30 de mai. de 2010

RECONSTRUÇÃO REVOLUCIONÁRIA NO SEPE -RJ

“É melhor morrer na luta do que morrer de fome”

Este lema cunhado por Margarida Maria Alves em seu último discurso antes de ser morta, expressa e explica a motivação para a luta do trabalhador rural brasileiro que optou pela resistência ao latifúndio e à exploração do trabalho. Assim ela viveu, lutou e morreu assassinada a mando de um latifundiário.


Presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Alagoa Grande (PB), foi covardemente alvejada no rosto no dia 12 de agosto de 1983, em frente à sua casa e ao lado de seu filho, por ordem de José Buarque de Gusmão Neto, usineiro de Alagoa Grande, detentor de grande poder político e econômico no estado e, inclusive, no Colégio Eleitoral que elegia o Presidente da República na época da Ditadura Militar. Julgado somente 18 anos depois do homicídio, o usineiro e chefe político

paraibano foi absolvido em junho de 2001 de seu covarde, hediondo e notório crime; mais um dos que seguem impunes entre os milhares perpetrados direta ou indiretamente pelos poderosos.

Na sua trajetória militante, Margarida Maria Alves se destacou sobremaneira na luta pelos direitos trabalhistas dos trabalhadores rurais de Alagoa Grande e do Brejo Paraibano, incentivando-os a fazer valer de fato o que lhes era negado pelos donos do poder econômico e político na região. À época, como resultado de sua liderança, foram movidas setenta e três reclamações trabalhistas contra engenhos e contra a Usina Tanques, de propriedade do mandante de seu assassínio, o que, em pleno período ditatorial, produziu uma grande repercussão e atraiu sobre si o ódio dos latifundiários locais que passaram a ameaçá-la e a tentar intimidá-la. Margarida, além de se não deixar abater por essas ameaças e intimidações, tornava-as públicas e fazia questão de respondê-las.


Margarida Maria Alves, nome de flor mas fibra de aço, mulher sertaneja, trabalhadora rural e líder sindical, morreu na luta, mas de fome a classe dominante não a matou.


Em sua homenagem, é realizada todos os anos no mês de agosto a Marcha das Margaridas que reúne milhares de trabalhadoras rurais
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25 de mai. de 2010

Assine o Manifesto de apoio a Frota pela Liberdade em Gaza

Envie para o e-mail: culturaypaz@culturaypaz.org


Estimados amigos, debido a las informaciones que llegan desde Israel de que nos bloquearán en alta mar durante semanas, queremos mover este manifiesto y conseguir el mayor numero de adhesiones posibles a ver si conseguimos que la diplomacia consiga dejarnos entrar en la franja de Gaza. Es por lo que os pedimos vuestra firma y que hagáis llegar a vuestras amistades y conocidos el manifiesto buscando su adhesión. Podéis enviarnos vuestro nombre, profesión, organización a la que se pertenece si es que se pertenece a alguna, etc. al mail de la Asociación culturaypaz@culturaypaz.org para que podamos ir sumando adhesiones.
 
La idea es que a finales de la semana que viene, cuando estemos frente a las costas de Gaza e Israel nos haya cortado el paso, hacer público el manifiesto pidiendo la mediación del gobierno español como presidente de turno de la UE. Cuantas mas firmas y mas conocidas sean mejor, mas repercusión tendrá el manifiesto!
 
Ciertamente necesitamos vuestro apoyo, sin él todo indica que podríamos llegar a pasarnos hasta tres meses bloqueados en el Mediterráneo unas 600 personas y miles de toneladas de ayuda humanitaria.
 
Muchas gracias y un fuerte abrazo solidario desde Estambul. Podéis ver el
blog http://solidariosengaza.wordpress.com donde hemos colgado algunas crónicas, fotos y vídeos de los últimos diez días en Turquía.
Un saludo.

LOS ABAJO FIRMANTES,
Creemos que la situación de embargo que sufre la franja de Gaza es insostenible por mas tiempo. Una situación que ha llevado en los últimos tres años a mas de un millón y medio de personas a vivir en la mas absoluta precariedad y a merced de los deseos variables de Israel.
 
Como demuestran los informes de diferentes ONG´s que trabajan sobre el terreno, la sanidad, la educación, la agricultura y cualquier tejido productivo ha quedado completamente devastado. Con este embargo, las mujeres y los niños han quedado desprotegidos sufriendo en primer lugar sus terribles consecuencias. Las violaciónes del derecho internacional, que incluyen violaciones de los derechos humanos, constituyen una dimensión fundamental de la crisis de Gaza. El castigo económico es la más dura consecuencia del bloqueo israelí. Las políticas de empobrecimiento sistemático han hecho que Gaza, donde las principales fuentes de ingresos son la agricultura, la pesca y otras pequeñas industrias, ahora produzca menos de lo que producía hace una década.
 
La población de Gaza es utilizada como un instrumento de guerra, ya que está sometida al hambre y privaciones constantes en clara violación de la ley internacional. De acuerdo con cifras proporcionadas por IHH, la Fundación para los Derechos Humanos, las Libertades y el Socorro Humanitario, y las autoridades palestinas, la ayuda internacional en el suministro de productos alimenticios y medicamentos sigue siendo necesaria para ayudar al pueblo de Gaza y que pueda vivir una vida digna. Esto significa que se debe poner fin y por completo a la ocupación directa o indirecta de la región, y demuestra la importancia de las organizaciones no gubernamentales de todo el mundo en su apoyo al pueblo de Gaza.
 
En este sentido queremos manifestar nuestro apoyo sincero y público a la Flotilla por la Libertad de Gaza formada por nueve barcos de diferentes nacionalidades, en los viajan ciudadanos españoles, así como solicitar al gobierno español que garantice la labor humanitaria que vienen a desarrollar en la franja de Gaza los cientos de activistas que acompañan el cargamento de miles de toneladas de ayuda humanitaria que llevan las embarcaciones, haciendo valer el derecho internacional.

Primeras firmas:
 

· Jose Delicado Molina, diseñador gráfico, España.
· Maria del Mar Fernandez Llamazares – Jurista, España

usw..

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24 de mai. de 2010

A dialética da conciliação-Nova carta aos "brasileiros"?

A novela da sucessão

Luiz Werneck Vianna

24/05/2010
Em uma democracia de massas, uma sucessão presidencial suspende a marcha ordinária da política, põe sob tela de juízo o script até então estabelecido e se abre às promessas da novidade. Como em uma novela, esse é um momento em que se começa a delinear o esboço de um próximo capítulo a partir da interpretação do que acaba de se viver. Toda história tem um autor, em princípio o senhor da trama que tece, mas todos já ouvimos falar da experiência de escritores que se surpreenderam quando viram personagens, nascidos da sua imaginação, ganharem animação autônoma, passando como que a agir por conta própria.
Quando há um processo de sucessão institucionalizado, mesmo em regimes políticos autoritários, como ocorreu aqui em tempos recentes, a mudança no comando político nunca é trivial – a passagem do bastão nos governos dos generais-presidentes Castelo Branco, Costa e Silva, Médici, Geisel e Figueiredo, cada um deles levado ao poder por um círculo homogêneo de eleitores muito restrito, como se sabe, não desconheceu o conflito e a mudança de rumos.
No entanto, a presente sucessão transcorre, ao menos até aqui, de acordo com as estratégias dos dois principais candidatos, a de Serra e a de Dilma, como se o próximo capítulo – inevitavelmente, mais uma vez, sob a égide dos partidos de hegemonia paulista, o PT e o PSDB -, já estivesse comprometido a reprisar, com retoques, os anteriores. Tanto a retórica de Serra quanto a de Dilma apontam para essa direção, os dois reivindicando para si o papel de melhor intérprete para continuar um roteiro supostamente consagrado.
As diferenças se resumiriam a questões operacionais na condução da economia, como, por exemplo, na questão de juros e no grau de relativa autonomia a ser desfrutada pelo Banco Central diante das autoridades governamentais. Serra, como Aécio Neves preconizava, não seria um candidato de oposição, definindo-se como um pós-Lula. Dilma, por sua vez, seria Lula como um outro corpo do Rei, em vigília fiel de quatro anos à espera que seu verdadeiro titular reocupe seu lugar. Nesse jogo de simulações, o que importa, para uma candidatura, é a herança da popularidade de Lula, e, para a outra, não confrontá-la. Não importa que o cenário do mundo esteja mudando à frente de todos, como bem atesta a profundidade da crise da União Europeia, logo em seguida à crise financeira de fins de 2008. Como que indiferente a ele, a pauta dos candidatos segue obedecendo aos cálculos do marketing político.
Mas há algo nesse enredo que não encaixa. Se Dilma pode ser eleita pelo lulismo, não poderá governar com ele, na medida em que ele é atributo intransferível do carisma do seu inventor. Ela terá de governar com o PT e com a coalizão política que a eleger, na qual está o PMDB, com um dos seus cardeais instalado na Vice-Presidência da República. Por outro lado, o bordão nacional-popular não é próprio para a nova inscrição internacional do país e para as aspirações de projetar o capitalismo brasileiro na economia-mundo, que requer uma gramática dominada pelo pragmatismo.
Uma indicação disso está nas abdicaçôes de José Eduardo Dutra presidente do PT, e de Antonio Palocci, um condestável da política econômica, das suas pretensões eleitorais a fim de assumirem posições de comando na campanha eleitoral de Dilma. Caso ela seja eleita, não há outra leitura possível, ambos serão guindados ao seu ministério, além, é claro, do Henrique Meireles. De outra parte, Serra, mesmo que não confronte com o governo atual, para que seja um candidato competitivo, terá de sustentar outro andamento à história em que estamos há 16 anos envolvidos, apresentando alternativas persuasivas que garantam continuidade a ela, em especial em matérias como a da questão social e a do crescimento econômico. Nessa agenda, deve ser incluída a valorização de uma vida civil ativa e autônoma, uma vez que não são compatíveis com a nova democracia política brasileira as tendências que aí estão de estatalização dos movimentos sociais, inclusive dos sindicatos.
A novela que nos tem como seu público obrigatório, a essa altura incapaz de mobilizar paixões, destituída de suspense, com suas reviravoltas e artimanhas nossas velhas conhecidas, não deve passar pelo hiato da Copa do Mundo. Depois dela, cairão as máscaras da dissimulação, e o enredo ficará tenso e cheio de surpresas: é ainda possível manter, na frente agrária, o agronegócio sob a pressão dos movimentos sociais do tipo MST; como compatibilizar, com os dois lados ganhando, os interesses dos chamados ruralistas com um vigoroso movimento ambientalista, hoje identificado com uma candidatura presidencial?
Noutra ponta: o nacional-desenvolvimentismo, com seus imperativos políticos de projeção do poder nacional, pode encontrar lugar em uma economia conduzida pelo eixo Henrique Meirelles-Antonio Palocci? Qual a dialética que poderá sustentar a política externa atual com as necessidades, a essa altura inarredáveis, do país ocupar uma posição entre os grandes do mundo? As demandas pelas reformas trabalhista e previdenciária, desejadas pelo empresariado, como se haverão com a resistência dos sindicatos, hoje, em franco processo de recuperação da sua força de outrora? Lula, no seu tempo, que já não é o de agora, pôde conciliar esses antagonismos. Alguém mais pode?
Luiz Werneck Vianna é professor-pesquisador do Iuperj e ex-presidente da Anpocs. Escreve às segundas-feiras
E-mail: lwerneck@iuperj.br

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23 de mai. de 2010

Cuba X Globo,EUA & CIA


O artigo é uma carta aberta em resposta ao editorial do jornal "O Globo" publicado em 9/05/2010. O texto recorda as ligações da rede globo com a ditadura militar, e discute sua performance atual. Resgatando a história cubana,denunciamos as agressões militares e econômicas perpetradas ou financiadas pelo governo americano.
 Cuba   X   Globo,EUA & CIA Crítica ao editorial  de O Globo do dia 9 de maio de 2010 intitulado Cerco à liberdade de expressão, na seção Opinião

         Para consolidar-se como uma empresa poderosa,  e conseguir divulgar certas opiniões em largos espaços,  as Organizações Globo  apoiaram entusiasticamente a ditadura militar brasileira  nos anos de chumbo,  demonstrando total descompromisso com as liberdades formais elementares.  Hoje em dia se proclamam democratas, embora não tolerem nenhuma situação onde o povo consiga exercer algum  poder, daí a grande inquietude em relação a Cuba.  O ponto chave é  que apesar de todas  as agressões norte-americanas,  o povo cubano conquistou a liberdade substantiva para a realização de parte de suas aspirações,  como por exemplo, freqüentar a escola com efetivo aprendizado,  ter atendimento médico, alcançar uma vida mais longa, e sobretudo, escolher os próprios rumos da nação.

         Antes da revolução de 1959, havia  40% de analfabetos, hoje a taxa de analfabetismo não chega a 1% e metade da população possui curso superior.  Muito sangue revolucionário  foi derramado para a superação da ignorância, pois diversos alfabetizadores da campanha de 1961  foram alvo dos contra-revolucionários, apoiados  pelos EUA com dinheiro e armas.  Mas a disposição de luta deste povo foi (e ainda é !) invejável. Talvez inspirados nas palavras  de Martí: ser culto é a única forma de ser livre,  heróis anônimos surgiram, continuando a obra dos anteriores.

           Não foram poucos os que padeceram em atentados,   como aquele que derrubou um avião cubano, com  73 pessoas a bordo, incluindo  toda a equipe cubana de esgrima, no ano de 1976. Os principais mentores do ato terrorista,  Orlando Bosch e Luiz Posada Carriles,  exilaram-se  nos Estados Unidos.  Por outro lado,  há mais de 10 anos, cinco  cubanos:  Gerardo, Ramón, René, Fernando e Antonio, estão  detidos nos cárceres do império, por  tentarem  descobrir antecipadamente e evitar   ataques terroristas   contra o povo cubano, que ao longo dos últimos 50 anos tem sido  planejados ou acobertados pela CIA e pelo governo americano.

          É importante ressaltar a voracidade da tática de financiar o terrorismo para destruir governos que ousam fazer algo diferente do delineado pela super-potência. A revolução sandinista de 1979 não resistiu aos ataques sistemáticos à população civil, envolvendo clínicas de saúde, cooperativas agrícolas e assim por diante.  Em 1990, a população votou no candidato indicado pelos EUA e o terrorismo cessou, e hoje a Nicarágua é o segundo país mais miserável da América Latina, perdendo apenas para o Haiti.  Os Estados Unidos teriam sido condenados pelo conselho de segurança da ONU por terrorismo internacional, mas naturalmente vetaram a resolução que tratava do assunto.

                Para fazer o cerco aos atentados terroristas,  as leis cubanas impedem que pessoas físicas ou jurídicas recebam  dinheiro do governo americano. Muitos dos que se declaram presos políticos estão detidos por enriquecimento ilícito, também não permitido nas leis do país caribenho. Cada nação tem as suas leis, no Brasil, por exemplo, a recepção de dinheiro estrangeiro para campanhas políticas também é coibida. O mais curioso é que a pressão da rede globo para que o presidente Lula deixe de apoiar o governo cubano acaba por esclarecer muito sobre a dinâmica de nossa pseudo-democracia.   Qualquer posição de um presidente eleito que não seja de interesse dos grupos econômicos que controlam o país é severamente criticada pela grande  imprensa, que paralelamente solapa ou distorce  informações, dificultando o exercício da crítica. Acuados, muitos políticos desistem de abordar os problemas básicos como a reforma agrária, a educação básica e a saúde  pública, cuja solução inevitavelmente implicaria prejuízos  de interesses econômicos  de grupos poderosos. E quando esses políticos não desistem?  A resposta está no próprio  editorial de O Globo do dia 9 de maio. Começando por citar o apoio de Chávez a Cuba, o editorial trás à tona o papel das empresas privadas RCTV e a Globovision no golpe militar perpetrado em 2002 contra o presidente venezuelano eleito democraticamente. A atuação das redes televisivas pode ser verificada no documentário: A revolução não será televisionada (está no Youtube!), no qual se esclarece também o papel fundamental do povo venezuelano na reversão do golpe. De qualquer forma, o tratamento do assunto evidencia  que nos últimos 46 anos O Globo não mudou nem de opinião, nem de atitude. 

         Com o fim da União Soviética e a queda do Leste Europeu,  poder-se-ia supor  que o jornal O Globo e  os EUA esqueceriam  de perseguir a ilha do Caribe. Mas ocorreu o oposto, procurou-se levar o embargo às últimas consequências. Em complemento à lei Helms-Burton, de 1996, dois planos, um anunciado pela Casa Branca em 20 de  maio de 2004,  e outro, em 10 de julho de 2006,  acirram o bloqueio econômico.  O último deles disponibilizou oitenta milhões de dólares para financiar a dissidência interna e a propaganda  internacional contra Cuba. O documento designou até um coordenador  para a transição e reconstrução de Cuba,  um tal de Caleb McCarry.   

       Mesmo em um dado momento vendo sumir tudo das prateleiras, para a maioria dos cubanos  o ideal revolucionário prevaleceu. Embora novos elementos tenham sido forçosamente introduzidos, gerando desigualdades, o espírito de solidariedade e união foi essencial para que o país não mergulhasse  numa crise de fome ao longo da década de 90.  Um passeio pela história cubana ajuda a entender a força do povo num momento tão difícil.

             A revolução de 59 ficou intrinsecamente vinculada à independência nacional. As lutas remontam a Céspedes, líder da guerra dos 10 anos, na qual um dos acontecimentos mais marcantes foi o incêndio de Bayamo, em 1869. Quando os bayameses perceberam a inevitável vitória dos espanhóis, decidiram incendiar a cidade. Este episódio  emblemático caracterizou Bayamo como o berço da nacionalidade cubana, e deu o primeiro recado ao mundo sobre as dificuldades de subjugar  o país. A segunda guerra de independência, que tinha em vista tanto  a independência em relação à Espanha  como a não anexação aos EUA, foi liderada intelectualmente pelo poeta José  Martí . O chamado apóstolo de Cuba consagrou-se como um pensador humanista, indicando rumos e valores para o processo revolucionário cubano.  Morreu em combate no ano de  1895. Quando, em 1898, Cuba estava a ponto de conquistar  a independência da Espanha,  um navio norte-americano foi incendiado na baía de Havana. O governo estadunidense  responsabilizou a Espanha, e usou o pretexto para ocupar Cuba.  Em seguida, veio a emenda Platt, que facultava aos EUA a possibilidade de intervir nos assuntos internos cubanos. Um último resquício da emenda sobrevive até os dias de hoje: a base militar de Guantânamo. 

            Na primeira metade do século XX muitas terras cubanas foram compradas praticamente de graça pelos norte-americanos. Um detalhe curioso assinalado na Ley Helms-Burton, citada anteriormente,  é que um dos requisitos para  a retirada total do bloqueio, após a suposta vitória contra-revolucionária,  seria o registro de progressos palpáveis no processo de devolução das propriedades dos antigos exploradores.

               Apesar da resistência local, liderada por jovens como Julio Antonio de Mella(1903-1929), o  fundador do partido comunista cubano, que foi assassinado em 1929, a ditadura de Machado, iniciada em 1925, ainda arrastou-se até 1933.   Instalou-se, após sua derrubada, o governo revolucionário de Ramón Grau San Martin, que por sua vez,  foi destituído em pouco tempo. O domínio estadunidense prevaleceu e nos anos 50, Cuba era conhecida como o bordel dos Estados Unidos. Em 52, um golpe de Fulgêncio Batista frustrou a esperança de eleições democráticas. Em  1953, no centenário do nascimento de Martí, ocorreu a famoso assalto ao quartel de Moncada, que visava à obtenção de armas para uma revolução de  cunho martiniano. O ataque realizado em 26 de julho  fracassou, e dezenas de jovens foram barbaramente torturados até a morte, sem que nenhum deles mencionasse o comandante da operação.  Fidel  teve a sorte de ser capturado pelo humanitário tenente Sarria, que o conduziu  com vida ao cárcere.  O bispo D.Pérez reclamou aos funcionários da ditadura Batista que não o executassem na cadeia e que fosse submetido a julgamento justo.  A derrota militar converteu-se em uma vitória política imortalizada no   afamado discurso: A história me absolverá, proferido por Fidel em sua autodefesa. Condenado, é anistiado após cumprir dois anos de prisão. Exilado no México, aproveita para planejar, com outros revolucionários, entre eles, Che Guevara,  uma nova tentativa de revolução, que vem a triunfar em 1959.

       Atos marcantes, como a Reforma Agrária, a Campanha de alfabetização, e o investimento maciço em saúde e educação,  que transformaram-se em bandeiras nacionais, foram levados a frente graças ao apoio e a participação popular.  

       Em Cuba, há diversas formas de organização popular,  como as associações de trabalhadores, e os  CDR (comandos de defesa da revolução), encontrados em quase todo quarteirão, e nos quais qualquer jovem, a partir dos quatorze anos, pode fazer parte.

        Em relação ao sistema eleitoral, a cada dois anos e meio ocorrem eleições gerais. A organização se dá em três níveis: municipal, provincial (que equipara-se ao nosso nível estadual)  e nacional. Para a Assembléia Municipal, de caráter altamente local,  os delegados, que não precisam ser do partido comunista, são eleitos por voto direto em assembléias populares.   Metade dos  representantes da Assembléia  provincial  são eleitos com  voto direto em pleito específico, e a outra metade é  oriunda dos delegados da  Assembléia Municipal.   Há também a assembléia Nacional, de caráter legislativo. Os membros do Conselho de Estado, órgão executivo máximo, são eleitos indiretamente pela Assembléia Nacional.  Raul é o atual presidente do Conselho de Estado.

         Cuba tem sido criticada  por não ser democrática. A rede Globo nitidamente adota dois pesos e duas medidas. Em virtude da greve de fome deflagrada em primeiro de março de 1981, onze militantes de movimentos pela libertação da Irlanda do Norte, sob o governo de Margareth Thatcher, morreram no curso de sessenta e um dias. Nem por isso, o jornal O Globo questionou a democracia britânica. Na base militar norte-americana de Guantânamo, instalada em solo cubano desde 1903, há centenas de presos sem processos, submetidos a torturas e condições ultrajantes, mas ?O Globo? considera os Estados Unidos democráticos. Aqui no Brasil pessoas são mortas na cadeia, diariamente acontecem execuções sumárias, muitas delas pelas forças do Estado, mas não ocorre à rede globo afirmar que o Brasil é anti-democrático. Lembremos que aqui cinco fiscais do trabalho foram assassinados em 2004, quando investigavam o trabalho escravo, e os irmãos Norberto e Antério Mânica,  grandes produtores de grãos, acusados de serem os mandantes da chacina,  não passaram nem sequer um dia na cadeia.  Isso não ?choca o mundo?, e  seguimos sem  honrar nem mesmo a  Abolição da Escravatura.

O povo cubano adquiriu poder suficiente para  realizar conquistas importantes.  A mortalidade infantil na pequena ilha é a menor da América Latina e a população tem atendimento médico de excelente qualidade.  Para infelicidade  dos direitistas de plantão, o  desejo dos EUA., expresso em documentos da CIA, de levar fome e desespero aos cubanos, com o intuito de  persuadi-los a desistir da revolução,  não se concretizou. Apesar  do forte embargo que envolve remédios e alimentos, o povo cubano tem mostrado sua solidariedade mundo afora. Não podemos esquecer a nobre ajuda  aos angolanos, agredidos pelo governo racista Sul-Africano, com desdobramentos que favoreceram  o fim do Apartheid,mo ilustra o filme: ?Cuba: uma odisséia africana?.  Há  médicos cubanos
no se riende nadie (Aqui ninguém se rende) , Aqui no hay amos ,  reiteram o memorável recado  de Bayamo. Trata-se de uma gente muito musical, e os versos da canção:  C,  sobre as  relações do povo  com as lideranças revolucionárias: ?Seguiremos adelante, como junto a ti seguimos, y con Fidel te decimos:
Hasta siempre, Comandante!" 

Maria de Fátima L. B. de P. Almeida 
Maurício Del Giudice
Abel Garcia Lozano
Lúcia Maria dos Santos Pinto

Fontes:


1)Crónica de una guerra anunciada  Siniestros planes de Bush contra la nación cubana. Autor: Ricardo Alarcón de Quesada. Editora: Política. La Habana, 2006.
2)Extranjeros ? Reflexões, crônicas e ficções de um brasileiro em Cuba no ?Período Especial?. Autor Luiz Ricardo Leitão. Editora: Oficina do autor.
3)Poder e terrorismo. Autor: Noam Chomsky. Editora: Record.
4) A revolução não será televisionada ? Filme ( http://video.google.com/videoplay?docid=-3258871973505291549#)
5)Médio siglo de Revolución ? Cincuenta momentos históricos- 50 aniversario del triunfo de la revolución.  Editora: Arte y literatura.
6)Desenvolvimento como liberdade. Amartya Sen. Editora: Companhia das Letras.
7)  http://educaterra.terra.com.br/voltaire/artigos/cuba_fidel_religiao.htm. Texto: Fidel Castro e a igreja.
8)Cuba:uma odisséia africana ? filme.
9)Música: Comandante Che Guevara ( http://www.youtube.com/watch?v=DYs7bUPMPGk)
 10) Piratas do Caribe. Autor: Tariq Ali. Editora Record

20 de mai. de 2010

SAIBA O QUE É O CAPITALISMO

Atílio Borón*


O capitalismo tem legiões de apologistas. Muitos o fazem de boa fé, produto de sua ignorância e pelo fato como dizia Marx, “o sistema é opaco e sua natureza exploradora e predatória não fica evidente, perante os olhos de homens e mulheres do mundo” Outros o defendem porque são seus grandes beneficiários e arregimentam enormes fortunas graças a suas injustiças e iniqüidades. Há também outros (gurus, financistas, opinólogos, jornalistas especializados, acadêmicos bem pensantes e diversos representantes do pensamento único) que conhecem perfeitamente o que o sistema impõe em termos de custos sociais, degradação humana e do meio ambiente, mas como estão muito bem remunerados procuram omitir essas questões em seus relatos. Eles sabem muito bem, que a “batalha de idéias” que foi convocada por Fidel Castro é algo que pode ser perigoso para as ideologias que no intimo defendem e por isso não se empenham em denunciar as mazelas do capitalismo.

Para contraditar a proliferação de versões idílicas sobre o capitalismo e de sua capacidade de promover o bem estar geral examinemos alguns dados obtidos de documentos oficiais das ONU. Eles são sumamente didáticos quando se lê, principalmente em relação à crise atual – indicando que a solução dos problemas do capitalismo se obtém com mais capitalismo; ou que o G20, o FMI, a OMC e o BIRD, arrependidos dos erros do passado – irão efetivamente resolver os grandes problemas que afetam a humanidade. Todas essas instituições são incorrigíveis e irreformáveis e qualquer esperança de mudanças em seus comportamentos não é nada mais do que pura ilusão. Seguem propondo o mesmo, somente que o discurso é diferente e adotando uma estratégia de “relações públicas” desenhada para ocultar suas verdadeiras intenções. Quem tenha dúvidas que constate o que estão propondo para “solucionar” a crise na Grécia: as mesmas receitas que aplicaram e seguem aplicando na América Latina e África desde os anos oitenta do século passado.

Em continuação, podemos citar alguns dados com suas respectivas fontes recentemente sistematizados pelo Programa Internacional de Estudos Comparativos sobre a Pobreza localizado na Universidade de Bergen, Noruega, que fez um grande esforço para, desde uma perspectiva crítica, combater o discurso oficial sobre a pobreza elaborado desde mais de trinta anos pelo Banco Mundial e reproduzido incansavelmente pelos meios de comunicação, autoridades governamentais, acadêmicos e “especialistas” variados.

População mundial: 6,8 bilhões de habitantes em 2009
1,02 bilhão de pessoas são desnutridos crônicos (FAO,2009);
2 bilhões de pessoas não tem acesso a medicamentos (www.fic.nih.gov);

884 milhões de pessoas não têm acesso à água potável (OMS/UNICEF 2008);
925 milhões de pessoas são “sem teto” ou residem em moradias precárias (ONU Habitat 2003);
1,6 bilhões de pessoas não tem acesso à energia elétrica (ONU Habitat, Urban Energy);

2,5 bilhões de pessoas não são beneficiados por sistemas de saneamento, drenagens ou privadas domiciliares (OMS/UNICEF 2008);

774 milhões de adultos são analfabetos ( www.uis.unesco.org );
18 milhões de mortes por ano devido à pobreza, a maioria de crianças menores do que cinco anos de idade (OMS);
218 milhões de crianças entre 5 e 17 anos de idade, trabalham em condições de escravidão com tarefas perigosas ou humilhantes, como soldados da ativa atuando em guerras e/ou conflitos civis, na prostituição infantil, como serventes, em trabalhos insalubres na agricultura, na construção civil ou industria têxtil (OIT: “La eliminación Del trabajo infantil, un objetivo a nuestro alcance” 2006);

Entre 1988 e 2002, os 25% mais pobres da população mundial reduziram sua participação no produto interno bruto mundial (PIB mundial) de 1,16% para 0,92%; enquanto os opulentos 10% mais ricos acrescentaram fortunas em seus bens pessoais passando a dispor de 64% para 71,1% da riqueza mundial. O enriquecimento de uns poucos tem como seu reverso o empobrecimento de muitos;

Somente esses 6,4% de aumento da riqueza dos mais ricos seriam suficientes para duplicar a renda de 70% da população mundial, salvando muitas vidas e reduzindo os sofrimentos dos mais pobres. Entendam bem: tal coisa somente seria obtida se houvesse possibilidade de redistribuir o enriquecimento adicional produzido entre 1988 e 2002 dos 10% mais ricos da população mundial, deixando ainda intactas suas exorbitantes fortunas. Mas nem isso passa a ser aceitável pelas classes dominantes do capitalismo mundial.

CONCLUSÃO

Não se pode combater a pobreza (nem erradicá-la) adotando-se medidas capitalistas. Isso porque o sistema obedece a uma lógica implacável centrada na obtenção do lucro, o que concentra a riqueza e aumenta incessantemente a pobreza e as desigualdades sócio-econômicas a nível mundial.

Depois de cinco séculos de existência é isto e somente isto que o capitalismo tem para oferecer ao mundo! Que esperamos então para mudar o sistema? Se a humanidade tem futuro, esse será claramente socialista! Com o capitalismo, não haverá futuro para ninguém! Nem para os ricos, nem para os pobres! A sentença de Friedrich Engels e também de Rosa Luxemburg: “socialismo ou barbárie” é hoje mais atual do que nunca. Nenhuma sociedade sobrevive quando seu impulso vital reside na busca incessante do lucro e seu motor é a ganância, a usura. Mais cedo ou mais tarde provocará a desintegração da vida social, a destruição do meio ambiente, a decadência política e a crise moral. Todavia estamos ainda em tempo para reverter esse quadro – então vamos à luta!

*Atilio Borón, doutor em Ciência Política pela Harvard University, é professor titular de Filosofia Política da Universidade de Buenos Aires, Argentina, e ex-secretário-executivo do Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales (CLACSO).


Tradução: Jacob David Blinder
Rebelión ha publicado este artículo con el permiso del autor mediante una licencia de Creative Commons, respetando su libertad para publicarlo en otras fuentes.

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19 de mai. de 2010

PCB LANÇA PRÉ-CANDIDATURA A PRESIDÊNCIA E VICE

IVAN PINHEIRO

Ivan Pinheiro, advogado, 64 anos, (Rio de Janeiro, 18 de março de 1946), pai de cinco filhas, é o Secretário Geral do PCB - Partido Comunista Brasileiro.

Iniciou sua atividade política ainda na adolescência, no Colégio Pedro II, onde estudou entre 1957 e 1963; foi diretor do Grêmio Estudantil.

Em 1965, ingressou na ainda Universidade do Estado da Guanabara - UEG (atual Uerj), onde estudou Direito. Nessa época, integrou-se ao Movimento Revolucionário Oito de Outubro (MR-8). Durante o curso, foi diretor do Centro Acadêmico Luiz Carpenter (CALC). Dada a sua trajetória como liderança estudantil, atualmente a sede do Centro Acadêmico chama-se "Sala Ivan Pinheiro".

Após a derrota da luta armada no combate ao regime militar, Ivan passou a considerar importante a participação no movimento de massas. Após desligar-se do MR-8, fez contato com o Partido Comunista Brasileiro na clandestinidade, no qual ingressou em 1976 e de que jamais se afastou.

A partir de 1976, passou a atuar no seu local de trabalho: o Banco do Brasil. Com a convocação das eleições do Sindicato dos Bancários, em 1978, pelos interventores do Ministério do Trabalho, candidatou-se à presidência do sindicato, por decisão do PCB. O pleito durou um ano e dez meses, em função de manobras do Ministério do Trabalho. A vitória final, através de uma votação esmagadora, consagrou Ivan Pinheiro como um dos principais líderes sindicais do país. Sob seu comando, o Sindicato dos Bancários se tornou, na prática, o principal centro de resistência à ditadura no Rio de Janeiro.

Sua trajetória como expoente do PCB teve início em 1982, quando foi realizado o VII Congresso Nacional do Partido. Neste evento, Ivan e os demais participantes foram presos, após invasão do local da reunião pela Polícia Federal. Com esta prisão, foi enquadrado no último processo com base na famigerada “Lei de Segurança Nacional”. No Congresso, que ocorreu depois, na clandestinidade, dentre os eleitos, Ivan era o mais jovem integrante do Comitê Central do Partido. Desde então, é membro da Comissão Política do Comitê Central

Em 1986, sua candidatura ao governo do Estado do Rio de Janeiro (lançada por uma Conferência Regional do PCB-RJ) foi retirada pelo Comitê Central do PCB, em favor do apoio ao candidato do PMDB, Moreira Franco. Ivan submeteu-se à decisão, de que discordava, e aceitou concorrer a deputado federal constituinte, em uma chapa própria do PCB. Apesar da boa votação obtida, não foi alcançado o coeficiente eleitoral.

No ano seguinte, liderou a esmagadora maioria dos sindicalistas do PCB na Conferência Sindical Nacional do Partido, impondo à sua direção a opção pela CUT, em detrimento da CGT. Desde 1981, Ivan divergia da maioria do Comitê Central, lutando contra o atrelamento do Partido ao PMDB.

No início da década de 1990, com o colapso do socialismo na URSS e no Leste Europeu, uma grave crise emergiu no Partidão, resultando numa grande cisão, em janeiro de 1992, quando foi criado o PPS Partido Popular Socialista. Ivan Pinheiro assumiu, juntamente com Horácio Macedo e Zuleide Faria de Melo, a liderança do grupo que manteve-se fiel aos ideais estabelecidos na fundação do PCB, em 1922.

Em 1996, Ivan Pinheiro foi candidato à prefeitura do Rio de Janeiro, tendo como lema "Uma Revolução no Rio". Apesar do fraco desempenho nas urnas, a campanha foi um marco importante para a reconstrução do PCB.

No XIII Congresso do PCB, realizado em março de 2005, em Belo Horizonte, Ivan Pinheiro foi eleito Secretário Geral do Partido. Este congresso marcou a ruptura do PCB com o governo Lula e apontou um novo rumo para a estratégia partidária.

No XIV Congresso do PCB, em outubro de 2010, no Rio de Janeiro, foi reeleito para o Comitê Central do PCB, que o reconduziu à Secretaria Geral.


EDMILSON COSTA


Edmilson Costa é doutor em Economia pela Universidade Estadual de Campinas, com pós-doutorado no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da mesma instituição, além de professor universitário. Natural do Maranhão, Edmilson é militante do PCB desde os tempos de estudante. Foi secretário-geral da União Maranhense dos Estudantes Secundaristas, em 1968, e presidente da Casa dos Estudantes Universitários do Maranhão, em 1973. Em São Paulo, exerceu o jornalismo por mais de 10 anos e posteriormente se especializou nos estudos de Economia.

Como militante comunista, Edmilson Costa participou, tanto na clandestinidade quanto na legalidade, de todas as lutas pelas liberdades democráticas no Brasil. Nas últimas eleições municipais, foi pré-candidato a prefeito de São Paulo. Membro do Comitê Central do PCB desde o IX Congresso, foi um dos articuladores do processo de resistência à tentativa de liquidação do Partido e, durante vários períodos, foi secretário político do PCB em São Paulo.

Atualmente, Edmilson Costa é membro da Comissão Política do Comitê Central do PCB e seu Secretário de Relações Internacionais, tendo representado o Partido em vários congressos, seminários e encontros internacionais.

É autor de O Imperialismo (Global Editora, 1989), A Política Salarial no Brasil (Boitempo Editorial, 1997), Um Projeto para o Brasil (Tecno-Científica, 1998) e A Globalização e o Capitalismo Contemporâneo (Expressão Popular, 2009), além de vários ensaios publicados em revistas e sites especializados no Brasil e no exterior.

Além de toda atividade política e acadêmica, Edmilson Costa é poeta e compositor. Tem três livros de poesia publicados e, de suas mais de 70 composições de MPB com diversos parceiros da cena musical paulistana, cerca de vinte delas estão gravadas por artistas de São Paulo e de outros Estados.


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Enterrem o meu coração na curva do rio

Roberto Numeriano*
Na Espanha, ano passado, foi recolhida a um depósito uma estátua eqüestre do ditador Francisco Franco. Era a última memória visível do fascismo espanhol, responsável por uma ditadura que durou 36 anos, depois de golpear a República e se instalar no poder ao fim de uma cruenta guerra civil. A não ser o mausoléu tétrico e de mau gosto, conhecido “Valle de los Caídos”, não há ruas, praças, becos e instituições espanholas homenageando o ditador. Na Espanha, Franco, tanto quanto Hitler para os povos, virou sinônimo de guerra, traição, genocídios, tortura, terror de Estado e ditadura.

No Brasil, neste mês de maio, justamente estas seis palavras se impuseram aos brasileiros quando o governo Lula divulgou a 3ª versão do Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH). A 3ª versão é a maior prova de que os legados autoritários do regime militar, aliados à mentalidade reacionária hegemônica no clero católico e evangélico, ao latifúndio e à mídia do grande capital, continuam impondo ao país uma visão de mundo autoritária e ideologicamente regressiva.

O recuo do governo Lula ante a reação dos bastiões conservadores (e potencialmente neofascistas, em alguns casos) pode ser interpretado por duas vertentes que não se excluem. Em primeiro lugar, é possível dizer que houve um cálculo político-eleitoral na decisão. Em segundo lugar, relacionado diretamente com este, tivemos um cálculo político-ideológico. É claro que estes cálculos não eximem Lula e seus “conselheiros” palacianos da grave traição aos princípios e objetivos que inspiram a luta de entidades e pessoas no combate pelo resgate da memória e da verdade e pela afirmação de um Estado de Direito democrático fundado numa radicalidade democrática.

O cálculo político-eleitoral pesou o desdobramento dos naturais embates que os temas provocariam na sociedade, amplificados, sobretudo numa perspectiva negativa, pela mídia do grande capital. Preocupado com os prejuízos para a candidata Dilma Roussef, o governo Lula simplesmente fez a montanha parir um rato emasculado. (Até nos lembra aquela fatídica Carta aos Brasileiros, texto que qualquer banqueiro de Wall Street assinaria com um largo sorriso).

O cálculo político-ideológico é o mais deletério para uma sociedade política submetida aos consensos fraudados, entre os quais a Lei da Anistia (1979), e a Constituição de 1988 (menos cidadã do que podemos supor). Assim afirmamos porque ele busca bloquear / neutralizar processos de luta sociais, políticas, culturais e econômicas que refletem o conflito de ideologias e de classes, ou seja, ele quer calar a voz dissidente de pessoas e coletivos que pretendem formular e praticar uma contra-hegemonia à presente ordem social e política fraudada.

Se já não tínhamos qualquer ilusão quanto ao PNDH como potencial mobilizador daqueles processos, menos ainda devemos alimentar esperanças de que aquele rato possa roer e guinchar. Mas, parece-nos, a derrota por força do “fogo amigo” talvez sirva de lição para algo que devemos resgatar e que tem a ver com a permanência da luta dos trabalhadores, a despeito da manipulação da religiosidade, mistificação da imprensa do grande capital, ameaças implícitas da caserna golpista e pressão do latifúndio do agronegócio. Trata-se de resgatar o potencial de luta e rebeldia por cima e além das estruturas estatais, inspirando-se nos homens e mulheres que nos precederam e que começaram suas batalhas para conquistar o fundamento de tudo: a liberdade pela emancipação material e espiritual.

Está na hora de fazer a nossa hora. O PNDH não deve servir como despojo de uma batalha perdida sobre o qual nos resta chorar. Era, aliás, muito institucional e formalista como espaço de intervenção dos que lutam contra memórias e legados da ditadura. Vamos recriar conceitualmente o PNDH, sem retalhos e com propostas calcadas numa radicalidade democrática, em oposição ao institucionalismo político burguês. Não há possibilidade de qualquer direito humano pleno sem a emancipação plena dos homens e mulheres no contexto da luta anticapitalista.

*Roberto Numeriano é membro do Comitê Central e do Comitê Regional do PCB – Pernambuco
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18 de mai. de 2010

O Irão, o Brasil e “a bomba”.

“Washington tem de sentar-se à mesa com Teerão com o tal “punho aberto” realmente aberto e examinar todas as opções diplomáticas, à busca de um pacote abrangente de segurança para o Oriente Médio – pacote o qual, é claro, terá de incluir a total desnuclearização; quer dizer, fim, também, para as bombas atómicas «secretas» de Israel. Difícil, só, saber se o governo Obama – acossado pelos falcões da guerra por todos os lados – sobreviverá a esse desafio.” 

O ministro das Relações Exteriores do Brasil Celso Amorim foi tão polido quando preciso e claro, em conferência conjunta de imprensa, ao lado de seu contraparte Manouchehr Mottaki em Teerão nessa 5ª.-feira. Amorim disse que “o Brasil está interessado em participar de uma solução apropriada para a questão nuclear iraniana.” 

“Apropriada” é palavra em código para “conversações” – não uma quarta rodada de sanções lançada pelo Conselho de Segurança da ONU, muito menos a opção militar, que o governo Barack Obama insiste, com estridência, em manter à mesa. Assim, ao posicionar-se como um mediador em busca de solução pacífica, o governo brasileiro põe-se em rota de colisão “soft” com o governo Obama.

O presidente Luiz Inacio Lula da Silva do Brasil estará em visita a Teerão, mês que vem. Aos olhos dos falcões do “pleno espectro de dominação” nos EUA, é anátema. Tanto quanto para a ‘mídia’ ocidental de direita, meios brasileiros inclusos, que não se cansam de martelar Lula, sem parar, por sua iniciativa de política exterior.

Pouca diferença faz que, mais uma vez, Amorim tenha repetido, com destaque, que absolutamente não há consenso na chamada “comunidade internacional” quanto a isolar Teerão. “Comunidade”, mais uma vez nesse caso significa Washington e uns poucos países europeus. O Sul global vota pelo diálogo. O Movimento dos Não-alinhados [ing. Non-Aligned Movement (NAM)] é unanimemente contrário a mais sanções. O Grupo dos 172 (todos os países exceto o Grupo dos 20) é também contra mais sanções.

O Brasil e a Turquia, ambos contrários a novas sanções, ocupam atualmente lugares não-permanentes no Conselho de Segurança da ONU. A posição de ambos é idêntica, em essência, à de China e Rússia – que são membros permanentes do Conselho de Segurança. A tática russa de nada deixar transpirar, e a da China, que concordou com “discutir” pacotes de sanções, têm sido distorcidas e mal interpretadas pela mídia corporativa e vendidas como se esses países estivessem aceitando as exigências de Washington.

Não aceitaram. No encontro dos BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China) em Brasília, há menos de duas semanas, esses países mais uma vez definiram que a ‘solução’ de novas sanções não é solução, e repetiram que toda a questão deve ser decidida pela Agência Internacional de Energia Atómica (IAEA).

Em Teerão, Mottaki e Amorim também discutiram a proposta iraniana de troca de combustível nuclear, como “medida para construir confiança” que beneficiaria o Irão, em relação a Washington e capitais europeias. O Brasil ofereceu-se para enriquecer urânio para o Irão.

O problema é que a nova rodada de sanções está sendo discutida em New York exclusivamente entre os cinco membros permanentes mais a Alemanha – e só depois dessa fase a discussão será aberta aos membros não permanentes, como Brasil, Turquia e Líbano, que mês que vem assumirá o assento rotativo do Conselho de Segurança.

O xis da questão 

Cada ator tem suas próprias razões para opor-se às sanções. Moscou – que já fornece ao Irão tecnologia de reatores nucleares, além de armas –, sabe que, mais cedo ou mais tarde Washington terá de aceitar o óbvio; que o Irão, produtor chave de energia, é uma potência regional natural. Para Pequim, o Irão é assunto de segurança nacional energética; mais sanções põem sob risco a estabilidade regional e caem na categoria de delírios-desejos da secretária de Estado Hillary Clinton.

Nova Delhi dificilmente não terá visto, até agora, que, no Afeganistão, Washington embarcou em aliança sem volta com Islamabad; a Índia, portanto, precisa de um Irão estável como contrapoder, para enfrentar a influência do Paquistão no Afeganistão, onde o Paquistão pode, outra vez, reengajar os Talibã. Brasília quer expandir os negócios com Teerão; e Lula, por sua vez, não abre mão da ideia de que mais sanções só farão abrir caminho para mais guerra, não para evitar guerras.

Os diplomatas, na mais recente reunião do BRIC, tocaram no xis da questão. Os líderes do BRIC – o poder atual, novo, multipolar que seriamente se tem dedicado em manter sob xeque as ambições de hegemonia dos EUA – avaliaram atenta e cuidadosamente todos os sinais complexos, desde a carta “secreta” do supremo do Pentágono Robert Gates a Obama, em janeiro passado, na qual passa em revista as opções militares “que continuam na mesa” contra o Irão, até ao discurso do almirante Mike Mullen, da Junta de Comando do Estado-Maior, na Columbia University, que disse que o ataque sempre seria sua “última escolha”. Avaliaram o nível de ansiedade de Washington. E concluíram que os EUA não atacarão o Irão.

Talvez estejam errados. Por trás de espessa cortina de espelhos e fumaça na mídia corporativa, há furiosa luta de gatos em curso em Washington, entre os ativistas do “espectro de plena dominação” – desde os militares ao pessoal do Instituto “American Enterprise”. Mas só discutem uma coisa: quando atacarão o Irão, mais cedo, ou mais tarde.

Entre os falcões está decidido que Washington jamais permitirá ao Irão “adquirir capacidade nuclear”. É o mesmo que falar de guerra preventiva. O “crime” do Irão, até aqui, teria sido já ter um programa de energia nuclear aprovado pelo Tratado de Não-proliferação e inspecionado como se ante o juiz do Juízo Final. 

Nesse cenário de ansiedade altíssima, não importa que o Líder Supremo do Irão, aiatolá Ali Khamenei, tenha recentemente pregado o total desarmamento global e repetido sua fatwa, contra, até, o uso de armas de destruição em massa. São haram (proibidas) nos termos da lei islâmica.

O Pentágono, via Gates, insiste na ofensiva – ameaçando o Irão com uma explícita “todas as alternativas continuam à mesa”, quer dizer, bomba atómica incluída; e Obama, em obra prima de duplifalar orwelliano, acrescentou que os EUA “manterão o seu [poder nuclear] de contenção”, como “incentivo” para Irão e Coreia do Norte. Incentivo ao suicídio, quem sabe? 

Assim sendo, o que acontecerá? 

O mês que vem, em New York, haverá nova revisão do Tratado de Não-proliferação. O governo Obama já começou a pressionar o Brasil para que aceite um protocolo adicional. O Brasil recusou.

Na essência, o Tratado de Não-proliferação é extremamente assimétrico. 

Nações que pertençam ao clube da bomba atómica recebem tratamento VIP, em relação aos demais. O protocolo adicional aumenta ainda mais essa discriminação – e dificulta até a pesquisa para finalidades pacíficas, nas nações não-nucleares.

O Brasil que – diferença crucial nesse contexto – ostenta tradição pacifista – defende o direito de qualquer país soberano adquirir “capacidade de tecnologia nuclear”. Foi onde o Irão subiu ao barco, conforme todas as evidências disponíveis. Assim sendo, o Brasil está em evidente rota de colisão com Washington, no que tenha a ver com o Tratado revisto de Não-proliferação. Para Brasília, seria submeter-se à interferência estrangeira.

Quanto às sanções, Washington precisa cair na real. Acreditar que o BRIC ou países da Ásia ou Europa deixarão de comprar gás e petróleo do Irão; que não venderão gasolina ao Irão, e que os bancos iranianos não encontrarão meios de continuar a operar na economia global (eles têm parceiros, por exemplo, nos Emirados Árabes Unidos e na Venezuela) é viver no País das Maravilhas.

As majors chinesas do petróleo já vendem gasolina diretamente ao Irão. Em 2012, o Irão terá dobrado a produção de gasolina, depois de expandir 10 refinarias, e está investindo cerca de 40 mil milhões na construção de sete novas refinarias. O Irá continuará no negócio dos produtos do petróleo – principalmente com as “satans” da Ásia Central. O que mostra, por exemplo, que pode importar gasolina contornando o sistema bancário internacional.

E, sobretudo, há o mercado negro. Jordânia e Turquia contrabandeiam rios de petróleo para fora do Iraque “sancionado” durante os anos 90. Com novas sanções sobre o Irão, será a vez de uma nova geração de iraquianos ganharem a sorte grande. Quanto à ditadura militar do mullariato em Teerão, os mullás adorarão consumir seus lucros de energia para reforçar seu escudo protetor.

Os líderes do BRIC – Lula entre eles – podem, sim, ter visto a estrada por trás da cortina de espelhos e fumaça. Bomba? Mas que bomba? Todos sabem que o Irão não pode fabricar uma bomba, por exemplo, em Natanz, não, com certeza, enquanto as instalações forem inspecionadas até ao esqueleto descarnado pela IAEA. Suponha-se que o Irão supera a Coreia do Norte, engana todos os inspetores, dá um chapéu no Tratado de Não-proliferação e decide fabricar uma bomba em local secreto. Precisariam de quantidades enormes de água e energia – e os satélites lá estão, para ver qualquer movimentação desse tipo.

Os líderes do BRIC já concluíram, isso sim, que Washington nada pode fazer quanto a o Irão adquirir “capacidade nuclear”, além de invadir o país, em edição conjunta das operações Tempestade no Deserto + Choque e Pavor, e provocar um banho de sangue para trocar de regime.

Nem rodadas e mais rodadas de sanções conseguirão excluir do Irão essas opções. Bombas “de precisão” israelenses, dos EUA ou híbridas, poderão, no máximo, atrasar um pouco o processo iraniano – e, isso, sem considerar as muitas possibilidades de retaliação. Tudo isso considerado, só há uma solução viável.

Washington tem de sentar-se à mesa com Teerão com o tal “punho aberto” realmente aberto e examinar todas as opções diplomáticas, à busca de um pacote abrangente de segurança para o Oriente Médio – pacote o qual, é claro, terá de incluir a total desnuclearização; quer dizer, fim, também, para as bombas atómicas “secretas” de Israel.

Difícil, só, saber se o governo Obama – acossado pelos falcões da guerra por todos os lados – sobreviverá a esse desafio.

* Pepe Escobar, jornalista, é correspondente no Brasil O Real News Network e colunista de Jornal Ásia Times Online.

Este texto foi publicado em


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Tradução de Caia Fittipaldi

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9 de mai. de 2010

Projeto de Goulart para Reforma Agrária ainda é o mais avançado

Nesta entrevista exclusiva concedida ao Página 64, o coordenador do Movimento dos Trabalhadores Rurais (MST), João Pedro Stédile faz um histórico da luta dos brasileiros em favor da reforma agrária, uma reforma democrática e republicana, anda não executada em todo a sua plenitude no Brasil e que até serviu de pretexto para a derrubada do Presidente constitucional João Goulart, em 1 de abril de 1964. Stédile, além de admitir que o projeto de reforma agrária idealizado por Celso Furtado no governo Goulart foi o mais adiantado apresentado até hoje e se tivesse sido colocado em prática transformaria o Brasi ltornando um país fortalecido com o desenvolvimento do mercado interno. O coordenador do MST analisa ainda o atual momento brasileiro e explica o papel que vem sendo desempenhado pelos meios de comunicação, alguns deles fortemente vinculados ao agronegócio, na questão fundiária. Stédile demonstra otimismo em relação ao Brasil pós-Lula, por entender que o país ingressará em um novo ciclo histórico de maior consciência das massas e de maior participação, o que ajudará na mobilização da sociedade no sentido de resolver os problemas históricos do povo.(Mário Augusto Jakobskind) 
 
Página 64 - Como anda o processo de reforma agrária no país? João Pedro Stédile; A expressão reforma agrária gera sempre diferentes interpretações. E cada uma quem interpreta com seu grau de informação. Muita gente no povão influenciado pela televisão confunde sempre reforma agrária com conflitos de terra. Reforma agrária é um programa de política pública que determinado governo, em nome da sociedade, atua para democratizar o acesso à terra a todos os cidadãos daquela sociedade. E assim, a terra que é um bem da natureza, é democratizada, e sua propriedade distribuída da melhor maneira possível entre os membros da sociedade. Portanto, reforma agrária é sinônimo de democratização, de desconcentração, de distribuição da propriedade da terra.
Infelizmente no Brasil nunca houve um processo verdadeiro de reforma agrária. Tanto é que os últimos dados do censo revelaram que hoje (dados de 2006) a concentração da propriedade da terra no Brasil é maior do que em 1920, quando recém saíamos da escravidão.
Para que os leitores tenham uma ideia, um por cento dos proprietários de terra controlam 46% de todas as terras. E apenas 15 mil fazendeiros que possuem áreas maiores que dois mil hectares, são donos de 98 milhões de hectares.
 
O Brasil continua sendo o país do mundo de maior concentração da propriedade da terra. E, por isso, continua a luta pela terra, continuam se multiplicando movimentos sociais em todo país, que lutam pela democratização da terra. E o
MST, modestamente procura fazer a sua parte, organizar os pobres do campo, para que tenham consciência dos seus direitos e lutem para que a terra seja dividida, como diz inclusive nossa Constituição.
 
P 64 - Nos últimos tempos o MST tem sido objeto de uma série de denúncias formuladas por ruralistas e com grande divulgação nos meios de comunicação. Como explica esta razzia? Você acha que esta ofensiva está enfraquecendo o movimento? O MST vem sendo então desacreditado daquilo que representou no início. Não seria hora de mostrar uma nova política de assentamento, deixando um pouco e lado o confronto pela razão política da necessidade da reforma agrária?

  Stédile: As elites brasileiras sempre combateram e procuraram impedir que os pobres do campo e da cidade se organizassem para lutar por seus direitos. Em cada período histórico eles adotam uma tática diferente ou complementar. Lembram-se o que eles faziam durante os 400 anos de escravidão? Os trabalhadores que ariscavam fugir eram sumariamente condenados a morte. Ou então, se pegos em tentativa de fuga, eram sistematicamente torturados, açoitados nos pelourinhos que ainda se encontram nas fazendas por esse mundão a fora.

No século vinte, eles se modernizaram e aí passaram a adotar a tática, de primeiro tentar cooptar as lideranças. Se isso não funcionar, aí eles tentam desmoralizar os movimentos inventando qualquer coisa. E se nada disso funcionar, então eles apelam de novo para a repressão, que pode ser judicial, com prisões, processos, ou pode mesmo ser física, com assassinatos e tentativas de assassinato. Vejam que todo ano são assassinados no campo ao redor de 40 trabalhadores, a mando de fazendeiros.
 
Então, o MST, nos seus 25 anos de vida, enfrentou todas essas situações. E a cada período histórico, vamos vendo como as elites vão aplicando esses métodos contra nós. Já tivemos muitos presos, processos, campanhas difamatórias na televisão, perseguição no legislativo. Vejam, durante o governo Lula eles temiam que a reforma agrária ganhasse ímpeto, de programa de governo, então, para inibir o governo e nos atacar criaram três Comissões Parlamentares de Inquérito contra nós. Não registro igual grau de tamanha perseguição na historia do legislativo brasileiro, em sete anos, três CPI Mista. E assim, também usam os instrumentos que eles têm maior hegemonia como o Poder Judiciário, onde transformaram o Gilmar Mendes, no porta voz do conservadorismo rural, que chegou a fazer convênio com a Cofederação Nacional de Agricultura (CNA). Ora, o Judiciário tem que estar acima das classes. Imaginem se algum tribunal fizesse convênio com MST? E o outro instrumento que eles estão usando é a mídia, pois aí têm controle absoluto.

Mas nada disso arrefece nossa vontade de lutar. Enquanto não houver reforma agrária verdadeira no Brasil continuarão existindo os pobres do campo, e eles lutarão sempre contra as injustiças e a opressão. As elites brasileiras são ignorantes e não se deram conta que o que provoca a luta é a injustiça.


P64 - O episódio da empresa Cutrale, mesmo sendo ao que tudo indica as terras da empresa subtraídas ilegalmente da União, não serviu para indispor o MST com a opinião pública?. Qual o papel da Rede Globo nesta história? È fato que a empresa midiática tem ramificações no mundo do agronegócio?

Stédile: Claro. O exemplo é emblemático. A Cutrale faz parte do oligopólio que tem controle absoluto do mercado de laranjas no Brasil, juntamente com outras duas empresas. Ela vende 80% do suco para o mercado externo, em associação com a Coca-Cola. A Cutrale invadiu uma fazenda de terras da União, que estão registradas em cartório e tudo. O Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) entrou com processo de despejo para reaver as terras. Nós então ocupamos aquela fazenda até para denunciar a grilagem da empresa. A reação da Globo foi patética, aliada com o serviço de inteligência da PM do governo José Serra, produziram imagens que repetiram insistentemente para criar uma ojeriza contra o MST.


Aí estão interesses econômicos, pois a Coca-Cola é um dos maiores anunciantes da Globo, interesses políticos, que interessava ao governo Serra nos desmoralizar para a opinião pública, e interesses ideológicos da classe dominante. Não é por nada que a empresa Globo é também associada a Associação Brasileira de Agronegócio. Interessante, né? Por que será que uma empresa de televisão é associada a uma entidade de classe do agronegócio? E lá na associação há apenas umas 30 empresas, a maioria transnacionais, como a Monsanto, Bungue, Cargill, a Cutrale, e a Globo. A Globo se transformou na zeladora dos interesses ideológicos do capital instalado no Brasil.

P64 - Ao longo da história brasileira, inclusive no império, já se falava de uma reforma no campo brasileiro. José Bonifácio, patriarca da independência, é um dos que se preocupou com a questão e falava sobre isso . Enfim, por que até hoje a reforma agrária, uma reforma presente na Revolução francesa, não se concretizou no Brasil?

Stédile: O Brasil perdeu várias oportunidades históricas de aplicar um programa de reforma agrária que pudesse democratizar a propriedade da terra e criar condições para o desenvolvimento de um modelo econômico mais justo e igualitário. Quando saímos da escravidão, ao contrário de outros países que fizeram a reforma agrária, como o caso dos Estados Unidos, em 1862, aqui, a elites fizeram a primeira lei de terras (n. 601 de 1850) para impedir que os trabalhadores escravizados pudessem ter acesso a terra, quando da sua libertação. Perdemos uma segunda oportunidade na República. A República é a consagração de instalação de direitos iguais para toda sociedade. Mas aqui nada se fez depois, na Revolução de 30. A maioria dos países industrializados combinou industrialização com distribuição de renda e reforma agrária, para criar mercado interno para os bens da indústria. Aqui, as elites organizadas não quiseram fazer reforma agrária, preferiram manter a grande propriedade latifundiária, produzindo para exportação, e usar os dólares e libras esterlinas das exportações para pagar as maquinas industriais importadas.


Quarta oportunidade foi quando esse modelo de industrialização entrou em crise, na década de 1960. E aí o governo Goulart apresentou como uma das saídas a reforma agrária. Foi derrubado.
Quinta oportunidade, com a redemocratização, Tancredo Neves tinha convidado o saudoso José Gomes da Silva, maior especialista da reforma agrária brasileira para ser presidente do Incra. Ele fez o primeiro plano de reforma agrária, que previa assentamento 1, 4 milhões de famílias, em quatro anos. Entregou o plano no dia 4 de outubro de 1985 e caiu oito dias depois.


E a sexta oportunidade perdemos agora com o governo Lula, que preferiu se aliar ao agronegócio, para manter a governabilidade, do que fazer reforma agrária, e adiou mais uma vez. No governo Lula, chegamos ao ridículo de termos o Roberto Rodrigues de ministro da Agricultura, quando ele tinha sido convidado para ser antes, ministro do Serra, e tinha feito campanha aberta em favor do Serra.

P64 - Você que acompanha os movimentos pela reforma agrária ao longo da história brasileira pode apontar qual dos projetos apresentados ao povo brasileiro até agora pode ser considerado o mais adiantado. E por quê?

Stédile: Bem, do ponto de vista histórico, acho que a grande oportunidade perdida, foi não termos entregado terras aos trabalhadores ex-escravos. Eles teriam mudado a forma da sociedade brasileira. Ate 1888, o Brasil e Estados Unidos se equivaliam em produção e economia. Qual é a causa do salto dos Estados Unidos, que se transformaram em potência mundial? Fizeram uma reforma agrária radical, que impôs o limite máximo da propriedade em 160 acres e distribuíram terras para todos.


E do ponto de vista de elaboração política e teórica, o melhor projeto que foi feito e que perdemos a oportunidade, foi o projeto preparado pela equipe do Celso Furtado, que era um sábio e nordestino, conhecia muito bem os problemas da concentração da terra como causa da pobreza. E ele preparou um projeto, durante o governo Goulart, que para sua época e até hoje, teria revolucionado o campo e a sociedade brasileira. Ele recuperou as ideias da Cepal (Comissão Econômica para a América Latina e Caribe), de implementar políticas de distribuição de renda, para gerar mercado interno para a industrial nacional, e assim faríamos uma industrialização voltada para as massas brasileiras. E nisso a reforma agrária teria um peso fundamental, pois 75% da população vivia no campo, pobres, sem renda. Com essa concepção para um novo projeto de desenvolvimento nacional, sua proposta de reforma agrária, estabelecia a propriedade máxima ate 500 hectares. Todas as fazendas acima disso seriam desapropriadas. Mas não em todo pais, apenas ao longo dos 10 quilômetros cada lado das rodovias federais. Assim, ele imaginava que os camponeses teriam mais condições de acesso fácil para escoar seus produtos ao mercado consumidor das cidades. E no sentido inverso seria mais fácil levar luz elétrica a todos os assentamentos e atrás da luz elétrica, a geladeira, a televisão, e os bens da indústria nacional.


O projeto foi apresentado ao povo dia 13 de março de 1964. Foi encaminhado ao Congresso na mesma semana. Lá teve escolhido como relator do projeto do governo um jovem deputado da esquerda cristã, Plínio de Arruda Sampaio. O resto da história vocês já conhecem. Dia 1 de abril de 1964, as elites derrubaram o governo Goulart. E Celso Furtado, Plínio, Presidente Goulart, Prestes, Brizola, tiveram que amargar o exílio, e muitos outros pagaram com a vida, ou longos anos de cadeia.

P64 - E hoje, vale a pena desapropriar através do Incra enormes áreas rurais na Amazônia, Mato Grosso, Rondônia (uma vez que só nestes estados se encontram áreas improdutivas passíveis de desapropriação), colocando lá um imenso contingente de pessoas, muitas vezes desempregados urbanos, sem assistência técnica, sem escoamento, sem insumos e sem mercado? Não seria mais lógico desapropriar nas estradas (Rio-São Paulo, digamos) menos área com tecnologia aplicada? Por exemplo, um pivô de 80 hectares, daria para colocar meia. Há por família, somando assim 160 famílias numa agrovila e produzindo 360 dias ao ano verduras e alimentos para duas grandes capitais? E na beira dos açudes federais? Enormes volumes de água, muitas vezes somente produzindo energia elétrica sem produção alimentar nas suas margens. Como levar a extensão agrária a estas enormes áreas improdutivas, sem condições técnicas favoráveis ao desenvolvimento da produção?

Stédile: No Brasil, nós temos atualmente um programa de reforma agrária. Nós temos uma política de assentamentos, para resolver conflitos sociais, ou simplesmente para distribuir terras públicas, já ocupadas pelos camponeses na Amazônia.


Não podemos chamar a política do governo Lula, de reforma agrária. Reforma agrária, repito, é quando a ação do governo consegue democratizar a distribuição das terras, e impedir a concentração. O que está acontecendo é o contrario. Os assentamentos são apenas conquistas de camponeses teimosos, que lutam, e aí se geram conflitos e aí o governo atua como apagador de incêndio, e ainda, em geral, nas desapropriações, os fazendeiros recebem indenizações milionárias, que vão aplicar em outras regiões.

 
Nós precisamos é construir, debater, com todos os movimentos e forças sociais e políticas do país, um novo formato de reforma agrária, que leve em contas as características regionais, que combine distribuição de terras com agroindústrias cooperativadas. Que mude as técnicas agrícolas, do uso intensivo de agrotóxicos, que envenenam os alimentos, para técnicas de agro ecológicas.E que sobretudo levem a escola para o meio rural, como era o sonho de Celso Furtado, Darci Ribeiro e Leonel Brizola.

 
Hoje as prefeituras recebem subsídios federais para tirar as crianças e adolescentes do meio rural e trazer para as escolas da cidade, gastando horas, dinheiro e desperdício no trajeto. Além do absurdo que é trazer jovens do campo para outro meio.

P64 - A criação de selos verdes de assentamentos, avisando desta maneira ao público consumidor que o produto provém de assentamento e por isso com qualidade menor, não é uma forma de exclusão produtiva? Vamos comprar dos coitadinhos que ainda não aprenderam a produzir?

Stédile: Nós temos um enorme mercado interno consumidor de alimentos. É uma pena que os fazendeiros e a elite não percebam isso. O maior comprador de alimentos brasileiros, não é o mercado externo, são os brasileiros. Que se alimentam mal, não têm acesso à comida etc.

Os fazendeiros continuam iludidos em vender matérias primas para o exterior, que quem vai ganhar é a Bungue, a Monsanto etc.

 
Então, para que os camponeses tenham acesso ao mercado interno, podemos desenvolver várias políticas. Já disse que precisamos organizar as cooperativas para agroindústrias, em pequena escala, a ser instaladas em todas as comunidades rurais. E potencializar a Conab, como a grande empresa estatal, de abastecimento, que garante de um lado a compra de todos os produtos dos camponeses e, por outro lado, distribui esses alimentos para a população das cidades, em especial os segmentos mais pobres.

P64 - A grande maioria dos assentados no Brasil que tiveram acesso ao Pronaf A, B ou C nunca pagaram nem dez por cento da parcela de investimento, sem falar é claro do custeio, pois não existe produção compatível com o mercado de consumo. É assim que deve prosseguir a política de desapropriação e assentamento?

Stédile: A política de financiamento, de crédito rural, é apenas secundária, subsidiária de uma política agrícola mais ampla. A política agrícola mais ampla do Estado, de um governo deve estar centrada na garantia de preços e renda aos agricultores. Com preço e renda todo mundo planta, e há garantia de compra desse produto. Daí a importância da CONAB. Por outro lado, devemos ter uma política de assistência técnica, para fomentar novas técnicas agrícolas, da agroecologia, sem venenos, e uma política de seguro agrícola, que garanta a todos agricultores que não perderão sua safra, ou seja, seu trabalho.


Bem, o credito é apenas um adiantamento para comprar bens a prazo da indústria. Ele é necessário, mas não é o principal. E por isso que dos quatro milhões de pequenos agricultores, apenas um milhão vai buscar o Pronaf (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar). Está sobrando dinheiro do Pronaf. Porque o pequeno agricultor sabe que não adianta pegar dinheiro emprestado, se ele não tem para quem vender a produção ou os preços são injustos.

E os pequenos agricultores que pegam dinheiro do banco, aí ficam martirizados, não dormem, pois sabem que tem que pagar de qualquer maneira, se não, vão perder a terra. Por isso que o grau de inadimplência dos pequenos é no mínimo menos de 10%. Já entre os grandes fazendeiros, a inadimplência chega a mais de 50%, pois eles fazem justamente isso, desviam os investimentos para outras oportunidades e depois negam a conta, e o governo, por pressões políticas, não executa.


Se o governo recolhesse em terras os bilhões de reais que os grandes proprietários, acima de mil hectares devem para o Banco do Brasil, nós poderíamos só aí fazer a maior reforma agrária do mundo. Nos próximos governos é preciso rever a política de financiamento público.


P64 - No caso de Jango, pouco mais de duas semanas depois do anúncio do encaminhamento da reforma agrária, o Presidente foi derrubado por um golpe de Estado apoiado pelo Departamento de Estado norte-americano. Segundo muitos analistas, um dos motivos da quebra da ordem constitucional foi exatamente a reforma agrária. Como você acha que os nossos governantes poderão finalmente realizar uma reforma agrária que favoreça de fato a agricultura familiar, consequentemente a maioria da população brasileira?

Stédile: A reforma agrária é uma bandeira republicana, democrática. Não é socialista. Socialismo é quando uma sociedade estabelece que não haverá mais propriedade privada desse bem da natureza. Não estamos falando disso, estamos defendendo a idéia de que todos os brasileiros tenham os mesmos direitos. De ter trabalho, renda, escola, e terra.


No Brasil está sendo difícil aplicar um direito democrático e republicano, precisamente porque existe uma pequena minoria das elites, aliadas com os políticos, com as empresas de comunicação, com as empresas transnacionais, que concentram maior parte das terras, e, portanto, concentram terra, poder econômico, poder midiático ativo e poder político.

A classe dos proprietários de terra está misturada com outros setores. Daí a dificuldade, e por isso que também derrubaram o Presidente Goulart, e não deixaram o Lula fazer reforma agrária.


P64 - Hoje há um conflito entre a agricultura familiar e o agronegócio. Quais os interesses que estão em jogo? E onde entram as empresas multinacionais neste tópico?

Stédile: O Brasil vive hoje a disputa entre dois grandes projetos de agricultura. De um lado a agricultura voltada para o mercado externo, produtora apenas de matéria prima, sem nenhum valor agregado. Produzida na forma de monocultivo, que destrói o equilíbrio do meio ambiente, com alto uso de agrotóxicos. O Brasil se transformou no maior consumidor mundial de venenos agrícolas. Que expulsa a mão de obra do campo, pois prefere usar máquinas agrícolas de forma intensiva. E agride o meio ambiente, em todos os sentidos. Além de usar sementes transgênicas, que não dão nenhuma segurança para a saúde pública, e causa desequilíbrio ambiental, pois os transgênicos não podem conviver com os produtos naturais, eles contaminam a todos. E esse modelo está aliado com as empresas transnacionais, que fornecem os venenos, as maquinas, os insumos, e controlam o mercado mundial e os preços. Esse é o modelo do agronegócio. E de outro lado temos o modelo da agricultura familiar e ou camponesa.


Nesse modelo, priorizamos uma agricultura diversificada, que produzem diversos produtos numa mesma área. Em pequenas e médias escalas. Combinando com agroindústria cooperativa e produzindo para o mercado interno. Esse tipo de agricultura usa muita mão de obra, fixa o homem no campo, defende nossos hábitos alimentares e cultura. E desenvolve o país.


Quando um pequeno e médio agricultor ganha dinheiro ele aplica no seu município. Quando um fazendeiro ganha dinheiro ele aplica em apartamento na grande cidade. Muito sintomático que Goiânia, capital dos fazendeiros do centro-oeste, tenha sido indicada pela ONU, como a cidade de maior desigualdade de renda do Brasil.


A agricultura familiar em pequena e média escala é a única capaz de produzir alimentos sadios. Portanto, é uma questão de sobrevivência da sociedade brasileira. A cidade é que tem que decidir, se vai continuar comendo porcarias, que vão virar câncer, apenas para dar lucro aos fazendeiros e a Bungue, Cargill, Nestlé etc, ou vai querer uma agricultura mais justa socialmente e equilibrada ambientalmente?


P64 - Quais as diferenças nos dias atuais da luta pela reforma agrária em relação a outros períodos?

Stédile: Agora a luta pela reforma agrária está mais dura, justamente porque há uma grande aliança entre os grandes fazendeiros, com a mídia e as empresas transnacionais. Então eles têm muito poder econômico e político.


Mas eles são cada vez em menor número de gente. Mesmo a Cutrale, para virar oligopólio da laranja com apenas outras duas empresas, tiveram que destruir milhares de pequenos e médios produtores de laranja de São Paulo.
Essas contradições vão se acumulando e um dia se voltarão contra eles.

P64 - A partir de quando você se tornou um batalhador pela reforma agrária?

Stédile: Bem, de forma consciente estou envolvido nessas batalhas, mais ou menos desde 1975, quando comecei a militância, na minha região, ajudando o sindicato de trabalhadores rurais a organizar os produtores de uva, a lutarem contra as empresas que os exploravam.


P64 - Você esperava mais do atual governo ou acha que ele está fazendo o possível pelo avanço das questões sociais?

Stédile: Todo governo é fruto de uma correlação de forças sociais e políticas existente na sociedade. Claro que se olharmos para os programas que o PT defendia, o governo Lula, não cumpriu o programa do PT.


Mas por outro lado seria idealismo, apenas esperar as mudanças de uma pessoa, de um governo. O que faz mudanças na sociedade é a capacidade do povo se organizar e lutar por seus interesses históricos.


E, infelizmente, vivemos ainda um período histórico de descenso do movimento de massas, de apatia das lutas, e, portanto, o governo Lula, esteve envolto por essa correlação de forças desfavoráveis em que a burguesia aliada com o capital internacional continua dando as cartas na luta política brasileira.

P64 - O Brasil está iniciando uma nova campanha presidencial, desta vez pela sucessão do Presidente Lula. De que forma o MST pretende se posicionar nesta campanha que escolherá a 3 de outubro o próximo presidente brasileiro?

Stédile: O MST como movimento social, nunca se posiciona, em nenhuma eleição, por este ou aquele candidato. Embora, claro, é obrigação dos militantes, como cidadãos, analisarem as propostas e tomarem uma decisão progressista. Ou seja, a maioria de nossa militância sempre vota em candidatos comprometidos com a reforma agrária e com mudanças, seja a nível municipal, estadual ou nacional.


Agora, nessas eleições o que tenho percebido da militância do MST, e dos movimentos sociais brasileiros em geral, é que haverá uma forte propensão a votar e fazer campanha contra o Serra. Ninguém quer a volta do neoliberalismo, e tudo o que isso representa como proposta de modelo econômico e de gestão do Estado.

P64 - Como você vislumbra o Brasil pós-Lula?

Stédile; Sou otimista. Acho que entraremos em novo ciclo histórico de maior consciência das massas, de maior participação, que levará ao povo de forma organizada ter que discutir debater e se mobilizar por mudanças estruturais na sociedade brasileira, para podermos resolver de forma histórica, e não apenas com medidas de compensação social, os problemas históricos do povo brasileiro.


Nós temos graves problemas na sociedade brasileira. O problema da concentração de riqueza e renda. O problema da falta de trabalho e emprego para quase 50% da população economicamente ativa. Temos o problema da educação concentrado na existência de 16 milhões de analfabetos na parte de baixo, e na existência de apenas 10% dos jovens que tem acesso a universidade. Temos o problemas do de déficit de 10 milhões de moradias..Temos a concentração da propriedade da terra, que comentamos nas demais questões .e temos a concentração do poder da mídia, em três ou quatro grupos econômicos. Temos o problema político do Legislativo e do Judiciário, que não representam os interesses das maiorias. As eleições não são democráticas. E para isso precisamos de uma reforma política de fundo.


Esses problemas não se resolvem com medidas compensatórias. Se resolvem com um novo modelo econômico e com mudanças estruturais na forma da sociedade funcionar. E com uma grande reforma política.


Mas tudo isso, repito, só acontecerá quando o povo se organizar e voltar a fazer grandes mobilizações de massa, ou seja, recupere a iniciativa política, e construa o reascenso do movimento de massas.
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