23 de jul. de 2007

O modelo educacional brasileiro

Waldyr Kopezky

É um absurdo dizer que a educação pública brasileira melhorou! A maior causa disso - diga-se de passagem - foi responsabilidade do governo federal nos anos 90, que (independente do que foi escrito na contituição de 1988, e que era meritório) seguiu as determinações da UNESCO para continuar recebendo ajuda internacional para incremento das políticas públicas na área educacional. Explico: em 1994 (se não me falha a memória), encerrava-se um ciclo de transferência de dinheiro (ajuda internacional da ONU) para os países em desenvolvimento - incluído aí o Brasil - que visava alavancar o número de crianças nas escolas e reduzir de forma significativa o analfabetismo no terceiro mundo.

Neste ano, a última remessa seria enviada, condicionando-se o prosseguimento do fluxo financeiro à apresentação de estatísticas que comprovassem os resultados: redução da repetência e aumento da inclusão nas escolas. FHC e Mário Covas (este, num dos únicos momentos em que devia se envergonhar de sua atuação política - o outro seria na defesa intransigente da manutenção do controle da Cia. das Docas sobre os portos brasileiros, seu reduto eleitoral por excelência) buscaram, então, uma solução genial: implantaram um sistema de ensino consagrado, de um educador renomado (Paulo Freire) e criaram a "progressão continuada", sistema pedagógico que buscaria novas formas construtivistas de avaliar o aprendizado do aluno.

Beleza. Só que isso significava aprovar o aluno sem avaliá-lo (via exames), o que tornava subjetivo o processo. Pior: estimulava-se a todo o sistema de ensino (mediante um sistema de metas) a incrementar a aprovação ano-a-ano. Não se pensou na qualificação do professorado para implantar tal sistema pedagógico, não se adequou as escolas com equipamentos para tal e o resultado, hoje, é claro: uma população de formandos semi-alfabetizados, gente que mal sabe ler ou escrever.

8 de jul. de 2007

O APAGÃO DA EDUCAÇÃO.

O apagão anunciado de professores

Faltam docentes na rede pública. E o cenário não é dos mais atraentes para quem chega

Mônica Manir

Lisete Arelaro é do tempo em que professor trabalhava 18 horas semanais na rede pública, levava a pós-graduação no paralelo, pedia a companhia do aluno para sair da escola, ia ao cinema e ao teatro e tinha um fusquinha último tipo. Mas também é da época das vacas magérrimas, com o educador ganhando miséria de reais, acuado em salas protegidas por grades de ferro, pedindo licença médica a torto e a direito e assinando ponto em duas ou mais escolas. Ou em nenhuma. Nesta semana, dados do relatório 'Escassez de Professores no Ensino Médio: Soluções Estruturais e Emergenciais', elaborado por membros do Conselho Nacional de Educação, revelaram que as escolas públicas brasileiras sofrem um déficit de 246 mil docentes no ensino médio. Faltam, principalmente, docentes graduados em Física, Química e Matemática.

Um apagão inusitado de professores? 'É cínico dizer que essa situação é surpreendente', afirma Lisete, para quem a questão já caducava de madura havia pelo menos dez anos, desde que passou a prevalecer à lógica de um corte radical de gordura no funcionalismo público. Chefe do departamento de Administração Escolar e Economia da Educação, na Faculdade de Educação da USP, ela soma a essa lipoaspiração de vagas outros fatores como formação deficiente, jornadas astronômicas, excesso de tarefas burocráticas, salários defasados e ausência da comunidade na escola para explicar a situação capenga do professorado no País. Diante de outra triste notícia na área - os milhões desviados por certas ONGs que se comprometeram com alfabetização de adultos e jovens -, aponta o olhar crítico para as políticas públicas. 'É o Estado novamente repassando o problema, em vez de abraçá-lo como deve ser.' A seguir, ela esboça pontos da areia movediça em que se vêem os professores no Brasil.

CORTE NA DIAGONAL

Nos últimos anos, vigora a concepção neoliberal de que é necessário reduzir gastos a qualquer custo. Baseado no diagnóstico em parte real de que há gordura no serviço público, radicaliza-se. Vai-se tirando as pessoas do sistema até chegar ao caos. Além disso, ao falar de educação básica, somos a maioria mulheres. Somos nós que engravidamos e temos direito à licença-maternidade. Somos nós que normalmente cuidamos dos filhos, da mãe, do pai quando adoecem. Somos nós que estamos ficando doentes. Portanto, seria de bom senso que houvesse outro profissional que correspondesse ao professor-adjunto na rede municipal. Nos dados de que dispomos sobre a prefeitura de São Paulo, para mencionar uma prefeitura rica, não há mais professor-adjunto livre. Todos estão com classe.

AFLIÇÃO DOS MUNICÍPIOS

Houve um processo intenso de municipalização do ensino fundamental no Brasil. O que a Lei de Responsabilidade Fiscal coloca para os municípios? Que não podem ultrapassar 60% da folha com pessoal. Mas ainda existem 66 milhões de brasileiros sem ensino fundamental completo. Em muitos municípios de porte médio, vemos a aflição de prefeitos e secretários de Educação ao ouvir do secretário de Finanças que não dá para gastar mais porque o Tribunal de Contas vai pegar no pé. Temos que mexer um pouco aí. Tanto a saúde quanto a educação são áreas sociais claramente deficitárias, cuja privatização não resolve, porque os pobres não são lembrados por ela. É hora de reavaliar a Lei de Responsabilidade Fiscal e priorizar a educação nos próximos anos. Não no discurso. No discurso faz 50 anos que é prioritária.

ADEUS, ESTABILIDADE.

Um dos atrativos para ser funcionário público era a estabilidade. Ele dificilmente seria mandado embora. Em segundo lugar, o funcionário se aposentava com salário integral. Pequeno, mas integral. Isso não existe mais. A emenda constitucional de 1998 mudou isso. Depois veio a primeira reforma do governo Lula, que mexeu na aposentadoria. Isso talvez explique a média de idade alta do professorado no País: 37,8 anos. Historicamente, nessa faixa etária, ele estaria próximo da aposentadoria. O desejo de segurança terminou, até porque é moda dizer que, quanto mais instável você for, mais produz. É uma teoria maluca, que vai nos deixar todos enlouquecidos. Só serve para criar a competição entre as pessoas, não a solidariedade.

PISO DE R$ 850,00

Todo dia tem pesquisa dizendo o seguinte: 1. os professores são mal formados; 2. não sabem nada; 3. não adianta dar curso; 4. não mudam a forma de trabalhar. Nessa situação, mesmo o mais jovem não vai querer melhorar o Brasil. Para coroar tudo isso, há o desestímulo financeiro. Aumenta de ponta a ponta no País o número de alunos em sala de aula, mas se mantém o mesmo professor precário, com o salário congelado. Veja a discussão sobre o piso. Se for para falar em R$ 850,00 para 40 horas de trabalho, como em princípio está previsto no projeto de lei que o governo se comprometeu a mandar em agosto para o Congresso, dá desânimo. É possível ganhar mais fazendo qualquer outra coisa. E somos profissionais que precisam do trabalho oculto, ou seja, é necessário preparar a aula, corrigir trabalho. Isso não está previsto no número de aulas.

60 HORAS SEMANAIS

A cada dia, segmentos mais pobres da população ingressam no mercado de trabalho na condição de professor. Cerca de 49,5% dos professores têm pais com ensino fundamental incompleto. Desses, 15,2% têm pais sem nenhuma instrução. Quando ingressei no magistério, em 1968, éramos majoritariamente representantes da classe média e nosso salário era significativamente maior. Fora isso, 32,5% contribuem com 80% ou mais da renda familiar. Ou seja, ganhando o que ganham, as mulheres são cabeça de família. Assim sendo, não podem trabalhar num só lugar e sob regime de 4 horas, mas chegam a 60 horas semanais para ganhar R$ 2.500, R$ 3.000. Não é uma situação tranqüila.

FORMAÇÃO LIGEIRA

Hoje temos empresas formando professores. Empresas seguem a lógica do lucro. Portanto, existe um aligeiramento e uma desqualificação teórica e prática da formação. Ela foi reduzida de quatro para três anos, depois de três para dois. É comum que o aluno já venha dando aula, pois o professor normalista de ensino médio existe no Brasil. Então, quando ele vai para o ensino superior, sua prática, que deveria ser fruto de debates e discussões, vira um privilégio para fazer o curso com maior rapidez. Uma coisa é ser dispensado e completar um estágio docente. Outra é dispensá-lo não de 300, mas de 1.200 horas, como diplomação imediata. Isso não significa que ele, necessariamente, será um mau professor se não fez um bom curso superior. Mas daí para frente o Estado vai ter que investir para compensar suas deficiências.

LEU ALGUM LIVRO?

Costumo perguntar a esses professores sobre os livros inteiros que leram durante o curso. Antes, perguntava quantos foram. Hoje, para ser mais pragmática, pergunto qual. E, muitas vezes, não tenho resposta. Por quê? Porque ele leu uma apostila. Quando pergunto em que baseia sua convicção pedagógica, ele se diz socioconstrutivista. Em educação, dizer-se socioconstrutivista é o mesmo que se dizer brasileiro. Se não afirmar isso, vão dizer que está superado. Ser socioconstrutivista implicaria ler Vygotsky, Wallon, Paulo Freire, novas leituras sobre Piaget. O que leram? Resumos em apostilas. Os professores vêm perdendo a condição principal do exercício docente que é autonomia intelectual para poder escolher, entre as alternativas, aquela que seja a melhor para os alunos.

FÍSICA PARA POUCOS

Os professores de Física são poucos porque, em primeiro lugar, esse é um dos cursos superiores com maior taxa de evasão. Exige alto investimento pessoal e intelectual. Os que, enfim, se formam não querem ser professores. Querem ser pesquisadores. Uma bolsa de mestrado corresponde ao mesmo salário que ganharia como professor. Ele se especializa e, obviamente, tem mercado como físico. As empresas privadas também não fecham essa lacuna porque apostam que um professor de Ciências possa se aprofundar em Física nesses cursos aligeirados. Não vão investir a curto ou médio prazo em formar, de fato, professores de Física, Química ou mesmo Biologia.

ENSINO DISTANTE DEMAIS

A não ser em casos excepcionais, acho um equívoco imaginar que o ensino a distância vai fazer com que todos tenham uma chance. É um discurso populista e demagógico. Uma coisa é estabelecer um "Chat" com os alunos que me encontram. Outra é a grande palestra. Pode-se usar a tecnologia a favor do grupo, mas acho que as experiências feitas por aí confirmam que não há toda essa eficácia. Entendo que o tête-à-tête promove uma amorosidade nas relações. No ensino a distância, você tem um animador cultural, em geral um pedagogo, que discute todas as questões. Eu tive 11, 12 professores que pensavam diferentemente entre si e dessa divergência de opção teórica é que construí a minha, e não de um monitor.

PROGRAMAS IDÊNTICOS

Quando observo 200 escolas usando programas de ensino absolutamente idênticos, me apavoro. Não é possível um sistema em que o professor fale e o aluno responda da mesma maneira no Amapá, em Minas ou no Rio Grande do Sul. Esse caminhar em nome de uma suposta competência para uma formação básica comum dos brasileiros é blábláblá. Caminha-se, isso sim, para um currículo único dando um padrão de classe média disciplinado, obediente, dentro de uma lógica para o conjunto da população brasileira. É engano achar que isso significa qualidade de ensino e melhoria dos resultados no Saeb, Provinha Brasil, esse número infernal de provas. Infelizmente, falamos muito em multiculturalismo, mas no fundo há uma expectativa do professor de que seu grupo de alunos reaja da mesma maneira. Apesar de termos mais pobres dando aula, não quer dizer solidariedade àquele que também é pobre. Se o professor conseguiu chegar aonde chegou, acha que o outro é culpado por não ter o mesmo. Essa discussão me preocupa quando penso nas escolas de periferia. Não tenho dúvida: a violência vai pegar. Esse material pronto não tem a ver com os nossos alunos. Tenho medo disso.

ATRÁS DAS GRADES

Com essa jornada astronômica de trabalho, muitas vezes em escolas diferentes, e com tarefas cada vez mais burocráticas, os professores se distanciaram da comunidade. Não conhecem seus alunos, não criam laços de solidariedade com eles. Isso faz com que exista um tratamento ainda latente, mas que vem se firmando, de que a violência está premente em todos os lugares, que esses alunos com baixa estima são todos perigosos. Os professores estão assustados. Mas é verdade que também têm comportamentos distintos durante a jornada. De manhã, suportam com certo bom humor piadinhas às vezes pesadas. À tarde, se enfezam. À noite, o aluno nem manifestou seu pensamento e o professor o chama de delinqüente. Em algumas escolas públicas de ensino médio, o ambiente também não ajuda. Parecem cadeias de tanta grade. Não se distingue muito aquilo de uma Febem.

'EU PAGO VOCÊ'

O assédio moral é mais freqüente nas escolas privadas que atendem a segmentos da classe média alta. Certos alunos dizem: 'Meu pai é quem te paga e você não pode falar comigo assim'. Ou então, o que é mais cínico: 'Eu te pago e você tem que responder como eu quero, eu defino se você continua ou não nessa escola'. Temos visto isso em algumas escolas de forma surpreendente. Como o salário compensa, parte dos professores ouve isso sem reclamar. E eu arriscaria dizer que depois desconta na escola pública em que também trabalha. Já o pai pobre não entra na escola, a não ser conjunturalmente para uma festa junina, por exemplo. Primeiro porque nós, professores, achamos que quem sabe das coisas somos nós. Apostamos que, se os pais não participarem, melhor. O pai só vai à escola ouvir o quanto o filho dele é delinqüente, o quanto prejudica a aula. Mas ele não considera o filho tão terrível assim porque, muitas vezes, o garoto ajuda em casa. O pai tem de ser chamado para além do próprio filho, saber o que aquela escola tem a ver com o bairro dele, o que tem a aprender.

PROFESSOR NÃO MENTE

Nos últimos 20 anos, a profissão de professor se manteve como a mais confiável entre a população brasileira. A comunidade entende que professor não mente. Posso levar a tese mais esquisita possível para a sala de aula, mas é porque acredito nisso. Se mudar de opinião, peço desculpas pelo equívoco. Essa nossa legitimidade é um campo a nosso favor. Temos que reivindicar uma melhor formação, o trabalho tem de ser um pouco mais digno, mais estimulante. Não vou dizer que vai ser mágico, que alguém vá dobrar salário, mas tem que pensar em como se recupera a atração pela profissão exatamente pelo respeito que ela significa. E não tem jeito: nós, professores, vamos ter de fazer uma revisão sobre o que interessa à juventude hoje, o que quer dizer o conhecimento significativo. Eu acho que nem sempre estamos preparados para enfrentar isso. Nossa juventude não tem um sonho, uma utopia, acha que não terá emprego. Num país sem sonho, sem utopia, é muito difícil a escola sobreviver.

Mônica Manir

4 de jul. de 2007

ANÁLISE DA NOTÍCIA

Uma imagem que vale por mil palavras

O jornal gaúcho Zero Hora publicou uma matéria falando sobre a ameaça de cassação do mandato do governador da Paraíba, Cássio Cunha Lima (PSDB). Curiosamente, na foto que ilustra a matéria, quem aparece em destaque é....o presidente Lula.

Marco Aurélio Weissheimer - Carta Maior

Os editores dos grandes veículos de comunicação acreditam piamente – ou dizem acreditar – que praticam um jornalismo isento, objetivo e imparcial. Rebatem energicamente qualquer crítica sobre seu trabalho, procurando jogar no colo de quem faz a crítica a “ameaça à liberdade de imprensa”. Quando são surpreendidos em delito, quando a hipocrisia se revela concretamente, silenciam e apostam na pouca repercussão das vozes que apontam a nudez do rei. Um exemplo disso ocorreu neste domingo (1°), na edição do jornal Zero Hora, de Porto Alegre. O jornal do grupo RBS publicou uma matéria sobre ameaça de cassação que paira sobre o governador da Paraíba, o tucano Cássio Cunha Lima, acusado de distribuir cheques na campanha eleitoral de 2006. O detalhe curioso é que a foto que ilustra a matéria traz em primeiro plano....o presidente Luiz Inácio Lula da Silva!

O texto da matéria não faz nenhuma referência ao presidente da República e fala da crise institucional gerada na Paraíba a partir da decisão do Ministério Público daquele Estado, pedindo a cassação de Cássio Cunha Lima (PSDB). Como explicar então a imagem em primeiro plano de Lula ilustrando a matéria? Difícil, para ser generoso, encontrar um critério editorial para entender a decisão. Olhando para a edição do jornal em seu conjunto talvez surja uma explicação. Duas páginas após a matéria envolvendo governador tucano, um artigo de meia página do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso adverte para “a sensação de impotência diante de tanto descalabro” no país. “A indignação com a corrupção advém de sua impunidade”, filosofa FHC, que não chega a mencionar o caso de seu correligionário ameaçado de ter o mandato cassado na Paraíba.

Ainda na mesma edição, uma matéria de duas páginas destaca “a Fantástica Fábrica de Sucessos de Aécio Neves”. O texto derrama-se em elogios à gestão tucana de Aécio em Minas Gerais, dizendo que ela “projeta o governador para 2010”. A “terra do choque de gestão” é apresentada como modelo para o Brasil. Como se fosse um jogo de armar, logo antes dessa matéria, outras duas páginas são dedicadas à crise financeira no Rio Grande do Sul, perguntando pelo melhor caminho para a sua superação. O leitor vira a página e dá de cara com a “Fantástica Fábrica de Sucessos de Aécio Neves”. Vira mais duas páginas e lê a matéria do governador da Paraíba com a foto de Lula em destaque. Mais duas e o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso dá suas receitas para superar a crise moral do país. Tudo isso em uma mesma edição.

O diretor de Redação de ZH, Marcelo Rech, expõe, também na edição dominical, a sua visão sobre o que é o bom jornalismo e a liberdade de imprensa: “Cabe à imprensa assegurar os espaços para todos os lados e não se intimidar. À opinião pública, cabe avaliar as diferentes informações e opiniões, e delas extrair suas conclusões”. Seguindo a regra sugerida por Rech, qual a conclusão que deve ser extraída a respeito de um jornal que, entre outras coisas, publica uma matéria negativa sobre um governador do PSDB com a foto de um petista em destaque (petista que, por acaso – ou não –, é o presidente da República)? E que cerca essa matéria com várias páginas exaltando as idéias do ex-presidente e do modo tucano de governar. Onde está mesmo o “espaço para todos os lados”? Onde estão as “diferentes informações e opiniões” que constituiriam a máxima do bom jornalismo?

Considerando o princípio da liberdade de expressão, um veículo de comunicação tem o direito de publicar textos, sons e imagens que julgar apropriados para seus propósitos. O problema é quando os propósitos são “soterrados por mantos de silêncio”, para usar uma expressão do diretor de redação de ZH, ao defender a liberdade de expressão. Ele escreve: “O direito de espernear e criticar, inclusive a imprensa, é legítimo. Essa é uma das maravilhas da liberdade de expressão. É a mesma liberdade, aliás, que tanto irrita autoridades dos três poderes que gostariam de ver informações, opiniões e debates soterrados sob mantos de silêncio”. Outra “maravilha da liberdade de expressão” não é mencionada por Rech: a de manter um mínimo de coerência nas escolhas editoriais. Publicar um texto com uma denúncia envolvendo um líder político de um partido X, com uma foto onde o destaque é um líder do partido adversário de X não parece ser exatamente uma “maravilha de escolha”.

Maravilha seria o editor de ZH explicar aos leitores por que decidiu destacar a imagem de Lula em uma matéria onde o envolvido em denúncias é um governador do PSDB. Maravilha seria explicar aos leitores quais são os critérios editoriais adotados na definição de textos e fotos. Maravilha seria assumir explicitamente qual o ideário político defendido pelo jornal, ao invés de fazer uma hipócrita apologia da isenção. Alguns dos maiores jornais do mundo fazem isso há muitos anos, o que garante ao leitor um mínimo de transparência acerca do lugar a partir do qual o jornal em questão está falando.O caso em questão, onde a imagem de Lula na matéria sobre Cássio Cunha Lima vale por mil palavras, revela, na verdade, dois problemas que ultrapassam o tema da falta de transparência: falta de seriedade e sensação de impunidade. Em nome das “maravilhas da liberdade de expressão”, tudo é permitido, mesmo publicar uma denúncia contra Pedro e publicar em destaque uma foto de João

2 de jul. de 2007

A TEORIA DO TERÇO

Lula de Novo

Por HELIO JAGUARIBE

83, sociólogo,

Decano emérito do Instituto de Estudos Políticos e Sociais (RJ),

Membro da Academia Brasileira de Letras

Autor de, entre outras obras, "Brasil: Alternativas e Saídas”.

NA DATA em que escrevo este artigo, a última pesquisa Datafolha (nos jornais de 25/10) apresenta Lula com 58% dos votos totais e 61% dos votos válidos, contra 37% e 39%, respectivamente, de Alckmin. Salvo um imprevisto de caráter explosivo, altamente improvável, o presidente será reeleito. – O que significa um segundo mandato de Lula?

A questão apresenta dois principais aspectos.

O primeiro se refere ao entendimento de como - a despeito da ininterrupta onda de escândalos que marcou seu governo e a despeito de sua gestão se ter caracterizado pela quase completa estagnação do país e total desatendimento de nossas necessidades infra-estruturais, de saúde, de saneamento, de educação e de cultura - foi possível para Lula obter uma previsão de 61% dos votos válidos.

O segundo aspecto a considerar diz respeito ao que se possa esperar de um segundo mandato de Lula. O primeiro aspecto comporta uma resposta satisfatória. Decorre ela do fato de a sociedade brasileira estar dividida em dois grupos

1) Dois terços dos brasileiros se encontram em estado de completa ou extremamente precária educação e apenas um terço dispõe de um nível educacional comparável ao dos povos do sul da Europa.

2) A dramática deseducação desses dois terços de nossos concidadãos lhes acarreta duas principais incapacitações:

1. A do exercício de atividades não rudimentares, com decorrente nível extremamente baixo de remuneração;

2. A de um entendimento mínimo dos problemas nacionais, ficando a atenção desses brasileiros voltada, exclusivamente, a questões atinentes à imediata sobrevivência.

Para esses dois terços, quase todos os aspectos negativos do governo Lula passam despercebidos, e o pouco de que venham a se inteirar lhes é indiferente.

Nessas condições, os eleitores desse grupo dirigem aos candidatos uma única questão: que tenho eu, minha família e meu grupo a ganhar? A resposta óbvia é: tudo com Lula, nada com Alckmin.

O outro terço satisfatoriamente educado faz outro tipo de questão: que tem o Brasil a ganhar com Lula ou com Alckmin? A resposta, igualmente óbvia, é: muito pouco com Lula, e bastante com Alckmin.

Essas duas propostas explicam por que Lula deverá ter 61% dos votos válidos, e Alckmin, apenas 39%. Os terríveis efeitos da deseducação de dois terços dos brasileiros continuarão a se fazer sentir enquanto os excluídos da educação (e de modalidades superiores de cidadania) não lograrem um nível satisfatório de educação.

Constitui gravíssima responsabilidade das elites pela qual estão e continuarão pagando um alto preço - o fato de, desde a abolição, nada terem feito de relevante para a educação das grandes massas. A incorporação dessas grandes massas a níveis minimamente satisfatórios de educação vai requerer, na melhor das hipóteses, três gerações. Como assegurar, durante esse largo período, condições razoáveis para a vida pública do país? Não há solução mágica, mas, certamente, melhoramentos importantes tenderão a resultar de uma ampla e profunda reforma do sistema eleitoral e do regime dos partidos políticos, algo que se apresenta como de suprema importância e urgência. Regime distrital simples ou misto, legislação eliminadora de partidos de aluguel, fidelidade partidária, financiamento público de campanhas e dispositivos legais que conduzam, em cada legislatura, se nenhum partido obtiver maioria absoluta, à formação de uma coligação majoritária, com programa e liderança únicos. Esses temas são hoje objeto de amplo consenso. O que falta é vontade política.

Restaria a considerar, muito sucintamente, o que possa vir a ser o segundo mandato de Lula.

Se abordarmos a questão a partir da extrema inteligência do presidente reeleito, a resposta tenderia a ser favorável. Lula não tem outro mandato a disputar e dispõe da última oportunidade para se alçar a um nível de grandeza histórica. Cercar-se de gente extremamente idônea e competente e propor ao país um projeto de desenvolvimento econômico-tecnológico e sociocultural seria algo que lhe granjearia o apoio geral do Brasil e compeliria os adversários a respeitá-lo. Iniciando o segundo governo com um alto nível de descrédito pessoal e baixíssima confiabilidade, não será com conchavos políticos que Lula poderá obter condições de governabilidade, e sim mediante um grande e confiável programa de governo.

Será esse o caminho de Lula? A experiência passada não permite, até prova em contrário, supor que o segundo mandato não seja algo de igual ou pior que o precedente. Como ocorre com todo novo governo, Lula disporá de cem dias para dizer a que veio.



1 de jul. de 2007

A Cerveja que Precisamos

Rio Incomparável

De janeiro a janeiro: lindo, sedutor e desafiador

O Rio de Janeiro é considerada uma das mais belas cidades do mundo e, assim como outras grandes metrópoles, têm um apelido carinhoso, o de Cidade Maravilhosa. Cantada várias vezes em verso e prosa por nossos compositores e poetas, a cidade não se cansa de inspirar novos artistas, sempre dispostos a mostrar em suas composições o orgulho de ser carioca.

O que é extraordinário, porém, é que recantos como o largo do Boticário e o Arco do Teles, onde viveu Carmem Miranda, são bastante conhecidos dos turistas e pouco visitados pelos cariocas. Esses, em sua maioria, só conhecem os bares, os restaurantes e as praias, e não sabem muito sobre os recantos históricos da cidade. Quando entrevistados, os cariocas culpam a correria imposta pela vida na cidade, afinal, a segunda maior do país, com seu segundo polo industrial. A maior parte dos habitantes do Rio de Janeiro não conhecem os pontos turísticos da cidade, porque encontram-se inseridos nas imensas oportunidades de lazer ela lhes oferece. Outra coisa que termina por afastar o carioca dos pontos turísticos é o fato de as atrações estarem sempre à disposição. É a velha história do adiamento: “Vou em outro dia, em outra oportunidade. O Cristo não vai mudar de lugar e nem a Baía da Guanabara vai secar”.


Beleza arquitetônica e natural

Segundo Helena Adnet, 37, operadora de turismo, a cidade ainda tem inúmeras opções de turismo e lazer para oferecer aos seus visitantes. Imagine uma cidade que tem tudo o que as outras têm, mas que é banhada por excelentes praias, além de conter em si a maior floresta urbana do mundo. “Aqui no Rio de Janeiro, a indústria do turismo direciona seus produtos para um público nem sempre local. A maioria dos pacotes turísticos são elaborados com olho no mercado internacional”, afirma Helena.

O carioca, o nativo e os que aqui vivem passa quase sempre desapercebido pelo centro da cidade e não repara, por exemplo, na beleza do conjunto arquitetônico dos casarões, prédios e sobrados dos séculos passados. E talvez não note a elegância dos edifícios da Biblioteca Nacional, do Teatro Municipal, da Câmara Municipal e do Museu de Belas Artes, na Cinelândia. O que parece descaso e falta de interesse cultural, na verdade, é apenas o reflexo desse povo simples e acostumado ao belo. “Para o turista, no entanto, essa visão é completamente diferente, ele quer saber quem construiu, por que, há quantos anos existem, quais são os estilos arquitetônicos. Por isso, o profissional de turismo precisa estar muito bem informado, para não sofrer embaraços diante do cliente”, garante Helena.

Segredos culturais da cidade

“Quantos cariocas você conhece que nunca fizeram um passeio turístico pela cidade?”, interfere Rosane Augusto, 50, Operadora de Turismo Individual. “Eu falo sério, quantas pessoas no Rio você conhece que não sabem onde fica o Parque das Ruínas, por exemplo?”, questiona Rosane. O parque é um belíssimo mirante localizado no bairro de Santa Teresa, de onde o turista pode ver a cidade a seus pés. O parque foi o que restou do palacete Murtinho Nobre, onde vivia a antiga socialite carioca, Laurinda Santos Lobo, que ali recebeu muitos artistas e intelectuais. Os salões da casa eram um palco muito procurado pelas pessoas que compunham a vida social dos anos 20. Reformado, foi reaberto para realização de eventos culturais e exposições de arte. No parque acontece também uma feira de artesanato onde são expostas e vendidas peças produzidas pela comunidade hippie e artistas do bairro de Santa Teresa. “Se você faz parte desse grupo de pessoas que não conhecem o parque, não espere mais para conhecer, aproveite o inverno e vá lá, beber um café no terceiro andar das ruínas, de onde se tem uma visão inesquecível do Pão de Açúcar e do Morro da Urca”, sugere Rosane.

A criatividade é uma característica marcante do brasileiro. O dias de sol e calor que caracterizam o Rio e proporcionam o ambiente, festa, cor, alegria e movimento de suas praias cheias, são às vezes intercalados por dias de chuva e cinza. Nesta hora, em que nem sempre o calor diminui, a imaginação do turista pode compensar a perda do sol com excelentes passeios por museus, teatros, com uma ida a um cineclube, aos bares. A ordem é não deixar cair o ritmo, é aproveitar a chance. Além disso, é certo que o sol e a cor voltarão. Ao lado do Palácio do Catete, exatamente na Rua do Catete, 179, o Museu do Folclore Edison Carneiro é uma dessas excelentes opções para um programa não só carioca, mas brasileiro em toda a sua extensão. O turista pode também, no Museu, comprar peças genuínas de artistas naïf de todas partes do Brasil. Um presente feito por um artista classificado pelo Museu, uma peça inédita, pode custar até três vezes mais barato do que se fosse comprado em uma loja de artesanato, porque os preços são dados pelo próprio artista e o Museu acrescenta uma taxa mínima a cada peça.

Novos roteiros, novas ondas

Sem deixar por menos, os profissionais de turismo buscam continuamente novos roteiros para atrair os turistas. Dentre estes, no Rio de Janeiro, o que tem feito grande sucesso ultimamente é um passeio de barco pela Baía da Guanabara em uma escuna típica, de onde se apreciam cartões postais como o Pão de Açúcar, Corcovado, Enseada de Botafogo, praia do Flamengo, Ilha Fiscal, terminando com a exploração de Niterói. O Museu de Arte Contemporânea tem sido incluído neste roteiro, seguido de jantar no restaurante Marius, com churrasco típico e opção de frutos do mar, tudo isso com uma maravilhosa vista da cidade do Rio. “Este passeio tem várias versões, sendo o mais animado o que é feito de saveiro”, diz Rosane. “O trajeto é praticamente o mesmo, porém direcionado ao público gay. O que para o público familiar, com crianças, é um divertido percurso pelo mar, para o grupo de gays, com a obrigatória adição de caipirinha e música eletrônica, torna-se ainda mais divertido e esfuziante.”, afirma a operadora de turismo.

Para uma excelente viagem de turismo ao Rio de Janeiro, que pode ser feita basicamente durante todo o ano, a grande dica, além de roupas leves e sapatos confortáveis, é saber aproveitar o calor. Aproveite para saborear a empada de camarão da Confeitaria Colombo, acompanhada do tão famoso quanto antigo refresco de groselha. Essas são também marcas do que o Rio tem de mais evidente: sua incomparabilidade.

Cresce o turismo individual

O deslocamento feito de forma inteligente, pela cidade do Rio, é um dos problemas para quem chega e não quer alugar um carro e sair de mapa em punho procurando os pontos turísticos. Como resolver isso? Os hotéis têm passeios programados aos pontos principais (Corcovado, Pão de Açúcar, Vista Chinesa, Barra da Tijuca, Arcos da Lapa, Teatro Municipal etc), mas esses passeios vão trazê-lo de volta ao hotel, e têm planejamento próprio. A solução é contratar os serviços de uma vã para o seu grupo de amigos. Existem pessoas que deixam cartões de visita nas recepções de hotel. Pedro Carvalho (tel. 9665-8404), 41 anos, é um exemplo. Seu carro é uma novíssima Boxer da Pegeaut, ele fala inglês e é carioca. Conhecendo o Rio com a palma da mão, pode levar o turista a todos os recantos e aproveitar idas e vindas para pequenos passeios adicionais. É só determinar com esse tipo de fornecedor de serviços o período de tempo disponível do grupo. “Gosto de surpreender as pessoas entrando em ruas e estradas desconhecidas, que, por exemplo, terminam na Floresta da Tijuca, ou que levam a vistas inesperadas”, diz Pedro. Como dizem os cariocas, “é só relaxar e aproveitar”. O preço é sempre bom para quem viaja em grupo, mas também razoável para quem está só ou apenas com o seu par.

José Jorge Cypriano da Cunha.