homem. O magnífico Aristóteles apontava como exemplo da inferioridade feminina o fato de que a mulher teria menos dentes que os homens!

Base da produção na Grécia homérica, a escravidão patriarcal surgiu quando o produtor superou sistematicamente suas necessidades de subsistência, produzindo sistematicamente excedente capaz de ser apropriado pelo explorador. A orientação da produção para o consumo do núcleo familiar da pequena propriedade grega, de uns cinco ou pouco mais hectares [oikos], pôs relativamente travas à exploração do homem e da mulher escravizados. Não havia sentido em produzir acima do consumido pelos proprietários, familiares, dependentes e cativos. No escravismo patriarcal, o proprietário, sua família e dependentes trabalhavam comumente ao lado do cativo, em proximidade que apenas minimizava o caráter despótico daquela relação social de produção.
Com a consolidação da propriedade privada sobre a terra e seus frutos e a expansão do mercado, a escravidão patriarcal desenvolveu-se e superou-se qualitativamente. Ainda que fossem numerosas as pequenas propriedades escravistas de subsistência, nos dois séculos finais da República e nos dois primeiros do Império, dominou social e economicamente a pequena propriedade escravista pequeno-mercantil especializada. Orientada essencialmente para o mercado, a villa tinha em torno de uns dez a trezentos hectares e trabalhava com algumas poucas dezenas de cativos. A dimensão reativamente restrita e o caráter dos seus produtos, que exigiam comumente trabalho intensivo, especializado e sazonal, impediram tendencialmente a degradação das condições do trabalho conhecida séculos mais tarde na escravidão colonial americana. Era monótona e dura a existência do produtor escravizado nessas propriedades.

Por variadas razões, fracassou a evolução da produção pequeno-mercantil em escravismo mercantil, ou seja, em grandes propriedades trabalhadas por dezenas e centenas de cativos, voltada essencialmente para o mercado, tentada em diversas regiões, com destaque para as propriedades triticultoras da Sicília. Sob a forte pressão dos produtores escravizados, abriram-se as portas à longa transição ao colonato e, a seguir, à produção feudal. Nesta última, o produtor não era mais, como anteriormente, propriedade plena do explorador. Sob a obrigação de pagamento de rendas delimitadas, ele passou a controlar sua família e seus instrumentos de trabalho e a gerir relativamente a gleba à qual era adstrito. Essa importante evolução histórica não o emancipou imediatamente da servidão pessoal parcial [servidão da gleba]. A escravidão plena, menos produtiva e mais custosa, manteve-se como relação de dominação subordinada na Europa, em alguns casos, até o século 18.

A violência foi sempre a principal forma de submissão do trabalhador na escravidão patriarcal e pequeno mercantil. Os cativos e cativas tidos como relapsos e desobedientes eram forte e exemplarmente castigados. Os atos de rebelião contra os proprietários e seus familiares e os feitores eram punidos com a tortura e a morte. Não raro, os cativos rebeldes eram queimados vivos. No Império, quando a escravaria urbana dos romanos mais ricos podia superar os cem membros, o receio dos proprietários à resistência do cativo chegou ao paroxismo. Lei romana dos primeiros anos de nossa era determinou que, se um proprietário escravista [pater famílias] ou seu familiar fossem assassinados, todo cativo que, encontrando-se a uma distância em que pudesse ouvir seu pedido de ajuda, não o socorresse, seria torturado e executado. Nos tempos de Nero, Padânio Secondo, prefeito de Roma, foi justiçado por cativo que lhe pagara e não recebera a manumissão. Todos seus quatrocentos cativos, de ambos os sexos e das mais variadas idades, foram executados, apesar da agitação que a terrível medida causou entre a plebe romana formada em boa parte por libertos.

A escravidão apoiou-se também na submissão ideológica dos cativos. Entre os múltiplos mecanismos utilizados, destacava-se o convencimento do cativo – de dos escravizadores − da natureza diversa e inferior do subordinado, proposta que racionalizava e consolidava a ditadura dos escravizadores sobre os escravizados.

2. A Racionalização da Exploração Escravista na Antiguidade

Na Grécia homérica, a escravidão era vista inicialmente como decorrência dos azares da sorte – guerra, captura, dívida, etc. A visão platônica expressava já uma época em que a escravidão tornara-se instituição importante. Para Platão, a servidão de um indivíduo ou de um povo devia-se à incapacidade de se autogovernar, por falta de discernimento intelectual, cultural ou moral, qualidades exclusivas ao mundo, cultura e homem helênicos. Porém, para ele, era a lei que determinava quem era escravo e senhor. Entretanto, sua teoria da superioridade da alma sobre o corpo consubstanciava já a visão da submissão necessária do súdito ao soberano, da mulher ao homem, do escravizado ao escravizador.

A visão aristotélica da escravidão nasceu em sociedade solidamente escravista. Para Aristóteles, era inaceitável que um homem fosse submetido e mantido na escravidão apenas pela força, sancionada pela lei. O que apontava igualmente ao cativo a força, como forma de emancipação possível. Aristóteles superou a tese platônica, ao defender raiz natural e, portanto, genético-racial à servidão. Para ele, a reunião de diversas famílias formava o burgo e a associação de diversos burgos, a cidade, ou seja, a sociedade política. Um processo determinado pela natureza que compelia "os homens a se associarem" na procura do "fim das coisas", a felicidade de todos.

Para Aristóteles, a família "completa", unidade de base da sociedade, forma-se por homens livres e escravizados. Para ele, a natureza criara as coisas diferentes, na procura da especialização, pois o melhor "instrumento" era o que serve para "apenas" um "mister", e não para muitos. Essa visão expressava uma consciência, ainda que limitada e alienada, do avanço da produção social através da divisão e especialização do trabalho e de seus instrumentos. Assim, na consecução de fins comuns, seres de essência diversa complementavam-se, cada qual realizando a função para que fora criado pela natureza, na consecução do bem comum. Os mais elevados comandavam os menos perfeitos. "A autoridade e a obediência não só são cousas necessárias, mas ainda [...] úteis. Alguns seres, ao nascer, se vêem destinados a obedecer; outros, a mandar."

A natureza determinava que o pai dominasse o filho, o homem a mulher, o senhor o escravo.

"[...] a todos os animais é útil viver sob a dependência do homem. Os animais são machos e fêmeas. O macho é mais perfeito e governa; a fêmea o é menos, e obedece. A mesma lei se aplica naturalmente a todos os homens." "Há também, por obra da natureza e para a conservação das espécies, um ser que ordena e um ser que obedece. Porque aquele que possui inteligência capaz de previsão tem naturalmente autoridade e poder de chefe; o que nada mais possui além da força física para executar, deve, forçosamente obedecer e servir – e, pois, o interesse do senhor é o mesmo que o do escravo."

Fundando o direito da servidão na inferioridade natural e não na força, Aristóteles consolidava ideologicamente a ordem escravista grega, impugnando a escravização do heleno, por um lado, e a validade-direito do bárbaro de emancipar-se pela força, por outro. Propunha que oprimidos e opressores se associariam na consecução de objetivos comum, pois, sendo a opressão algo própria da ordem natural, não haveria civilização à margem da mesma. Foi sempre estratégia recorrente dos opressores defender não apenas a justiça mas também a bondade social de opressão.

Aristóteles foi mais longe, ao propor que a especialização natural, ou seja, a inferioridade e superioridade, se expressasse na própria constituição dos seres. A inferioridade dos "animais domésticos", que serviam com a "força física" ao dono nas suas "necessidades quotidianas", como o boi, o asno, etc., registrava-se nos seus corpos de brutos, especializados para tais funções. O mesmo ocorria entre os homens, pois a "natureza" pareceria "querer dotar de características diferentes os corpos dos homens livres e dos escravos." "Há na espécie humana indivíduos tão inferiores a outros como o corpo o é em relação à alma, ou a fera ao homem". Os homens incapazes de outra função que as relacionadas à "força física" eram "destinados à escravidão".

A proposta de registro material da superioridade ou da inferioridade naturais dos homens constituía elemento central na racionalização aristotélica da exploração escravista, retomada plenamente no mundo romano, e, mais tarde, na Idade Média e Moderna. A força desta proposta encontrava-se no registro, indiscutível, nos corpos, da inferioridade da alma. O que tornava materialmente visível a comprovação de hierarquização social natural, com homens superiores, destinados a mandar e serem servidos, e homens inferiores, destinados a obedecer e a servir. Porém, tal proposta materializou-se em forma limitada no mundo grego, por falta de condições objetivas nas quais pudessem se apoiar as fantasmagorias dos escravizadores.
Mesmo no mundo grego tardio, os cativos provinham sobretudo das províncias e regiões periféricas do mundo helênico. Portanto, havia forte identidade étnica entre os grupos étnicos dos amos e o dos cativos. O que dificultou a tentativa permanente de apontar traços somáticos que expressassem as naturezas diferenciais, superiores e inferior, dos escravizadores e dos escravizados. Ainda que condições de vida diversas tendam a diferenciar fisicamente, em forma relativa, explorados e exploradores, mesmo de mesma origem étnica.

Inicialmente, a escravidão romana apoiou-se na escravização de povos itálicos, de forte semelhança étnico-somática, o que impedia a plena realização do princípio aristotélico da expressão física da inferioridade natural do cativo. Com a extensão da escravidão, foram feitorizados infinidade de povos da bacia do Mediterrâneo e da Europa Ocidental, Central e Oriental. A diversidade étnico-linguística dessa população escravizada dificultou, também, o procurado registro fenótipo da pretensa natureza humana inferior do escravizado. No Império, a retórica aristotélica foi igualmente debilitada pela expansão da cidadania e da classe dos grandes escravistas para além do núcleo étnico romano.

A sociedade romana enfatizou a cultura e a língua como elementos diferenciadores, ainda que os múltiplos traços fenótipos dos cativos fossem apontados como registro de inferioridade. É de geral conhecimento a descrição de escravista romano, com propriedade na Magna Grécia – um italiano meridional, nos dias de hoje –, dos traços semi-bestializados de seu cativo germânico. Ou seja, um alemão atual. Sequer renascimento ibérico da escravidão, com a Reconquista, produziu identificação cabal e duradoura entre etnia e escravidão. Tal fenômeno materializou-se plenamente quando do renascimento do escravismo, nas Américas, dando origem à desqualificação essencial do africano subsaariano, base das visões racistas antinegro contemporâneas.

3. A Escravidão de Mouros e Pretos em Portugal

As práticas e concepções escravistas foram introduzidas na Península Ibérica pelas legiões romanas vitoriosas e, mais tarde, mantidas pelos dominadores visigodos como forma de dominação subordinada. Em 711, os muçulmanos atravessaram o estreito de Gibraltar, mantendo-se na Ibéria até a perda definitiva de Granada, em 1492. A luta à morte entre cristãos e muçulmanos pela península enfatizaria fortemente a escravidão. Inicialmente, os conquistadores cristãos passavam no fio da espada as populações muçulmanas derrotadas. Logo, apenas os guerreiros eram eliminados, reduzindo-se à escravidão os restantes. As necessidades da exploração das terras conquistadas, em boa parte despovoadas pela guerra, ensejaram que razias fossem lançadas sobre os territórios muçulmanos para capturar trabalhadores a serem explorados nas cidades e campos. Difundiu-se também a captura e venda de muçulmanos assaltados no Mediterrâneo e nas costas da África do Norte. Os muçulmanos procediam do mesmo modo com os cristãos.

A Reconquista teria melhorado a sorte dos servos pessoais originais, metamorfoseados em servos da gleba e a seguir em colonos livres. Decaiu igualmente a importância dos antigos cativos e fortaleceu-se a dos cativos islamitas. A retórica justificadora da feitorização do muçulmano rompeu radicalmente com a racionalização aristotélica da escravidão. A escravidão do muçulmano não se devia mais a uma pretensa inferioridade natural. A excelência da civilização islâmica mediterrânica e a forte identidade étnica, sobretudo entre o muçulmano ibérico e o moçárabe, ou seja, cristão arabizado pela vida na Ibéria islâmica, impediam propostas de inferioridade natural do cativo muçulmano. Agora, a escravidão era justificada pela adesão a uma crença que ofendia gravemente o verdadeiro deus, nos céus, e devia, portanto, ser castigada, na terra. Era a guerra justa contra o inimigo da fé divina, determinada pelo Estado e pela Igreja, que justificava a escravidão, em proveito dos homens pios, é claro. No fundamental, o mesmo critério apoiava a escravidão de cristãos pelos muçulmanos. Entretanto, no mundo ibérico, cativos cristãos seguiam sendo escravizados por senhores cristãos, ainda que em número decrescente.

No mundo romano, o trabalhador escravizado era denominado sobretudo de servus. A dissolução e a metamorfose das relações escravistas foram tão lentas e imperceptíveis que o produtor direto emergiu no mundo feudal sendo tratado do mesmo modo que os antigos cativos nas línguas européias– servus, servo, serf, etc. No século 10, quando da retomada relativa do escravismo na Europa Ocidental, foi necessário uma nova designação para o trabalhador escravizado. As guerras de Otão I [912-973], o Grande, duque da Saxônia, inundaram a Europa com cativos trazidos da Esclavônia, nos Bálcãs. Com o passar dos anos, o termo escravo perdeu o sentido étnico-nacional, ou seja, originário da Esclavônia, para descrever o homem escravizado. Ou seja, o servus da Antiguidade. Na Lusitânia, o uso do designativo escravo foi tardio.

Até meados do século 15, a dominância da escravidão de muçulmanos levou a que o termo português substitutivo de servus fosse mouro, pois os muçulmanos que invadiram e colonizaram a península Ibérica provinham da Mauritânia [Saara Ocidental]. Logo, em Portugal, o muçulmano feitorizado era designado de "mouro", não importando de onde viesse, na bacia do Mediterrâneo. Em 1444, começaram a chegar a Portugal as primeiras partidas de negro-africanos, capturados quando do avanço marítimo lusitano ao longo do litoral atlântico da África. Por longas décadas, mouros e negro-africanos trabalhariam como cativos, lado a lado, em Portugal, nas cidades e nos campos. O neologismo português mourejar designaria o trabalho duro como cativo mouro ou, mais tarde, como cativo negro.

Em Portugal, a palavra negro era usada para designar o homem de pele mais escura, livre e escravizado. Como o negro-africano era ainda mais escuro, foi designado diferencialmente de "preto". Daí, ser chamado de "mouro preto", sem ser proveniente da Mauritânia e muçulmano. Em inícios do século 16, quando a escravidão do negro-africano se sobrepunha já claramente à feitorização do muçulmano, o uso da palavra escravo difundiu-se em Portugal, já sem qualquer referência à religião e à origem nacional. Então, tínhamos "escravo mouro", "escravo negro", "escravo preto", "escravo branco". Em Portugal, com a forte dominância da escravidão do negro-africano, "preto" tornou-se sinônimo de cativo e de escravo. Nesse novo contexto, a visão aristotélica da escravidão, como consequência de pretensa inferioridade natural, foi retomada e enfatizada como jamais, como a principal justificativa daquela instituição. A pele branca seria sinal de excelência, a negra, de inferioridade. Nascia o racismo anti-negro.

Ler a segunda parte deste trabalho: AQUI

Ler terceira Parte deste trabalho: AQUI 





.

7 de dez. de 2010

Homenagem ao companheiro Sebastião Ferreira

Homenagem ao companheiro Sebastião Ferreira
Há homens que lutam um dia, e são bons;
Há outros que lutam um ano, e são melhores;
Há aqueles que lutam muitos anos, e são muito bons;
Porém há os que lutam toda a vida
Estes são os imprescindíveis.
(Berthold Brecht)

No dia 1º de dezembro de 2010, partiu nosso amigo e companheiro de luta, Seu Sebastião, vigia do CIEP 292, da Av. Presidente Kennedy, ex-diretor do SEPE-Barra Mansa/Rio Claro, gestão 2003-2006.
Sentiremos sua falta nos encontros de funcionários, nos seminários e  nos congressos, nas assembléias e nas passeatas da rede estadual, no Rio de Janeiro, nas viagens que fizemos a Brasília, na luta contra as reformas trabalhistas que retirava os direitos dos trabalhadores,  e nos congressos para  a reorganização do movimento sindical.

“Certo dia, amigo, a gente vai se encontrar...”
(Milton Nascimento)



Sebastião, em nossa memória, você estará sempre presente!
msoC6374        Ao nosso Amigo e companheiro a nossa homenagem. 
SINDICATO ESTADUAL DOS PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO DO RJ
Núcleo Barra mansa / Rio Claro

Conceição, Janete, Paulo César e Pedro Ney
Diretores do SEPE-Barra Mansa/Rio Claro
               







29 de nov. de 2010

Repúdio ao revide violento das forças de segurança pública no Rio de Janeiro, e às violações aos direitos humanos que vêm sendo cometidas

Rede de Comunidades e Movimentos contra a Violência

Desde o dia 23 de novembro a rotina de algumas regiões do Rio de Janeiro foi alterada. Após algumas semanas em que ocorreram supostos "arrastões" (na verdade, roubos de carros descontinuados no tempo e no espaço), veículos seriam incendiados. Imediatamente, as autoridades públicas vieram aos meios de comunicação anunciar de que se tratava de um ataque orquestrado e planejado do tráfico de drogas local à política de segurança pública, expressa principalmente nas Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs). Tal interpretação nos parece questionável, em primeiro lugar porque não foi utilizado o poderio em armas de fogo das facções do tráfico, e sim um expediente (incêndio de veículos) que, embora tenha grande visibilidade, não exige nenhuma logística militar. Em segundo porque, se o objetivo fosse um dano político calculado ao governo estadual, as ações teriam sido realizadas cerca de dois meses atrás, antes das eleições, e não agora. As ações, que precisam ser melhor investigadas e corretamente dimensionadas, parecem mais típicas atitudes desorganizadas e visando impacto imediato, que o tráfico varejista por vezes executa.

Seja como for, desde então, criou-se e se generalizou um sentimento de medo e insegurança. Esta imagem foi provocada pela circulação da narrativa do medo, do terror e do caos produzida por alguns meios de comunicação. Isto gerou o ambiente de legitimação de uma resposta muito comum do poder público em situações como esta: repressão, violência e mortes. Principalmente nas favelas da cidade. Além disso, mobilizou-se rapidamente a idéia de que a situação é de uma "guerra". Esta foi a senha para que o campo da arbitrariedade se alargasse e a força fosse utilizada como primeiro e único recurso.

Repudiamos a compreensão de que a situação na cidade seja de uma "guerra". Pensar nestes termos, implica não apenas uma visão limitada e reducionista de um problema muito complexo, que apenas serve para satisfazer algumas demandas políticas-eleitoreiras, mas provoca um aumento de violência estatal descomunal contra os moradores de favelas da cidade.

Não concordamos com a idéia da existência de guerra, muitos menos com seus desdobramentos ("terrorismo", "guerrilha", "crime organizado") justamente pelo fato de que as ações do tráficos de drogas, embora se impondo pelo medo e através da força, são desorganizadas, não orgânicas e obviamente sem interesses políticos de médio e longo prazo. Parece que, ao mencionarem que se trata de uma "guerra" ao "crime organizado", as autoridades públicas querem legitimar uma política de segurança que, no limite, caracteriza-se apenas por uma ação reativa, extremamente repressiva (que trazem consequências perversas ao conjunto dos moradores de favelas) e que, no fundo, visa exclusivamente e por via da força impor uma forma de controle social.

As ações feitas pelos criminosos e a resposta do poder público que ocorreram nesta semana, somente reproduz um quadro que se repete há mais de 30 anos. Contudo, as "políticas de segurança pública" se produzem, sempre, a partir destes eventos espetaculares, portanto com um horizonte nada democrático. É importante não esquecer que, muito recentemente, as favelas que agora viraram símbolo do enfrentamento da "política de segurança pública" já tenham sido invadidas e cercadas em outros momentos. Em 2008, a Vila Cruzeiro foi ocupada pela polícia. Em 2007, o Complexo do Alemão também foi cercado e invadido. O resultado, todos sabem: naquele momento, morreram 19 pessoas, todas executadas pelas forças de segurança.

As consequências práticas da idéia falsa da existência de guerra é o que estamos vendo agora: toda a ação de reação das forças de segurança, que atuam com um certa autorização tácita de parte da população (desejosa de uma vingança, mas que não quer fazer o "trabalho sujo"), têm atuado ao "arrepio da lei", inclusive acionando as Forças Armadas (que constitucionalmente não podem ser utilizadas em situações como estas, que envolvem muitos civis, e em áreas urbanas densamente povoadas). Não aceitamos os chamados "danos colaterais" destas investidas recorrentes que o poder público realiza contra os bandos de traficantes. Discordamos e repudiamos a concepção de que "para fazer uma omelete, é preciso quebrar alguns ovos", como já disseram as mesmas autoridades em questão em outras ocasiões.

Desde o começo do revide violento e arbitrário das polícias e das forças armadas, há apenas uma semana, o que se produziu foi uma imensa coleção de violações de direitos humanos em favelas da cidade: foram mortas, até o momento, 45 pessoas. Quase todas elas foram classificadas como "mortes em confronto" ou "vítimas de balas perdidas". Temos todas as razões para duvidar da veracidade desse fato. Em primeiro lugar, devido ao histórico imenso de execuções sumárias da polícia do Rio de Janeiro, cuja utilização indiscriminada dos "autos de resistência" para encobrir tais crimes de Estado tem sido objeto de repetidas condenações, inclusive internacionais. Em segundo lugar, pelo que mostram as próprias informações disponíveis, o perfil das vítimas das chamadas "balas perdidas" não é de homens ou jovens que poderiam estar participando de ações do tráfico, e sim idosos, estudantes uniformizados, mulheres, etc. Na operação da quarta-feira (24/11) na Vila Cruzeiro, por exemplo, esse foi o perfil das vítimas, segundo o detalhado registro do jornalista do Estado de São Paulo: mortes - uma adolescente de 14 anos, atingida com uniforme escolar quando voltava para casa; um senhor de 60 anos, uma mulher de 43 anos e um homem de 29 anos que chegou morto ao hospital com claros sinais de execução. Feridos - 11 pessoas, entre elas outra estudante uniformizada, dois idosos de 68 e 81 anos, três mulheres entre 22 e 28 anos, dois homens de 40 anos, um cabo da PM e apenas dois homens entre 26 e 32 anos.

Além disso, a "política de guerra" produziu, segundo muitas denúncias feitas, diversos refugiados. Tivemos informações de que moradores de diversas comunidades do Complexo da Penha e de outras localidades não puderam retornar às suas casas e muitas outras ficaram reféns em suas próprias moradias. Crianças e professores ficaram sitiados em escolas e creches na Vila Cruzeiro, apesar do sindicato dos professores ter solicitado a suspensão temporária da operação policial para a evacuação das unidades escolares. As operações e "megaoperações" em curso durante a semana serviram de pretexto para invasões de domicílios seguida de roubos efetuadas por policiais contra famílias. Nos chegaram, neste sábado 27/11, depoimentos de moradores da Vila Cruzeiro que informavam que, após a fuga dos traficantes, muitos policiais estão aproveitando para realizar invasões indiscriminadas de domicílios e saquear objetos de valor.

Não bastasse tudo isso, um repertório de outras violações vêm ocorrendo: nestas localidades conflagradas, os moradores se encontram sem luz, água, não podem circular tranquilamente, o transporte público simplesmente deixou de funcionar, as pessoas não podem ir para o trabalho, escolas foram fechadas e quase 50 mil alunos deixaram de ter aulas neste período, e até toque de recolher foi imposto em algumas localidades de UPP, segundo denúncias. As ações geraram um estado de tensão e pânico nos moradores destas localidades jamais vistos. As favelas do Rio, que são verdadeiros "territórios de exceção" onde as leis e as garantias constitucionais são permanentemente desrespeitadas, em primeiro lugar pelo próprio Poder Público, vivem hoje um Estado de Exceção ainda mais agravado, que pode ser prenúncio do que pretende se estabelecer em toda a cidade durante a Copa do Mundo e as Olimpíadas.

Repudiamos, por fim, a idéia de que há um apoio irrestrito do conjunto da população às ações das forças de segurança. De que "nós" é esse que as autoridades e parte dos meios de comunicação estão falando? Considerando o fato de que a cidade do Rio de Janeiro não é homogênea e que existem diversas versões (obviamente, muitas delas não são considerados por uma questão política) sobre o que está acontecendo, como é possível dizer que TODA a população apóia a repressão violenta em curso? Certamente, esse "nós", esse "todos" não incluem os moradores de favelas da cidade. E isso pode ser verificado a partir das inúmeras denúncias que recebemos de arbitrariedades cometidas por policiais.

Diante de tudo isso, e para evitar que mais um banho de sangue seja feito, e para que as violações e arbitrariedades cessem imediatamente:

* Exigimos que seja feita uma divulgação dos nomes e laudos cadavéricos de todas as vítimas fatais, bem como dos nomes das vítimas não fatais e suas respectivas condições neste momento;

* Exigimos também que seja dada toda publicidade às ações das forças de segurança, permitindo que estas sejam acompanhadas pela imprensa e órgãos internacionais;

* Exigimos que sejam dadas amplas garantias para efetivação, acompanhamento e investigação das denúncias de arbitrariedades e violações cometidas por agentes do Estado nas operações em curso;

* Exigimos que estas ações sejam acompanhadas de perto por órgãos públicos como o Ministério Público, Defensoria Pública, Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa e do Congresso Federal, Secretaria Especial de Direitos Humanos - SEDH, Subsecretaria de Direitos Humanos do Estado do Rio de Janeiro, além de outras instituições independentes como a OAB (Federal e do Rio), que possam fiscalizar a atuação das polícias e das Forças Armadas.

Rio de Janeiro, 27 de Novembro de 2010.

Fonte: http://www.redecontraviolencia.org/Documentos/764.html

22 de nov. de 2010

Do crime à falta de educação

Por Luiz Martins da Silva 

Um dos nossos cacoetes culturais, já apontados por Sérgio Buarque de Holanda em Raízes do Brasil, é o de tratar os problemas com soluções que oscilam entre a pusilanimidade e o extremo. O enquadramento de Monteiro Lobato como racista por causa de trechos de suas obras não fugiu à regra, mas cria uma boa ocasião para refletirmos sobre como encontrar uma saída para esse tipo de situação em que deixar como está não presta e aplicar os rigores da lei empobrece o contexto.

No Brasil, racismo é injúria qualificada, crime inafiançável (Lei Afonso Arinos), ou seja, passível de prisão por flagrante delito e sem direito à fiança. Não o era ao tempo em que Lobato criou suas personagens, mas elas continuam bem vivinhas e aprontando das suas, sobretudo quando são convertidos – ou pervertidos – para o mercado da indústria cultural e, dentro dela (alguma coisa haveria de prestar nessas águas barrentas), os livros de caráter educativo, didático e pedagógico.

Num contexto educativo, não se pode, é claro, admitir obras com tiradas racistas, sob pena de se perpetuar um tipo de socialização de valores enviesados. Cortar os trechos preconceituosos de obras clássicas não serve, porque seria a volta de um tipo de censura que o Brasil conheceu durante o regime militar pós-1964, quando pedaços de colunas do noticiário apareciam em branco, opacos ou com versos de Camões, receitas culinárias, demônios medievais e assim por diante.

Marca de tiro


Indexar parte da obra de Lobato soa absurdo, algo como recriar o Index Librorum Proibitorum de séculos atrás. Imaginemos uma cena no âmbito familiar: um pai retirando da estante aquele volume das Obras Completas de um clássico porque se chegou à conclusão de que, lamentavelmente, aquele prócer da Humanidade foi igualmente pródigo em preconceitos, embora não tendo como saber que estava praticando um crime em relação ao futuro, já que face ao ethos então corrente era o que se respirava. Então, o que fazer?

Uma saída pode ser o acréscimo de cláusulas de advertência, à maneira como já recomenda o Código Brasileiro de Auto-Regulamentação Publicitária, cujo zelo está a cargo do Conselho Nacional de Auto-Regulamentação Publicitária (Conar). Outra modalidade de advertir é como o faz o Ministério da Justiça, por meio de seu Manual de Classificação Indicativa (PDF disponível na página do ministério), no que se refere a produtos culturais portadores de conteúdos violentos, eróticos ou indutores ao consumo de drogas, lícitas ou não. No entanto, a classificação indicativa por faixa etária e horário parece adequada quase que estritamente às chamadas diversões públicas.

Cláusulas de advertência são contrapesos publicitários que, por exemplo, se põem impressos na contraface dos maços de cigarros, coisas do tipo: fumar pode levar à impotência. Ou, em nova versão, "este livro contém trechos que podem ser interpretados como abusivos". Aqui, um pormenor: a distinção entre o que é enganoso e o que é abusivo. No que se refere à publicidade, enganoso é o anúncio ou rótulo que promete conteúdo ou efeito improvável. Abusivo é o anúncio de um produto, cuja mensagem se revela preconceituosa, racista ou simplesmente desrespeitosa para com a pessoa humana, seja ela qual for, em sua condição étnica ou etária. Há produtos que são abusivos porque querem atingir exatamente a falta de filtros críticos por parte das crianças. Um exemplo: bebidas alcoólicas foram proibidas de usar associações com seres ou coisas capazes de angariar a simpatia do público infantil: tartaruguinhas, caranguejos e outros em situações "animadas".

Mas que coisa horrível! Que ideia estúpida, essa de virem agora os livros com uma antipática advertência, sabe-se lá em relação a que preconceito? Os capistas, evidentemente, odiarão esse crime lesa estética. Mas, prefiro o risco do ridículo à passividade dos que esperam que alguém pense por eles. Prefiro o vexame de me expor e, quem sabe, apareçam soluções melhores e mais amadurecidas, do que ficar na marca de tiro dos covardes (uma praga, atualmente, das listas de discussão), pessoas que, se valendo da distância ou até de identidade falsa, tratam de detratar de forma desrespeitosa quem lhes saia com opiniões que não as suas.

Valores humanos


E a quem competiria colocar o guiso no gato? A quem cuida de guisos. No caso de Lobato, ou melhor, de livros didáticos, das instituições correlatas; do Conselho Nacional de Educação, já que o Conar e o Código de Defesa do Consumidor melhor tratam das relações de consumo. E, como os dois códigos estabelecem, a compra de um produto pelo que ele anuncia tem valor de contrato entre duas partes. Já no caso de aquisição de uma obra eventualmente preconceituosa (total ou parcialmente) isso não implica automaticamente a pactuação com o preconceito. Fica o cidadão com a liberdade de adquirir ou não a obra supostamente perigosa.

Os cuidados, evidentemente, focarão mais aqueles que a Constituição Federal qualifica como mais desprotegidos – as crianças e os adolescentes. Não se trata, portanto, de proibir, mas de advertir. Um dos prodígios da democracia é que mesmo o mal deve contar com a liberdade, pois mais vale o arbítrio do sujeito diante dele do que a proibição por parte de quem que lhe queira degustar na exclusividade de prová-lo antes para não vetar depois.

Quanto ao racismo, o nazismo se encarregou de demonstrar que se trata de uma patologia social. E muito contagiante. Disseminar o preconceito, especialmente por meio do humor, é uma forma de micropolítica: espalhar inocentemente a discriminação. Naturalizar o desrespeito. Concedamos no entanto a Lobato, por tudo de bom que nos prestou, um crédito de confiança, sem que lhe tenhamos de abdicar do quanto de alegria, inteligência e valores elevados – a nacionalidade entre eles –, deixou-nos de herança. A educação para os valores humanos parece ser a melhor saída, mas de longo prazo. No curto, defendo as advertências. Argumentações em contrário serão bem vindas. Desde que fundamentadas. Já que o preconceito é uma forma de irreflexão estabelecida.
;

20 de nov. de 2010

Cem anos da Revolta da Chibata: Uma luta de raça e classe

João Cândido foi a referência da Revolta da Chibata, levante popular dos marinheiros negros ocorrido em 22 de novembro de 1910, no Rio de Janeiro. Isso porque ele havia tido a oportunidade de participar de cursos em outros países e de presenciar a organização operária e dos marinheiros que fizeram a primeira greve naval na revolução russa (1908).

Essas experiências internacionais lhe deram destaque na liderança da revolta popular. Segundo o historiador Nascimento, outras lideranças estiveram envolvidas, como Ricardo Freitas, Francisco Dias Martins (“O Mão Negra”), que escrevia as cartas ameaçadoras, cabo Gregório, entre outros. Apesar de o objetivo principal da revolta ser o fim dos castigos corporais, os marinheiros também lutavam por melhores condições de trabalho, contra os baixos salários na Marinha e o tratamento discriminatório das elites dos oficiais.

Naquela época, a partir da luta direta da armada militar, que acabou paralisando o Rio – então capital do país – por uma semana, a burguesia foi obrigada a se curvar às reivindicações dos marinheiros. Os castigos corporais “seriam” o último elo ainda existente com a época imperial e o regime da escravidão, apesar de já haver se passado 22 anos da abolição da escravatura.

Mas os marinheiros que fizeram história foram apagados do passado do Brasil, por serem negros. É importante lembrar que esses trabalhadores negros e pobres incluíam em suas reivindicações outras várias da classe trabalhadora em geral, num cenário em que as elites criminalizavam as lutas proletárias, que estavam começando na formação dos sindicatos de base operária.

Essa luta teve uma vitória parcial, mas foi comemorada pelos marinheiros com um “viva a liberdade”. Porém, durou pouco, pois o poder vigente das elites conservadoras se reagrupou para atacar os líderes da revolta um mês depois.

As elites militares não tinham como ordenar a prisão imediata dos marinheiros anistiados. Mas, se aproveitando de um episódio acontecido no Rio Grande do Sul, um novo levante de marujos que não foi bem sucedido, lançaram seu ataque aos líderes da Revolta da Chibata. Em novembro, os marinheiros anistiados foram então arrolados, por meio de provas como bilhetes e denúncias feitas por superiores diretos da Marinha de Guerra.

O governo Hermes da Fonseca conseguiu instalar o estado de sítio, ordenando a prisão dos 18 marinheiros da revolta, entre eles João Cândido. Foram então encaminhados para o presídio na Ilha das Cobras, onde sofreram torturas e muitos morreram. O horror da prisão levou João Cândido a ser internado no Hospício Nacional de Alienados para exames de sanidade mental, ficando 22 dias nesta instituição.

Havia todo um cenário de aumento da carga de trabalho e de pouca valorização das classes subalternas. O governo brasileiro usou naquela época o processo de vinda de imigrantes europeus para a política de branqueamento da população, com os incentivos de terra e moradia aos europeus. Essa política foi utilizada como forma de fragmentar e colocar diferenças entre a classe trabalhadora para melhor explorar e oprimir.

A lei de anistia de João Cândido veio aumentar a contradição do Estado brasileiro, que usa o mito da democracia racial (todos são iguais perante a lei) para tentar apagar o passado de crimes. Ainda nos dias de hoje, é possível ver a história se repetir, pelas mãos de Lula. Recentemente, o governo – com o apoio de algumas organizações negras – comemorou a aprovação de um estatuto da “igualdade racial” esvaziado de suas propostas fundamentais, sem as cotas para negros nas universidades, nos partidos e no serviço público, excluindo a garantia do direito à titulação das terras quilombolas e indígenas, sem a defesa e o direito à liberdade de prática das religiões de matrizes africanas.

O estatuto também não se posiciona sobre a proteção da juventude negra, que sofre verdadeiro genocídio por parte das polícias militares dos estados, em especial no Rio de Janeiro, onde existe uma política de faxina étnica (preparando a cidade para a Copa do Mundo e a Olimpíada). Além disso, não caracteriza o escravismo e o racismo como crimes de lesa-humanidade, conforme acordo internacional do qual o Estado brasileiro é signatário.

Por si só, o estatuto já é um retrocesso a todos os avanços que tentamos conquistar ao longo dos anos. Sob a justificativa da constituição de um marco legal que representaria o reconhecimento da desigualdade racial no Brasil, na realidade foi aprovado um documento de sugestões ao Estado.

LEIA MAIS


  • Zumbi e João Cândido: lições de raça e classe













  •