31 de mai. de 2009

Marxismo: uma teoria em busca de um continente



Discutir o marxismo para o século XXI é algo tão fascinante que não resisti, e resolvi meter a minha coluna torta no meio. A minha colher, ou coluna, é a de beletrado. Isto é, olho o marxismo do ponto de vista da narrativa que ele encena. Isso nada tem de superficial, pois implica em ver como se conjugam teoria, a análise que ela deflagra, as ações que ambas as anteriores provocam, e como o resultado se volta para incorporação dialética (me permitam o palavrão) pelas primeiras, e assim por diante.

O marxismo, de início, apesar de sua pregação atéia, teve clara “inspiração” em três fontes, digamos, religiosas, e da tradição monoteísta semita-cristã. Coloquei “inspiração” assim, entre aspas, porque não creio que nem Marx nem Engels tenham construído essa pertença conscientemente, mas ela infiltrou-se de alguma maneira (talvez por formação, talvez por outra causa) nas suas formulações.

A primeira dessas fontes é o livro do Êxodo, primeiro livro, que eu conheça, de espírito revolucionário a ter sido escrito. Narra ele uma forma de revolução, em que os trabalhadores, os hebreus (que ainda não eram judeus) abandonam a classe dominante à sua própria sorte e saem em busca de um “outro mundo possível”, sem me permitem a heresia. Entretanto, é bom que se ressalte, no Êxodo se trata de reencontrar um “mundo perdido”, que ficara guardado no “passado” desse povo – o que depois foi repetido por muito movimento político-cultural de natureza messiânica, inclusive o nosso bem próximo sebastianismo, que de luso se fez luso-brasileiro.

A segunda fonte está nos livros proféticos da Bíblia, em particular, penso eu, nos livros de Isaías, que estão entre os momentos de mais vigorosa denúncia social do dito “Livro Sagrado”. Ao contrário do que supõe o lugar-comum, os profetas bíblicos não predizem coisa alguma. Isaías considera isso de prever o futuro uma charlatanice. Eles, na verdade, analisam e advertem. Mais ou menos assim: “olhem, se vocês continuarem a agir desse modo, isso vai acabar muito mal”. Como em geral o povo não ouve os profetas, as coisas acabam mesmo mal. Mas a análise do profeta tem um caráter anagógico, isto é, de arrebatamento, de anúncio, de convocação para uma mística, que é o casamento total entre uma crença e a ética que ela supõe e propõe – coisa que faz, por exemplo, o MST.

O profeta pode até (como faz Isaías) anunciar um Messias, mas dele, identitariamente, se aparta. Para o profeta é muito claro que ele (profeta) não é Ele (Messias, ou o enviado, ou o esperado, ou seja o que for). Ao contrário, o olhar profético e sua fala são analíticos e visionários ao mesmo tempo, pois desconstroem a aparência alienada e alienante e deixam ver o que todos já sabem, mas se recusam a ver: a estrutura narrativa que de fato governa o mundo das coisas e de suas relações, e por isso permitem que a práxis se abra para o mundo da liberdade, não repetindo nem buscando ciclicamente a restauração do passado. É o que, num outro diapasão, fazem ou fizeram Marx e Engels.

A terceira fonte de inspiração é o Novo Testamento, talvez com uma certa preponderância do Evangelho de Mateus, também o mais “social” dos evangelistas. O chamado Velho Testamento (na tradição cristã) guarda dentro de si uma estrutura cíclica, de libertação/prisão, busca/perda, encontro/desencontro, caminho/descaminho. No chamado Novo Testamento uma tradição particularizada (a do povo eleito) é recuperada, e traduzida para um novo contexto histórico e anagógico, em que “chegou a hora” em que todos e qualquer um (é claro que neste contexto, pela conversão) podem escolher “o caminho da eleição”. O tempo não é de espera, mas de ação, porque a construção do “caminho da escolha”, ou a “escolha do caminho”, do e para “o outro mundo possível” se dá sempre, em todo e qualquer aqui e agora da humanidade e para cada um de seus membros – inclusive (e nesse ponto o cristianismo primevo era muito radical) para as mulheres.

Como descortinar por entre as aparências o mundo das relações essenciais que, como são relações, são algo dinâmico, e como fazer dessa análise a anagogia de uma nova era possível, essas foram as ênfases do pensamento marxista em seu nascedouro. A essas ênfases o determinismo positivista, hegemônico no século XIX pela Europa e América afora, também “infiltrado” no mundo marxista, deu foro de “inevitabilidade”.

O marxismo nasceu na Europa. Depois migrou para o mundo inteiro (como a teogonia cristã), mas de certo modo permaneceu largamente com suas raízes neste continente que era o conteúdo de sua teoria e também, dialeticamente, a continha. Durante um século (se tomarmos o ano do lançamento do Manifesto Comunista), até a criação da China comunista, o marxismo viu e pagou tributo ao quadro cuja moldura apontava a Europa como modelar (não eticamente, mas como destino) da humanidade. De certo modo, tanto a revolução chinesa como a revolução cubana, sem falar na Guerra do Vietnã, foram “heresias” ou pelo menos “movimentos não ortodoxos” em relação, não necessariamente às teorias e análises de Marx, Engels e depois de outros “seguidores do caminho”, mas em relação a grande parte das “matrizes operacionais” que aquelas teorias e análises ajudaram a deflagrar. Foram “fugas narrativas”, para recuperar o tema inicial desta coluna que é, ela também, algo herética em relação às fontes que pretende debater.

Quer se queira quer se goste ou não, a “grande narrativa” marxista entrou em colapso em novembro de 1989, quase vinte anos atrás, quando caiu o muro de Berlim. Não que isso tenha jogado no lixo da história o pensamento marxista. Só um tolo ou um desavisado acredita nisso, embora haja muita gente que ficou tentando jogá-lo para debaixo do tapete. Mas o que trincou de vez foi a certeza (ilusória) que o “anúncio do novo mundo” era de realização inevitável. E mais ainda: além de perder a Guerra Fria, o mundo comunista real expôs, entre suas vísceras, que muito dessa perda vinha de suas próprias entranhas, do que se fizera de fato a partir daquelas teorias e análises que se contam entre as mais generosas e eticamente solidárias para a humanidade, que esta já gerou para si.

Esse impasse, dramaticamente instalado no coração do pensamento transformador, utópico, revolucionário, o que se queira, ameaçou transformar o marxismo, por exemplo, numa espécie de departamento ou nicho acadêmico. A partir de 89, poucas forças sociais reivindicaram o marxismo como fonte de inspiração para uma ação concreta. O marxismo em ação tornou-se uma espécie de “reserva ecológica”, ilhado literalmente numa ilha – Cuba. (Por favor, dou-me o direito de considerar que nem a Coréia do Norte nem a Moldávia sejam propriamente “regimes marxistas”. Quanto à China, nem falar). Por vezes brande-se o marxismo na palavra – e a ação decorrente é de natureza social-democrata: isso na melhor das hipóteses. Até porque a social-democracia deixou de ser social-democrata, para se tornar um papel carbono ou uma nota de rodapé das teorias e místicas neoliberais.

Assim vejo hoje (e vejo isso dentro de mim, também, não estou fugindo desse barco) o marxismo como uma teoria – no sentido tanto de um “legado histórico” como no sentido de uma narrativa que chegou ao ponto nodal de se perguntar por seu próprio destino – em busca de um continente, isto é, de uma “forma”, no sentido de um “feixe de relações” de causas e efeitos que, enovelando-se, permitam discernir qual o “novo enredo” (pode ser até um samba-enredo...) que se pode propor para a construção de uma humanidade mais solidária, menos propensa a assumir a guerra de todos contra todos como meio de vida e fonte de ação. O fato de que o capitalismo, também enquanto teoria e narrativa, não conseguiu sobreviver à própria vitória na Guerra Fria, entrando numa espécie de aporia espasmódica que pode durar décadas, senão adquirir uma dimensão secular, só aumenta a urgência dessa busca de uma nova anagogia marxista. Não sei muito bem – aliás, nada bem – como isso se dará, ou “se formará”, no sentido de adquirir uma forma, mas tenho certeza de que faz parte dessa busca a consciência da necessidade de promover o reencontro entre análise, ética, democracia e práxis – coisa que em seus melhores momentos o marxismo insuflou, e que em seus piores momentos os regimes comunistas terminaram por renegar e até espezinhar. Quanto ao capitalista, nem é bom falar: basta olhar à volta para ver o que sobrou (soçobrou) de análise, ética, democracia e práxis.

Flávio Aguiar é correspondente internacional da Carta Maior.

30 de mai. de 2009

MANIFESTO DE APOIO À CHAPA 4- UNIR A CONLUTAS E A INTERSINDICAL


Colegas,


Acredito que esse espaço na Internet (http://eleicoessepe.blogspot.com/) possa contribuir para o debate educacional, especialmente nesse momento eleitoral onde diversos grupos com visões e propostas diferenciadas sobre educação e, claro sobre a sociedade brasileira, se apresentam a você com o objetivo de conquistá-lo para o que acreditam ser o melhor. Nesse momento os discursos tornam-se aparentemente muito parecidos, todos defendem aumento salarial, todos são a favor de uma educação pública de qualidade, da realização de concursos, enfim todos progressistas e supostamente de esquerda, acredito mesmo que bem intencionados. Então como decidir qual o melhor grupo para nos representar, em quem votar se suas propostas são tão parecidas,? A opção mais lógica talvez seja referendar aqueles que já estão à frente do processo, diga-se de passagem, há mais de 15 anos, os quais afirmam de maneira arrogante e excludente, que “neles você pode confiar”, pois como conhecemos seus defeitos e qualidades não há risco de surpresas, uma lógica equivocada e cruel onde o novo passa a ser elemento dos governos que a cada ano nos surpreende com sua capacidade de piorar o que já estava ruim. Outra opção tentadora é escolher o que se apresenta como mais radical, aqueles que dizem que tudo está errado, embora não digam que também estão , aliás ,cinicamente equivocados, pois fazem parte ou apóiam governos responsáveis pela lógica do caos que se configura na educação pública atualmente.


O debate educacional é um debate político, que não pode ser reduzido a meia dúzia de palavras de ordem ou práticas supostamente vanguardistas e paradoxalmente previsíveis que têm conduzido a nossa categoria a um afastamento do Sindicato, aliás, Sindicato esse que foi fruto de uma construção coletiva, no final dos anos 70, e que portanto não têm dono, ou melhor o SEPE SOMOS NÓS, e o seu futuro depende basicamente da sua capacidade em agregar novos companheiros, novas idéias sempre fiéis aos princípios de independência da classe trabalhadora para que continue sendo NOSSA FORÇA E NOSSA VOZ.


A CHAPA 4 pretende nesse espaço, http://eleicoessepe.blogspot.com/, expor as suas idéias e estabelecer um diálogo com a categoria e toda comunidade escolar. Ela não é dona da verdade, mas tenho clareza e responsabilidade que não chegaremos a ela, nos afastando de princípios que constituem os alicerces de nosso Sindicato e o primeiro deles é o respeito a você.

Saudações.


Paulo Kautscher

Rede Municipal de São Gonçalo

26 de mai. de 2009

É URGENTE NA REDE MUNICIPAL DE SÃO GONÇALO

É URGENTE NA REDE MUNICIPAL


1. Aumento Salarial: 5 salários mínimos para professor e 3,5 para funcionários;
2. Respeito e implementação imediata do Plano de Carreira Unificado dos Profissionais de Educação;
3. Chamada dos Professores Concursados e realização de novos Concursos;
4. Gestão Democrática com Eleição direta para Diretores;
5. Diminuição do número de alunos em sala de aula (20 alunos por turma);
6. Construção de novas escolas;
7. Reformas descentes das escolas, a partir das necessidades de sua comunidade;
8. Melhores condições de trabalho para os Profissionais de Educação;
9. Aumento de vagas para Educação Infantil;
10. Garantia de uniforme e transporte para todos os estudantes;
11. Fim dos Ciclos, Autonomia Pedagógica, garantindo que as escolas elaborem seus materiais e definam, junto a comunidade escolar, o sistema de avaliação;
12. Realização de concurso público para funcionários de todos os setores;
13. Aumento de verba de merenda.

9 de mai. de 2009

OEA, o ministério americano para as colônias

Outra vez a OEA podre

A agência de notícias alemã DPA divulgou ontem que a Comissão de Direitos Humanos da OEA aprovou um relatório assinalando que Cuba "continua violando" os direitos fundamentais ao manter as "restrições" ao direitos políticos e civis da população, além de ser o "único" país da região onde não há liberdade de expressão alguma.

Nessa instituição podre existe uma Comissão de Direitos Humanos? Sim, existe. Qual é sua missão? Julgar a situação dos direitos humanos nos países membros da OEA. Os Estados Unidos são membros dessa instituição? Sim, um dos mais honráveis. Foram condenados alguma vez? Não, jamais. Nem mesmo pelos crimes de genocídio cometidos por Bush, que custaram a vida de milhões de pessoas? Não, nunca, como vão cometer essa injustiça!? Nem mesmo pelas torturas da base de Guantánamo? Que a gente saiba, nem uma palavra.

Conseguimos pela internet cópia do relatório sobre Cuba. Lixo puro. Se dedica à propaganda contrarrevolucionária. É amplo, no estilo dos do Departamento de Estado, paradigma político e chefe da OEA. Com quanta razão Roa chamou a OEA de Ministério das Colônias ianque!

Cabe perguntar a essa desavergonhada instituição: se fomos expulsos da OEA por proclamar nossas convicções e não somos membros da instituição, com que direito deve julgar-nos? Faria o mesmo com a República da China, o Vietnã ou outros países que como Cuba proclamaram sua adesão aos princípios marxistas-leninistas?

A OEA deveria saber faz tempo que não fazemos parte dessa igreja, não compatilhamos esse catecismo. Partimos de posições diferentes. Se falamos de liberdade de expressão, devemos recordar que em nosso país não se reconhece a propriedade privada dos meios de comunicação. Foram sempre os proprietários destes que determinaram o que se escrevia, quem escrevia, o que se transmitia ou não, o que se exibia ou não. Os analfabetos ou semi-analfabetos não podem fazê-lo e durante centenas de anos, enquanto reinou o colonialismo e se desenvolveu o sistema capitalista desde que foi inventada a imprensa, 4/5 da população não sabiam ler ou escrever, não existia educação pública e gratuita.

São evidentes os esforços que o Pentágono realiza para monopolizar a informação e as redes da internet. No nosso país se bloqueia o acesso a essas fontes. Seria melhor que a CIDH desse conta ao mundo dos recursos que sua burocracia gasta com besteiras, em vez de analisar a realidade e informar aos países da América Latina sobre os gravíssimos perigos que ameaçam a liberdade de expressão de todos os povos do planeta.

Para questionar o papel de Cuba nesse terreno, teria que começar a reconhecer, sem ambiguidades, que esta é a nação que mais fez pela educação, ciência e cultura, entre todos os povos do planeta, e seu exemplo é seguido hoje por outros governos revolucionários e progressistas. Se têm alguma dúvida, perguntem às Nações Unidas.

Nesse hemisf'erio os pobres jamais tiveram liberdade de expressão, porque nunca receberam educação de qualidade e os conhecimentos eram reservados unicamente às elites privilegiadas burguesas. Não culpem agora a Venezuela, que tanto fez pela educação depois da República Bolivariana, nem à República do Haiti, abatida pela pobreza, doenças e catástrofes naturais, como se essas fossem as condições ideais para a liberdade de expressão que proclama a OEA.

Façam o que faz Cuba: ajudem primeiro a formar maciçamente pessoal de saúde com qualidade, enviem médicos revolucionários aos mais distantes rincões do país, que contribuem em primeiro lugar com a preservação da vida; transmitam aos povos programas e experiências de educação; exijam que as instituições financeiras do mundo desenvolvido e rico enviem recursos para construir escolas, formar professores, produzir medicamentos, desenvolver sua agricultura e sua indústria; depois, falem dos direitos do homem.

Fidel Castro Ruz
Mayo 8 de 2009
12 y 14 p.m.

FONTE BLOG DO AZENHA

23 de abr. de 2009

Série Gramsci/2009: Hegemonia



O Estado, diria Gramsci, é “mais ou menos aquilo que o Foucault vai dizer daqui a algumas décadas sem me dar o devido crédito por ter dito isso primeiro, careca miserável”. Não é só o que o Hegel chamava de sociedade política, o Estadinho lá, com seu congressinho, seu presidentinho, sua policinha, capitão Nascimento, Sarney, essas coisas. É isso também, bem entendido. Mas também é a articulação disso tudo com a sociedade civil, a escola e as academias que elaboram e desenvolvem a visão de mundo dominante, o saber assim produzido, os sindicatos reformistas e partidos social-democratas que mantém o conflito sob controle, a mídia que fixa os limites do debate, a família que transmite os valores dominantes e consagra hierarquias, etc. Se você conquista o Estado czarista, você caia ele de vermelho e os burocratas que obedeciam o czar obedecem você. Mas de nada adianta conseguir uma adesão puramente externa (quem é que era contra o Stalin na frente dele?) em termos de ideologia, sentimentos, valores, saberes. Ou você consegue convencer, sensibilizar, justificar-se, descrever a realidade, ou você, cedo ou tarde, ao invés de impor sua visão de mundo, vai ser lentamente colonizado pelos dominantes conquistados.

Leia a íntegra AQUI

17 de abr. de 2009

Um episódio de grosseiras manipulações jornalísticas

Aqui neste Observatório da Imprensa um leitor, dizendo-se funcionário público de Brasília, questionou o que lhe pareceu contraditório no artigo Por que tanto estardalhaço em torno de um sequestro que não ocorreu?: a minha afirmação de que nada havia de errado na escolha de Delfim Netto como alvo de sequestro em 1969 e a crítica que fiz à Folha de S. Paulo por trombetear tal episódio.

Meu comentário de resposta ao leitor me permitiu abordar um outro ângulo da questão: o imenso desconhecimento do que foi a ditadura brasileira e a dificuldade para transmitir tais informações ao grande público, já que a indústria cultural não colabora (muito pelo contrário!). Então, só um público mais seletivo tem uma idéia aproximada da realidade do período. A maioria dos cidadãos fica à mercê da propaganda enganosa da extrema direita.

Daí eu ter advertido desde o primeiro momento: ruim mesmo seria a utilização panfletária da reportagem da Folha por parte dos sites e correntes de e-mails fascistas. É o que Antonio Roberto Espinosa, em carta ao ombudsman Carlos Eduardo Lins da Silva, afirma estar ocorrendo.

Quanto aos próprios leitores do matutino, boa parte deles é capaz de perceber as manipulações grosseiras da repórter e chegar a uma conclusão diametralmente oposta àquela que a Folha tentou plantar em sua cabeça.

Quando se fala que os resistentes assaltavam bancos e sequestravam diplomatas, o cidadão comum forma um juízo a partir das circunstâncias atuais. Ele não sabe que isto se passou sob um regime totalitário nem a indústria cultural cumpre seu dever de inteirá-lo disto (pelo contrário, deturpa a verdade histórica, vendendo gato por lebre, ou seja, ditadura como ditabranda...). Também ignora o que seja um movimento de resistência à tirania, como o que protagonizamos no Brasil e os que existiram em países submetidos ao nazifascismo.

Alienação e infantilização

Já não existem tantas pessoas vivas que eram adultas nos anos de chumbo e, menos ainda, que tivessem conhecimento do que acontecia, mas não era noticiado por força da censura e das intimidações de todo tipo que a imprensa sofria (desde a prisão de jornalistas até os atentados que os terroristas do CCC cometiam, com a conivência do regime).

Além disto, há a tendência que os idosos têm de colorir as lembranças do passado, apenas porque eram ativos e vigorosos então. Com avaliações distorcidas pelo saudosismo, eles informam muito mal as novas gerações.

Finalmente, não devemos esquecer que o cidadão comum brasileiro tem muita tolerância ao totalitarismo - tanto que consentiu em viver sob ditadura por mais de um terço do século passado. Há brasileiros que verdadeiramente apreciavam ser reduzidos à infantilização por um regime de força, assim como é frequente encontrarmos velhos italianos elogiando os tempos em que viviam debaixo das botas de Mussolini e "os trens chegavam sempre no horário"...

Devido a todos esses fatores, a pregação demagógica, simplista e falaciosa da extrema direita é mais facilmente aceita pelos leigos do que a verdade dos historiadores e das pessoas familiarizadas com a jurisprudência internacional e os valores civilizados.

Assim, o desserviço prestado pela Folha, magnificando um episódio sem nenhuma relevância jornalística, foi colar na imagem de Dilma Rousseff vários adjetivos que causam imenso mal se não forem compreendidos dentro do contexto dos anos de chumbo.

Quem sabe o que realmente acontecia, tende a concluir que Delfim Netto merecia mesmo ser sequestrado e trocado pelas vítimas de sua canetada infame ao assinar o AI-5, autorizando e coonestando todas as atrocidades cometidas pela repressão ditatorial. Mas para quem não tem o quadro real na cabeça e fiar-se nas informações da Folha parecerá que Dilma era uma contraventora. E foi exatamente esta a intenção do jornal, imputando-lhe responsabilidade num projeto que, ao que tudo indica, estava sendo desenvolvido apenas por Antonio Roberto Espinosa e só seria submetido ao comando Nacional da VAR-Palmares mais tarde; e que, além disto tudo, não saiu da prancheta.

Folha vende gato por lebre

Aliás, um erro crasso que não está sendo destacado nesta polêmica é o de que a reportagem da Folha sutilmente induziu os leitores a acreditarem que a escolha de Delfim Netto como alvo de sequestro se explicaria por ele ser "símbolo do milagre econômico", o ministro da Fazenda "que sustentava a popularidade dos generais com um crescimento econômico de 9,5% em 1969". Ou seja, sugere-se que os guerrilheiros, malvados como eles só, estariam ressentidos com o boom econômico e seu alegado artífice.

A Folha omitiu, entretanto, que nem se falava em milagre brasileiro no ano de 1969. O PIB avançara 9,8% em 1968, mas o salário-mínimo tivera crescimento negativo de 24,78%! A política econômica da ditadura beneficiou, primeiramente, o grande capital; só depois, em 1970, é que as sobras chegaram até a classe média.

No período entre 1968 e 1973, mais da metade dos assalariados brasileiros recebia um salário-mínimo ou menos. E, enquanto o PIB cresceu 146,33% nesses seis anos, o salário-mínimo teve de se contentar com apenas 81,52%, pois o modelo era acentuadamente concentrador de renda. O período também foi marcado por um aumento dos acidentes de trabalho, conseqüência das horas extras e da maior intensidade produtiva; e até por um agravamento das condições de saúde da maioria da população brasileira, evidenciado, por exemplo, no ressurgimento de epidemias como a meningite e no aumento das taxas de mortalidade infantil.

O certo é que, em 1969, nem sequer a classe média estava eufórica com o regime, pois não havia a percepção de uma melhora econômica significativa, depois de tantos anos de vacas magras. E Delfim não sustentava a (inexistente) popularidade dos generais. Tudo isso viria a partir de 1970.

Signatário do AI-5

Já o aspecto que eu destaquei – o de que Delfim era um alvo para sequestros por conta de sua condição de signatário do AI-5 –, isto ficou totalmente fora da reportagem da Folha, assim como nunca é lembrado nas discussões sobre a punição dos torturadores. Ao contrário do tribunal de Nuremberg, os brasileiros parecem dar mais importância aos executantes das atrocidades do que aos mandantes.

A Folha, inclusive, considera Delfim Netto digno de figurar no seu elenco de colunistas, o que equivale a um juízo de valor do jornal sobre ele – e também serve como parâmetro para o juízo de valor que nós outros formemos sobre a Folha.

Enfim, a matéria "Grupo de Dilma planejava sequestrar Delfim" não passou de uma "forçação de barra", justamente para reforçar os preconceitos dos desinformados e influir na sucessão presidencial.

Ingenuidade celestial

Por último, Antonio Roberto Espinosa acaba de esclarecer, em entrevista concedida ao blog do Zé Dirceu, o que a repórter Fernanda Odilla lhe disse, para convencê-lo a falar três horas ao telefone e a dar informações complementares em telefonemas e e-mails, além de autorizá-la por escrito a acessar os arquivos do Superior Tribunal Militar a ele referentes.

Nos seus desmentidos indignados, Espinosa vinha repetindo o que já ficara evidenciado para qualquer leitor minimamente perspicaz: ajudou a Folha a reconstituir esse insignificante episódio histórico (um não-fato, como fui o primeiro a constatar), sem perceber que poderia ser superdimensionado e deturpado para servir como arma contra Dilma Rousseff.

Talvez até em resposta a meus insistentes pedidos, ele finalmente colocou a questão em pratos limpos:

– A desculpa usada pela repórter era que queria contar melhor a trajetória da VAR-Palmares. Disse que pretendia também esclarecer a participação da ministra Dilma na organização. Dispus-me a colaborar, pois acho que o público tem direito a todas as informações, sobretudo sobre um virtual candidato a presidente. Um dos assuntos tratados, evidentemente, foi a preparação do seqüestro de Delfim Netto, que eu, como comandante militar da VAR, conhecia; mas a atual ministra, não necessariamente, pois sua área de atuação era a política, não a armada.

Cheguei até a pensar que Espinosa fora iludido, concedendo a entrevista sem saber que Dilma teria papel destacado na reportagem decorrente. Mas, agora está explicado: ele acreditou que o jornal da ditabranda estava empenhado em resgatar com isenção e fidelidade a memória da luta armada, depois de ter colaborado com a repressão durante a ditadura e vir, desde então, invariavelmente apresentando de forma negativa e distorcida os resistentes que pegaram em armas...




LEIA O ARTIGO ORIGINAL DO CELSO LUNGARETTI. AQUI.

8 de mar. de 2009

História à brasileira

História à brasileira

JANIO DE FREITAS

Historiadores à brasileira não sabem que ditaduras vão até onde lhes é vitalmente necessário, e enquanto podem

UMA VERGONHA , ao menos uma, o Brasil tem. É um tal de esconder ou falsificar a própria história, que este vício passa, ele próprio, a ser história. Só agora, passados 70 anos, liberam-se atas de reuniões do Conselho de Segurança Nacional da década de 30 -mas depois de extirpar-lhes mais de 400 linhas. As linhas encobertas são os esconderijos das verdades que mais importam para o conhecimento das posições, circunstâncias e decisões do momento em questão.

(…) Os aspectos mais decisivos no desencadear do golpe de 64 tornam-se progressivamente disponíveis graças à abertura de arquivos dos Estados Unidos. O embaixador Lincoln Gordon, até hoje vendido aqui como pessoa íntegra e bem intencionada em relação ao Brasil, já em seu primeiro encontro com Kennedy, na Casa Branca, propôs um golpe aqui. Isso se sabe por recentes liberações de documentos nos EUA, onde já o governo Kennedy está escancarado e até material do pequeno Bush começa a estar ao alcance público.

O que já era o cofre inexpugnável da documentação brasileira, ganhou de Fernando Henrique um reforço de obscurantismo estarrecedor. O “intelectual príncipe da sociologia” passou a duração do sigilo de documentos oficiais, de 20, 30 anos, para três gerações nos casos mais brandos e, em outros, até a infinidade dos tempos. Já no governo Lula, Fernando Henrique quis explicar-se com a afirmação de que assinou o ato “sem medir as consequências”.

Esquecido do que disse então, Fernando Henrique traz nova narrativa, reproduzida por Fernanda Krakovics e Luiza Damé no “Globo”: assinou o decreto como ato “de rotina”, ao recebê-lo “da secretaria que tratava de assuntos militares”, o que caracterizou, “seja um descuido burocrático, seja má-fé de alguém não especificado”.

Não especificado? Pois sim. O tempo não diminuiu a inverdade de Fernando Henrique para livrar a sua face comprometida como nenhuma outra. É grosseiramente claro que nenhum professor de sociologia, história ou afins deixaria de perceber as consequências óbvias da ampliação de sigilos documentais. Nem assinou como ato de “rotina” que, por descuido ou má-fé, o pegou desprevenido.

Tão logo o decreto obscurantista foi divulgado, ex-colegas de Fernando Henrique na universidade e muitos outros, inclusive no exterior, reagiram pelos meios de comunicação. Se vítima de inadvertência, Fernando Henrique teria emitido novo ato, com a correção do anterior, como fez inúmeras vezes.

Pressionado, Lula afinal se dispôs a alterar a regra de Fernando Henrique. Só, porém, para dizer que a alterara, porque até o sigilo infinito permaneceu.

Não é por acaso que um professor universitário de história faça a afirmação, por exemplo, de que “não é possível chamar de ditadura o período 1964-1968 (até o AI-5), com toda a movimentação político-cultural”.

Deu-se no artigo “Ditadura à brasileira”, de Marco Antonio Villa, Folha de 5.mar.09.

Os militares derrubam um governo constitucional, prendem aos milhares pelo país afora, cassam mandatos parlamentares legítimos nas três instâncias legislativas; impõem ao Congresso subjugado a escolha entre três ou quatro generais, para figurar como presidente; governam por ato institucional e decreto-lei; extinguem os partidos; excluem do serviço público, das autarquias e estatais os opositores reais ou supostos, e, para não ir mais longe, instituem a espionagem no país todo. E, fato muito esquecido hoje em dia, iniciam a tortura nos quartéis e os assassinatos. Início bem comprovado, por exemplo, pela foto de Gregório Bezerra puxado por corda no pescoço em Recife. Ou pela celebridade de pessoas como o capitão Zamith, acusado da morte por tortura de um estudante de medicina na Vila Militar do Rio (tema da edição mais importante, até hoje, de “Veja”), e do sargento Raimundo, torturado no Exército e jogado no rio em Porto Alegre, morto ou para morrer.

Mas “não é possível chamar de ditadura” ao domínio do país por tal regime. Então só pode ser “a democracia” dos historiadores à brasileira. Até por ter “movimentação político-cultural”, permitida entre 64-68 quando não incomodava o regime, servindo mesmo como válvula de escape, e reprimida com vigor quando incomodava.

Os historiadores à brasileira não sabem que as ditaduras vão até onde lhes é vitalmente necessário, e enquanto podem fazê-lo। A diferença entre elas não é a sua essência, nem a sua prática: é a medida do necessário.



Por luiz felipe de alencastro

Caro Nassif

O título do artigo de Jânio de Freitas pode induzir a um comprometimento equivocado da generalidade dos historiadores brasileiros. Seria tão equivocado quanto comentar um disparate desses que costuma aparecer na imprensa nacional sob o título “jornalismo à brasileira”. Lembro que duas gerações de historiadores brasileiros, como Maria Aparecida de Aquino e Marcelo Ridenti, tem publicado trabalhos de grande qualidade sobre a ditadura. Postei no meu blog um artigo publicado na Folha em 1994, nos 40 anos do golpe, que guarda, creio eu, certa atualidade:AQUI

FONTE BLOG DO NASSIF

7 de mar. de 2009

ABAIXO A DITABRANDA

Movimento dos Sem Mídia
Pela Justiça e pela Paz no Brasil

A Organização Não Governamental Movimento dos Sem Mídia – MSM, entidade de direito privado constituída juridicamente em 13 de outubro de 2007, exorta a sociedade brasileira a repudiar a perniciosa e ameaçadora revisão histórica perpetrada recentemente por editorial do jornal Folha de São Paulo, texto que relativizou a gravidade de crimes cometidos pelo Estado brasileiro entre os anos de 1964 e 1985, período durante o qual a Nação brasileira sofreu usurpação de um golpe militar ilegal e inconstitucional que, por seu turno, gerou aos brasileiros conseqüências nefandas tais como censura à liberdade de pensamento e de expressão, prisões arbitrárias e crimes de tortura, de estupro e de morte, atos de terror que destruíram as vidas de milhões de brasileiros, muitos dos quais sobreviveram àquele terror e, assim, carregam até hoje seqüelas daquele período de trevas.

No âmbito desse repúdio, cumpre à nossa entidade tornar públicos os pontos daquele texto jornalístico que julgamos perniciosos e ofensivos às vítimas que tombaram e às que sobreviveram àquele regime de força, que suprimiu os princípios e mecanismos do Estado Democrático de Direito e as garantias, liberdades e direitos individuais e coletivos, somente restituídos ao povo brasileiro com a edição da vigente Constituição Federal de outubro de 1988.

O editorial do jornal Folha de São Paulo intitulado “Limites a Chávez” foi publicado em 17 de fevereiro deste ano. O veículo de comunicação exerceu um direito óbvio e que não se questiona, o direito de opinar. Criticar o resultado do plebiscito recente na Venezuela ou emitir qualquer outra opinião, portanto, jamais estimularia nossa Organização a protestar de forma tão solene e veemente se não fosse a tentativa de revisão histórica que afirmou que o regime dos generais-presidentes teria sido “brando”, pois tal afirmativa constituiu-se em dolorosa bofetada nos rostos dos que sobreviveram, em verdadeiro deboche dessas vítimas expresso por meio do termo jocoso “ditabranda”, corruptela do único termo possível para identificar aquele regime, o termo ditadura.

Em poucas palavras, o editorial da Folha de São Paulo criou teorias novas, como se verá em trecho a seguir. Disse a Folha de São Paulo: “As chamadas "ditabrandas" – caso do Brasil entre 1964 e 1985 – partiam de uma ruptura institucional e depois preservavam ou instituíam formas controladas de disputa política e acesso à Justiça”.

O perigo e a afronta residem no eufemismo. Com efeito, o diabo está nos detalhes. Diga-se essa barbaridade de “acesso controlado à Justiça” aos que ficaram pelo caminho da máquina opressora do Estado brasileiro de então, aos que sofreram tudo que foi acima enumerado. Diga-se a eles que tiveram acesso “controlado” para buscarem reparação pelas violências que sofreram. Achem um só que tenha encontrado guarida e reparação na Justiça, à época, pelas violências que sofreu. E mais: diga-se isso aos que não sobreviveram às ações arbitrárias daquele Estado ditatorial e aos seus famliares.

No conceito de nossa Organização, conceito este amparado no melhor Direito Universal, o que fez o jornal em questão foi dizer “brandos” aqueles crimes, abrindo espaço para a proliferação de mentalidades que ainda defendem publicamente métodos excepcionais de “controle” da Cidadania e das próprias vidas dos cidadãos.

Dizem os defensores da usurpação do Estado Democrático de Direito que ocorreu naquele período obscuro de nossa história que havia então uma “guerra” no Brasil. Uma guerra em que tantos jovens idealistas, muitas vezes pouco mais do que imberbes, sucumbiram defendendo a Constituição, por sua vez violentada pelos desejos de poucos, que estupraram o desejo da maioria que delegou o Poder a um governo constitucional que a ditadura derrubou por meio de golpe de Estado.

O Brasil daquele 1964 tinha um governo eleito pelo voto. Não foi destituído por um processo democrático que se valeu dos mecanismos constitucionais que existiam e que poderiam ser usados se os que se opunham àquele governo acreditassem que tinham representatividade popular para fazer tais mecanismos prevalecerem. Não. Por não estarem amparados pela maioria dos brasileiros, os usurpadores do Poder de Estado legalmente constituído em eleições livres e democráticas trataram de usar a violência, a sedição e a ilegalidade para fazerem prevalecer suas visões, desejos e interesses minoritários, impondo-os sobre uma maioria que mais tarde seria amordaçada e ameaçada, de forma que não pudesse contestar a ruptura do Estado de Direito.

Equiparar o Estado àqueles que os defensores do regime de exceção diziam ser “terroristas”, era, é e sempre será uma aberração jurídica, para economizar palavras. Não cabe no conceito de democracia, de Estado de Direito, a hipótese de agentes do Estado imporem suplícios físicos desumanos e criminosos àqueles dos quais desconfiavam de que não compartilhavam suas idéias totalitárias.

O que torna mais dramática essa revisão afrontosa daquele período da história é que o jornal Folha de São Paulo não se contentou só com ela. Diante dos protestos de dois dos expoentes mais respeitados da intelectualidade brasileira tanto no Brasil quanto no exterior, a professora Maria Victória Benevides e o professor Fábio Konder Comparato, o jornal tratou de insultá-los de forma virulenta, qualificando-os como “cínicos e mentirosos”, claramente tripudiando da indignação dos justos ante absurdo tão rematado quanto o acima descrito.

Nem as poucas opiniões contrárias que o jornal permitiu que fossem vistas em suas páginas opinativas, sempre de forma tão “controlada” quanto afirmou antes que fazia a sua “ditabranda”, puderam minorar a dor dos sobreviventes dos Anos de Chumbo, e tampouco fizeram a justiça necessária à memória das vítimas fatais da ditadura cruel que vigeu naquele período triste da história deste País.

Tanta injustiça, desrespeito, deboche talvez encontre “explicação” quando se analisa o papel exercido pelo jornal contra o qual protestamos durante boa parte do tempo em que a ditadura militar oprimiu esta Nação.

Em obra literária de autoria de um colaborador desse meio de comunicação, do jornalista Elio Gaspari, intitulada “A Ditadura Escancarada”, figura acusação ao jornal Folha de São Paulo que este jamais rebateu de forma adequada e pública, a acusação de que cedeu veículos à sua “ditabranda” para o transporte de presos políticos.

Mas é em editorial desse grupo empresarial publicado em 22 de setembro de 1971, no auge da ditadura, que transparecem as relações de então entre a mídia e o regime. Diz aquele editorial pretérito tão nefasto quanto o editorial mais recente, sendo ambos do grupo empresarial de comunicação da família Frias:

Como o pior cego é o que não quer ver, o pior do terrorismo é não compreender que no Brasil não há lugar para ele. Nunca ouve. E de maneira especial não há hoje, quando um governo sério, responsável, respeitável e com indiscutível apoio popular, está levando o Brasil pelos seguros caminhos do desenvolvimento com justiça social - realidade que nenhum brasileiro lúcido pode negar, e que o mundo todo reconhece e proclama. O país, enfim, de onde a subversão - que se alimenta do ódio e cultiva a violência - está sendo definitivamente erradicada, com o decidido apoio do povo e da imprensa, que reflete o sentimento deste." Octávio Frias de Oliveira, 22 de setembro de 1971”.

Apesar desse documento histórico com dia, mês e ano, e que pode ser encontrado nos arquivos desse grupo empresarial de comunicação, apesar desse documento que mostra faceta do jornal Folha de São Paulo que ele teima em não reconhecer e que certamente não quer ver conhecido por seu público atual talvez por ter vergonha de seu passado, sua alegação contemporânea é a de que “combateu” a ditadura que aquele editorial, assinado por seu proprietário de então, qualificava como “séria, responsável, respeitável e com indiscutível apoio popular”.

Não se consegue entender como a Folha de São Paulo, então, media o “apoio popular” à ditadura, pois não havia eleições livres ou mesmo pesquisas sobre a popularidade dos ditadores. Era, pois, uma invenção a tese de que a ditadura estaria “levando o Brasil pelos seguros caminhos do desenvolvimento com justiça social”, porque, à luz do conhecimento histórico daquele período, o que se sabe é que o que gerou foi concentração de renda, ou seja, empobrecimento dos mais pobres e enriquecimento dos mais ricos.

No dia em que o editorial profano mais recente foi lido pelos Sem Mídia, o que nos veio às mentes foram as palavras imortais do ativista negro norte-americano doutor Martin Luther King que pregaram, há tantas décadas, a conduta dos democratas diante dos violadores da democracia: “O que preocupa não são os gritos dos maus, mas o silêncio dos bons”. E é por isso que estamos aqui hoje, porque a sociedade civil não aceita e não ficará inerte assistindo a defesa velada de uma ditadura e a tentativa de vender a tese de que ela foi menos do que ilegal, imoral e terrivelmente dura, tendo sido tudo, menos “branda”.

São Paulo, 7 de março de 2009

Eduardo Guimarães

Presidente

Ai dos que coam mosquitos e engolem camelos” (MT 23,24)

A Coordenação Nacional da CPT diante das manifestações do presidente do STF, Gilmar Mendes, vem a público se manifestar.

No dia 25 de fevereiro, à raiz da morte de quatro seguranças armados de fazendas no Pernambuco e de ocupações de terras no Pontal do Paranapanema, o ministro acusou os movimentos de praticarem ações ilegais e criticou o poder executivo de cometer ato ilícito por repassar recursos públicos para quem, segundo ele, pratica ações ilegais. Cobrou do Ministério Público investigação sobre tais repasses.

No dia 4 de março, voltou à carga discordando do procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, para quem o repasse de dinheiro público a entidades que “invadem” propriedades públicas ou privadas, como o MST, não deve ser classificado automaticamente como crime.O ministro, então, anunciou a decisão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), do qual ele mesmo é presidente, de recomendar aos tribunais de todo o país que seja dada prioridade a ações sobre conflitos fundiários.

Esta medida de dar prioridade aos conflitos agrários era mais do que necessária. Quem sabe com ela aconteça o julgamento das apelações dos responsáveis pelo massacre de Eldorado de Carajás, (PA), sucedido em 1996; tenha um desfecho o processo do massacre de Corumbiara, (RO), (1995); seja por fim julgada a chacina dos fiscais do Ministério do Trabalho, em Unaí, MG (2004); seja também julgado o massacre de sem terras, em Felisburgo (MG) 2004; o mesmo acontecendo com o arrastado julgamento do assassinato de Irmã Dorothy Stang, em Anapu (PA) no ano de2005, e cuja federalização foi negada pelo STJ, em 2005.

Quem sabe com esta medida possam ser analisados os mais de mil e quinhentos casos de assassinato de trabalhadores do campo. A CPT, com efeito, registrou de 1985 a 2007, 1.117 ocorrências de conflitos com a morte de 1.493 trabalhadores. (Em 2008, ainda dados parciais, são 23 os assassinatos). Destas 1.117 ocorrências, só 85 foram julgadas até hoje, tendo sido condenados 71 executores dos crimes e absolvidos 49 e condenados somente 19 mandantes, dos quais nenhum se encontra preso. Ou aguardam julgamento das apelações em liberdade, ou fugiram da prisão, muitas vezes pela porta da frente, ou morreram.

Causa estranheza, porém, o fato desta medida estar sendo tomada neste momento. A prioridade pedida pelo CNJ será para o conjunto dos conflitos fundiários ou para levantar as ações dos sem terra a fim de incriminá-los? Pelo que se pode deduzir da fala do presidente do STF, “faltam só dois anos para o fim do governo Lula”... e não se pode esperar, “pois estamos falando de mortes” nos parece ser a segunda alternativa, pois conflitos fundiários, seguidos de mortes, são constantes. Alguém já viu, por acaso, este presidente do Supremo se levantar contra a violência que se abate sobre os trabalhadores do campo, ou denunciar a grilagem de terras públicas, ou cobrar medidas contra os fazendeiros que exploram mão-de-obra escrava?

Ao contrário, o ministro vem se mostrando insistentemente zeloso em cobrar do governo as migalhas repassadas aos movimentos que hoje abastecem dezenas de cidades brasileiras com os produtos dos seus assentamentos, que conseguiram, com sua produção, elevar a renda de diversos municípios, além de suprirem o poder público em ações de educação, de assistência técnica, e em ações comunitárias. O ministro não faz a mesma cobrança em relação ao repasse de vultosos recursos ao agronegócio e às suas entidades de classe.

Pelas intervenções do ministro se deduz que ele vê na organização dos trabalhadores sem terra, sobretudo no MST, uma ameaça constante aos direitos constitucionais.

O ministro Gilmar Mendes não esconde sua parcialidade e de que lado está. Como grande proprietário de terra no Mato Grosso ele é um representante das elites brasileiras, ciosas dos seus privilégios. Para ele e para elas os que valem, são os que impulsionam o “progresso”, embora ao preço do desvio de recursos, da grilagem de terras, da destruição do meio-ambiente, e da exploração da mão de obra em condições análogas às de trabalho escravo.

Gilmar Mendes escancara aos olhos da Nação a realidade do poder judiciário que, com raras exceções, vem colocando o direito à propriedade da terra como um direito absoluto e relativiza a sua função social. O poder judiciário, na maioria das vezes leniente com a classe dominante é agílimo para atender suas demandas contra os pequenos e extremamente lento ou omisso em face das justas reivindicações destes. Exemplo disso foi a veloz libertação do banqueiro Daniel Dantas, também grande latifundiário no Pará, mesmo pesando sobre ele acusações muito sérias, inclusive de tentativa de corrupção.

O Evangelho é incisivo ao denunciar a hipocrisia reinante nas altas esferas do poder: “Ai de vocês, guias cegos, vocês coam um mosquito, mas engolem um camelo” (MT 23,23-24).

Que o Deus de Justiça ilumine nosso País e o livre de juízes como Gilmar Mendes!

Goiânia, 6 de março de 2009.

Dom Xavier Gilles de Maupeou d’Ableiges, Presidente da Comissão Pastoral da Terra

Fonte: CLIQUE AQUI

15 de fev. de 2009

Acabou a brincadeira com a crise

Acabou a brincadeira com a crise


A brincadeira da aliança neocon, de explorar a crise para enfraquecer o governo, esbarrou em uma dura realidade de mercado: as receitas publicitárias caíram de 30 a 40% em janeiro. E prometem repetir o desempenho em fevereiro.

Deram um tiro no próprio pé, como cansei de alertar em dezembro. Primeiro, como a crise é global não conseguiram colar sua responsabilidade no Lula. Segundo, ao espalhar o medo da crise pelo país, aumentaram os receios dos empresários, que pisaram mais forte no freio. E os primeiros cortes são na publicidade.

Não fosse a enxurrada de verba publicitária injetada pelo governo de São Paulo no mercado, a situação teria sido pior.

Agora, é um tal de buscar pontos positivos na crise que dá até medo. Ontem, o Jornal Nacional ressuscitava a velha franquia e o empreendedorismo brasileiro. Hoje, é a vez da Folha. Aliás, há vários dias que o JN mostra regiões em que a crise não chegou. Ainda não entrou no tema infraestrutura.

Os que brincavam de política com a crise tiveram que se curvar ao poder maior do mercado.

Blog do Nassif

30 de jan. de 2009

Quando ler jornal faz mal ao fígado

"Eu não preciso ler jornais, mentir sozinho eu sou capaz।" (Raul Seixas)


Ao declarar à revista piauí de janeiro que não lia jornal porque sofre de azia, Lula talvez tenha deixado muitos jornalistas perplexos e desapontados [a versão da revista está aqui e a íntegra da entrevista, aqui]. E também intelectuais inconformados. Roberto Damatta, por exemplo, reagiu num típico "pito acadêmico" proclamando, em artigo publicado no Estado de S.Paulo que não se pode ter discernimento da realidade sem a leitura, mas parece tomar uma crítica informal de Lula a um certo jornalismo como se fosse uma aversão à leitura em geral.

Ao repreender Lula porque este parece "estar seguro de que é mesmo possível saber das coisas por tabela e em segunda mão, por meio de olhos alheios", Damatta talvez polemize mais com Schopenhauer do que com o presidente. O célebre filósofo alemão também já havia causado muita celeuma, há mais de século, quando levantou dúvidas acerca da possibilidade de uma correta compreensão da realidade unicamente a partir da leitura, pondo em dúvida a qualidade dos textos, inclusive nos jornais. Questionando aqueles que absolutizam a leitura, Schopenhauer afirma que "assim como a leitura, a mera experiência não pode substituir o pensamento". E para aqueles, como Damatta, que deploram os que não lêem e porque aprenderiam por tabela, o pensador germânico sustenta ainda que "um livro nunca pode ser mais do que a impressão dos pensamentos do autor", alertando que "quando lemos, somos dispensados em grande parte do trabalho de pensar" e que "a nossa cabeça é, durante a leitura, uma arena de pensamentos alheios".

Instrumento de desinformação

Citá-lo não significa defender suas posições históricas, mas adicionar elementos à polêmica atual, quando vivemos na "idade mídia", sob intenso dilúvio informativo, com variadas possibilidades de informação. A celeuma levanta também reflexões interessantes, não só comentários injustos, já que Lula não fez nenhuma apologia da não-leitura, fez uma crítica ao jornalismo atual. E o fez a seu modo, com um raciocínio nada convencional, porque é o raciocínio simples e direto, sintonizado e compreendido pela grande massa da população que, durante toda uma vida, também foi praticamente proibida da leitura. Assim, poderíamos partir do princípio afirmando que, tal como a esmagadora maioria do povo brasileiro, o presidente Lula também não lê jornal. E confessa. As razões são múltiplas e até diferentes em cada caso.

O argumento de que não pode haver discernimento da realidade sem a leitura também pode conter uma injusta soberba acadêmica para com esta grande maioria de brasileiros hoje ainda proibida da leitura de jornais e livros, por razões fundamentalmente sócio-econômicas. É injusta porque ignora ou despreza outras modalidades de discernimento, interpretação e ação transformadora das grandes massas sobre esta mesma realidade.

Segundo estatísticas da Unesco – talvez não sejam as mais atuais –, a taxa de leitura de jornais e revistas no Brasil é inferior à da Bolívia, país mais pobre da América do Sul, mas que acaba de realizar uma façanha que exige reconhecimento de todos nós: a Bolívia foi declarada no dia 20 de dezembro último, pela mesma Unesco, "território livre do analfabetismo". Segundo a agência da ONU, enquanto no Brasil são lidos apenas 27 exemplares de jornais ou revistas por cada grupo de mil leitores, na Bolívia são 29 exemplares. Talvez o que devesse merecer mais a preocupação da academia é o fenômeno da leitura-proibida, um sistema que torna difícil o acesso dos brasileiros à leitura, que não educa leitores, que não democratiza livros – ao invés de uma quase indignada/desconcertada reação diante da evidente crítica feita pelo presidente Lula à qualidade do jornalismo praticado no Brasil.

Será que a informalidade da crítica de Lula – preciosa característica do presidente, sobretudo quando a cultiva no exercício do cargo – a um certo jornalismo – que já chegou a entrar de modo desrespeitoso e arrasador na vida pessoal e familiar do presidente em sua primeira campanha, ao mesmo tempo que preservou obedientemente outros presidentes do mesmo desconforto – não tem razão de ser? Estaria, afinal, acima de críticas, um jornalismo que tem reiteradamente operado mais como desinformação da sociedade do que como a instrumento de comunicação social tal como estabelecido pela Constituição Federal?

Ouça um bom conselho

Tomemos alguns casos recentes de "jornalismo que faz mal ao fígado", alguns já argumentados pelo próprio presidente, para alargarmos este debate.

Quando o governo brasileiro propôs à Unasul, em sua primeira reunião, a formação de um Conselho de Defesa Sul-americano, praticamente todos os jornais estamparam, com fartura, que a proposta havia sido derrotada, rejeitada, um fiasco afinal. Pouco tempo depois, a proposta do Conselho, debatida e examinada com tempo pelos governos, foi oficialmente aprovada e é uma hoje uma realidade. Mais do que isso, tem a importância histórica de ser uma entidade sem a presença dos EUA, que sempre tutelaram a região com ferro e fogo das ditaduras, mas também de representar um esforço coordenado de recuperação da indústria bélica regional, com a relevância intrínseca – ainda mais destacada por vivermos num mundo de sombras, tensões e violência – de promover independência tecnológica setorial.

Afinal, um país sem defesa não tem soberania! Será que os jornais que manchetearam "o fracasso do Conselho", estariam agora dispostos a confessar seu equívoco e reavaliar a informação defeituosa que difundiram? E a esclarecer, com informações verazes, o significado de reorientação estratégica que a nova entidade tem, sobretudo quando os países emergentes foram praticamente obrigados a aceitar a demolição de suas políticas de defesa e de suas indústrias bélicas? Alguém sabe informar se o Procon também cuida de informação com defeito?

A fazenda que não foi vendida

Um segundo caso diz respeito também à família do presidente, sempre alvo de comentários preconceituosos, como de resto os que se lançam também contra o presidente Evo Morales, por ser indígena, ou ao presidente Hugo Chávez, por suas características étnicas e sua origem militar. Refiro-me à "notícia" de suposta compra de uma grande fazenda por um dos filhos do presidente Lula. Até o portal do Centro de Mídia Independente reproduziu a suposta transação, acompanhada de inúmeros comentários insultantes e ofensivos ao presidente Lula.

E mesmo depois que numa pequeníssima nota da Agência Estado o proprietário da referida fazenda esclarecia que já estava cansado de atender jornalistas ao telefone e desmentir cabalmente que tenha vendido o imóvel para o filho do presidente ou para qualquer outro, assim mesmo nem a Central de Mídia Independente dignou-se a corrigir seu erro de difundir versões de um "jornalismo que faz mal para o fígado", mantendo até bem pouco tempo no portal, a falsa notícia da compra da fazenda e a mesma coleção de insultos ao presidente, nem os outros veículos cuidaram de divulgar as declarações do verdadeiro proprietário do imóvel desmentindo a transação. Qual o nome que deve ser dado a este "jornalismo"? Ou melhor, será isto jornalismo? Mas que dá azia... isso dá.

Os profetas do calote

Mais recentemente, O Globo estampou em primeira página manchete sobre a preparação de um calote do Equador contra o Brasil, insinuando que até uma funcionária da Receita Federal brasileira havia sido cedida para trabalhar nesta operação, cujo intuito seria o de evitar que os financiamentos feitos pelo BNDES ao país andino fossem saldados. Gravíssima acusação: o governo cederia uma funcionária para preparar calote contra si. Mas o jornal não publicou o pedido de direito de resposta da funcionária da Receita, informando objetivamente que não tinha prestado qualquer consultoria técnica relativa a financiamentos brasileiros ao Equador, mas sim, à Auditoria da Dívida Privada que está curso naquele país, uma decisão de Estado inscrita na Constituição, tal como consta das Disposições Transitórias de nossa Constituição a realização de uma auditoria da dívida.

No fundo, este é o temor dos banqueiros refletido por este jornalismo que dá azia, um jornalismo que cuida de preservar os indecentes privilégios que o setor financeiro tem no mundo da economia da especulação que despreza o valor do trabalho, transformando o sistema bancário mundial numa bancocracia, ou verdadeiro cassino, como também lembrou o presidente. Há quanto tempo não temos um presidente que chama as coisas pelo verdadeiro nome! Pois bem, especulou-se no jornal, depois no rádio, depois na TV, sobre o calote equatoriano ao Brasil, o jornalismo aziago teve todo o espaço do mundo, consultores ligados aos bancos foram hiper-entrevistados, repetiram-se, anunciaram o caos.

Mas quando, na semana que passou, o governo equatoriano pagou a parcela de 243 milhões de dólares da dívida para com o BNDES, os profetas do calote se calaram, os consultores desapareceram e o Globo não informou aos seus leitores, com a mesma importância que havia dado inicialmente ao tema, que não houve calote. Eis aqui um exemplo de como a leitura de jornal também pode não conduzir a um correto discernimento da realidade...

A retórica do Itamaraty

Muitos exemplos justificam uma maior reflexão e elaboração sobre o que vem a ser um jornalismo de desintegração, aquele que desconsidera ou não informa sobre a implementação de medidas reais, de Estado, visando à integração regional latino-americana. A este jornalismo da desintegração, que também pode causar azia, que decreta editorialmente que a integração é apenas retórica diletante do Itamaraty, deve-se contrapor com um jornalismo de integração, ainda por ser elaborado, mas que tem como sustentação teórica, histórica e política nada menos que a Constituição, na qual está consolidado que a construção de uma integração latino-americana baseada na solidariedade, na economia, na cultura, na informação é um objetivo da República Federativa do Brasil.

Claro, o jornalismo que faz mal ao fígado prefere apenas cultuar e pôr em prática o artigo 166 da Constituição, aquele que sacraliza a gastança com os serviços da dívida, tornando-os mais importante do que merenda escolar, saúde pública, habitação popular, previdência social etc. Contra esta gastança, esta verdadeira esterilização de recursos públicos nos juros da dívida, o jornalismo aziago nada informa. Quando o Brasil realizou com sucesso o teste do Veículo Lançador de Satélites, em dezembro, a mídia não noticiou, ignorando a dimensão deste fato – quando apenas um clube fechado de países tem acesso ao mundo da estratégica economia satelital. Tal como ignorou quando a Venezuela recentemente lançou o satélite Simon Bolívar, preferindo ironizar que Chávez tenha declarado que é um satélite socialista. Sim, será colocado à disposição de países pobres para a cooperação. Onde cabe a ironia? Ambos os casos são de avanço da independência tecnológica.

Aliás, foi necessário um "presidente que não lê", conforme define o acadêmico Damatta, para que o idioma espanhol tenha se transformado em matéria obrigatória nas escolas básicas brasileiras, com indiscutível impulso à integração latino-americana, como também para que o Brasil assumisse a construção da Unila (Universidade da Integração Latina-Americana), assim como a Universidade da África, em Redenção, cidade cearense pioneira na abolição da escravatura. Mas, para o jornalismo da desintegração, tudo isto é apenas retórica itamarateca terceiro-mundista. Mesmo a retirada do dólar nas operações comerciais Brasil-Argentina, a cooperação entre os dois vizinhos na construção de um carro de combate, na indústria aeronáutica e na esfera nuclear, ou a participação brasileira na construção de um gasoduto na Argentina, ou nas obras de infra-estrutura no Peru e Bolívia, na construção da estrada que ligará finalmente o Atlântico ao Oceano, a presença da Embrapa na Venezuela ou no Timor Leste, da Petrobras em Cuba, tudo isto é apenas retórica, farta-se de repetir o jornalismo que faz mal ao fígado. Mas quando aquele chanceler de sobrenome judeu tirou o sapato ante as ordens de um guardinha da alfândega dos EUA, este mesmo jornalismo tangenciou a simbologia do gesto. Como qualificar? Vocação para a vassalagem?

"Territórios livres do analfabetismo"

Muito ainda precisa ser feito para que o Brasil supere seus níveis indigentes de leitura, sobretudo no campo das políticas públicas. É motivo de preocupação a monopolização do setor editorial, sobretudo a do livro didático, bem como sua desnacionalização e controle por editoras estrangeiras muito próximas da Opus Dei. Mas são salutares, e devem ser expandidas fortemente, as políticas públicas já implementadas pelo governo Lula e governos como o do Paraná para assegurar o livro didático público e gratuito aos milhões.

Estamos na era das mudanças e na mudança de eras também quando o país mais pobre da América do Sul, a Bolívia, consegue extirpar a praga do analfabetismo ou quando a Venezuela, também declarada "território livre do analfabetismo" pela Unesco, distribui gratuitamente 1 milhão de exemplares do livro Dom Quixote, de Cervantes, de Os miseráveis, de Vitor Hugo e de Contos, de Machado de Assis, este com uma distribuição gratuita de 300 mil exemplares. Basta informar que a tiragem padrão de livros no Brasil é de apenas 3 mil exemplares. Segundo a Unesco, Cuba chegou a publicar em 1986, 480 milhões de exemplares de livros num ano, quando sua população era de apenas 10 milhões de habitantes. Ainda temos muito que aprender, muito por fazer nesta área.

A dialética do retirante

Mas, esta dívida informativo-cultural despejada pelas elites sobre o povo brasileiro, proibindo-o da leitura, não deve ser mecanicamente dimensionada como um obstáculo intransponível para que os milhões e milhões que não lêem jornal ou qualquer coisa não tenham um discernimento adequado da realidade. Talvez não tenham o "discernimento" que segmentos das elites, econômica ou cultural, gostariam que o povo tivesse, sobretudo para uma escolha eleitoral sintonizada com a linha editorial do jornalismo que faz mal ao fígado. Realmente, a maioria do povo, tal como o presidente Lula, na sua dialética de retirante, foi obrigada a desenvolver uma interpretação realista do mundo para salvar a própria vida. Lula declarou recentemente que quando um nordestino que nem ele consegue vencer a pena de morte da elevada taxa de mortalidade infantil no nordeste, "torna-se um encrenqueiro".

Para os que admiram o fato de que ele tenha levado 13 dias de viagem num pau-de-arara para ir de Garanhuns a São Paulo, dormindo ao relento e cozinhando com as águas barrentas do Velho Chico, ele lembrou que seus tios, que também não liam jornal, já tinham feito o mesmo percurso, mas em seis meses, porque o fizeram a pé! São atos heróicos que apontam para uma outra leitura do mundo, a partir da dialética do retirante, tão capaz de permitir um real discernimento da vida, como capaz de permitir que salvassem suas próprias vidas, e permitindo-lhes progredir na mobilidade social, superar os estágios de sobrevivência vegetativa quase animalesca a que estavam condenados no nordeste sem água, sem terra, sem trabalho e sem nada! E sem jornal para ler...

Talvez alguns círculos acadêmicos se irritem ainda mais com esta abordagem e a condenem como elogio à não-leitura. Mas, o que se trata de argumentar aqui é que para aqueles milhões de brasileiros condenados à não-leitura, por razões do elitismo sócio-econômico, não há outra saída senão inventar uma forma nova de ler o mundo, de caminhar na vida, de discernir, sim, a realidade e de uma forma tão eficiente que lhes permitiu, no caso de Lula, sair da indigência do sertão, preparar a si próprio para escapar da pena de morte da fome, preparar coletivamente a classe trabalhadora para fazer política, construir instrumentos como o PT e a CUT para viabilizar o protagonismo dos próprios trabalhadores na política e alcançar a Presidência da República.

E o fez não exatamente a partir da leitura de jornal, mas informando-se profundamente sobre o funcionamento da sociedade. Afinal, nem sempre ler jornal é informar-se. Em muitos casos, como vimos acima, é exatamente o contrário.A provocação de Schopenhauer ainda está bailando por aí. E ele acrescenta: "Há eruditos que ficam burros de tanto ler."

O rentista e o faxineiro

Episódio saboroso para refletirmos é o caso Maldoff, quando o megaespeculador, ex-presidente da Bolsa Nasdaq, baseada em sua credibilidade neste mundo da economia virtual, arquitetou uma fraude de 50 bilhões de dólares que lesou também rentistas brasileiros. Esta minoria de brasileiros, experimentados na arte de ganhar dinheiro sem produzir um prego ou sem mesmo trabalhar, escolados na evasão de divisas para paraísos fiscais, provavelmente não imaginavam que um dos seus ícones do mundo financista os lesaria. Pois bem, nem toda a leitura do mundo – ou talvez tenha sido exatamente excesso de certa leitura – os salvou do rombo. Talvez não tivessem o correto discernimento de que a economia especulativa era insustentável, que o castelo de cartas ia cair e continua caindo...

Enquanto os poucos rentistas que evadem divisas para o exterior estão sendo lesados por "profissionais" mais experimentados, o faxineiro do Aeroporto de Brasília, que achou um envelope de milhares de dólares no lixo e o devolveu ao dono, nos oferece um fortíssimo exemplo para reflexão. Ele, que também não lê jornais, tem uma leitura do mundo, um discernimento da realidade, que o leva a ser ético, limpo e honesto, com o dinheiro alheio, a despeito da avalanche de exemplos negativos que recebe das elites, sobretudo de financistas.

Montanhas de preconceitos elitistas também foram despejadas contra Evo Morales, o valente presidente de uma Bolívia que sai das trevas do neoliberalismo. Pois poucos sabem que Evo viveu, quando criança, em Tucumã, na Argentina, onde sua família tentou sobreviver trabalhando no corte de cana. E o menino Evo também foi reprovado na escola primária argentina, com um veredicto que deveria ser amplamente discutido hoje: os pedagogos argentinos chegaram à conclusão que Evo era inapto para o mundo letrado. Uma condenação que não levava em consideração sua condição de indígena, sua noção de tempo, sua postura frente à natureza, seu comportamento destoante das relações sociais de uma sociedade consumista e individualista, as dificuldades para pensar e escrever no idioma espanhol, que não era o seu idioma originário, a carga do preconceito e humilhações que sofreu por parte de seus colegas não-indígenas...

Hoje, o menino que havia sido condenado como incapaz para o letramento é o presidente da República da Bolívia e foi o mandatário que transformou a economia mais débil da América do Sul em "território livre do analfabetismo"! Como, então, afirmar soberbamente, de modo absoluto e mecânico, sem considerar as dialéticas do retirante Lula e do indígena Evo, que sem leitura é impossível haver o discernimento da realidade? Aliás, o próprio método de alfabetização cubano, aplicado na Venezuela, na Bolívia, em indígenas da Nova Zelândia ou no Haiti, considera que os educandos já têm acesso a um conjunto de informações que vão decodificando deste mundo complexo da idade-mídia e têm uma capacidade de discernimento, sim, razão pela qual é possível reduzir drasticamente o tempo de alfabetização, sendo o tempo, segundo Marx, a "matéria-prima mais preciosa da humanidade".

Jornalismo público e cidadão

Foi exatamente o presidente que teve menos acesso à leitura o que teve a grande sensibilidade de ver que boa parte da programação da televisão brasileira é simplesmente degradante, embrutecedora, animalizante. E criou a TV Brasil, que enfrenta seus desafios para expandir-se, consolidar-se, qualificar-se e caminha positivamente, saldando um pouco daquela imensa dívida informativo-cultural que despejou contra os brasileiros, sobre aqueles proibidos da leitura. Foi ainda o presidente que não lê que trouxe de volta, para o bem-estar da civilização, o ensino obrigatório da música e da filosofia nas escolas, abolido antes por presidentes que devoravam livros e... também direitos humanos. Villa-Lobos e Sócrates agradecem.

Enquanto isto, dos rigorosos críticos da academia jamais se ouviu um queixume sobre, por exemplo, o fato da própria Constituição de 1988 não ser acessível ao povo, não só materialmente, mas também na sua linguagem, bastante incompreensível para a grande maioria proibida da leitura. No entanto, apesar do povo jamais ter tido acesso à Constituição, há uma lei que estabelece que o conhecimento das leis é obrigatório pelo cidadão, que a ninguém é dado o direito de desconhecer a lei. Enquanto o presidente que não lê está criando instrumentos para reduzir o desequilíbrio informativo no país, além de expandir a universidade pública e multiplicar os institutos tecnológicos, ainda não se ouviu da academia uma proposta concreta para reverter este absurdo de termos uma Constituição desconhecida, de conhecimento exigido a todo um povo que não a pode ler.

Quem sabe não é chegada a hora, diante de tantas identidades entre Lula e Evo, que a decisão do presidente da Bolívia de criar um jornal público a ser editado aos milhões, com distribuição gratuita ou acessível às grandes massas pobres bolivianas, que agora já sabem ler, fosse também implementada aqui no Brasil? Sempre lembrando que o Brasil tem a maior economia da região, tem uma capacidade ociosa crônica de 50% em sua indústria gráfica, ao mesmo tempo em que tem um povo sem qualquer acesso a jornal.

É bem provável que os círculos acadêmicos que tentaram identificar uma crítica de Lula a um certo tipo de jornalismo como uma elegia à não-leitura não tenham agora razões para não apoiar a estruturação de um jornal popular público, de distribuição gratuita e massiva, aos milhões e milhões, aproveitando esta indústria gráfica semi-paralisada e os contingentes de jornalistas e escritores desempregados e sem ter onde escrever. Ao criar a Voz do Brasil, Vargas permitiu que milhões de brasileiros sem acesso a jornal e não alfabetizados tivessem acesso a informações, sobretudo alguma presença dos poderes públicos nos grotões, numa verdadeira ação radiofônica de integração nacional. Como sabemos, ainda hoje a Voz do Brasil é a única fonte de acesso de milhões de brasileiros espalhados por todos os grotões sociais, e que não lêem jornais, a informações que a maioria das rádios não difunde, a não ser naquele horário obrigatório. Eis por que a ditadura midiático-financeira trabalha para eliminar a Voz do Brasil.

Não será hora também de se criar um jornal público, popular e gratuito, livre do controle editorial da bancocracia, considerando que o mercado, por si só, dificilmente resolverá o problema de eliminar as várias proibições sócio-econômicas à leitura ainda vigentes? Obstáculos à democratização da leitura de jornal sempre haverá। Monteiro Lobato nos conta um deles. Quando, na década de 1940, procurou os poderosos proprietários de um dos maiores jornais paulistas, propondo-lhes que este diário se engajasse numa campanha para erradicar o analfabetismo, obteve uma resposta desconcertante, mas sociologicamente auto-explicativa. "Ô Monteiro, mas se todos aprenderem a ler, quem é que vai trabalhar na enxada?" Estamos em plena mudança de eras. Aquele que, para oligarquia midiática, deveria estar na enxada, está no Palácio do Planalto. Não lê jornal, mas é um dos brasileiros mais bem informados.

Por Beto अल्मीडा।

Jornalista, presidente da TV Comunitária de Brasília

10 de jan. de 2009

A causa palestina é nossa

O que vinha sendo planejado há meses, como estratégia eleitoral do primeiro-ministro Ehud Olmert, virou, com respaldo da mídia ocidental e seus “especialistas em Oriente Médio", uma compreensível reação aos foguetes lançados por militantes do Hamas contra território israelense. Trata-se de pura falácia, propaganda ideológica barata que trata uma ação de extermínio como se fosse o confronto de forças simétricas.

A ofensiva militar ao território de Gaza obedeceu a um cálculo frio de custos e benefícios. Os mais de 500 mortos até agora, sendo 87 crianças, tiveram seus destinos traçados em outubro de 2008, quando o partido governista, submeteu à apreciação do Parlamento sua dissolução e a proposta de eleições antecipadas.

Além de uma disputa parlamentar acirrada, o ataque à Faixa de Gaza é um recado ao futuro governo estadunidense. Para as lideranças israelenses não há como sobreviver sem um projeto expansionista. A sorte dos dois é indissociável da manutenção da barbárie no Oriente Médio. Sionismo e imperialismo são as duas faces de uma mesma moeda. Obama deve assimilar isso como ensinamento da Torá. Hillary lhe pode servir como excelente guia.

A hegemonia política do fundamentalismo sionista é responsável pelo emprego de métodos de guerra que são comparáveis aos utilizados por outras potências coloniais, ao longo da história, contra a população civil que resistiu à opressão. Transformar o terrorismo de Estado em política aceitável tem sido a tarefa do jornalismo ocidental. Um trabalho tão recorrente quanto a punição coletiva de um povo se mostra aceitável para as “boas consciências” ocidentais.

Mais uma vez o governo israelense, com total apoio dos Estados Unidos, pratica uma aventura bárbara e criminosa, ditada por interesses e conveniências estratégicas. Conta para isso com a cumplicidade covarde das ditaduras e monarquias árabes. As demais potências, como já destacou José Arbex Jr, em artigo para Caros Amigos, “mesmo tendo seus interesses contrariados pela política expansionista da aliança Washington/ Tel Aviv, não têm vontade política nem se sentem com força para impor qualquer limite legal"

Como já tivemos oportunidade de escrever aqui mesmo ("O Holocausto Palestino" - 08/02/2008) desde o massacre no Sul do Líbano, em 82, passando pelo sufocamento de duas intifadas, não é o terrorismo de fanáticos que Israel persegue. Na região conflagrada, o movimento palestino era o mais progressista projeto de resistência, o mais prenhe de valores da modernidade. O mais rico em termos culturais. As pedras dos jovens árabes defenderam da insanidade uma herança cara ao Ocidente. Querer reduzi-los ao Hamas e outros grupos de motivação religiosa é, com apoio logístico da mídia internacional, distorcer a realidade para ocultar contradições mais profundas. Mentir com insistência até que a inverdade assuma ares de realidade inconteste"

Para o historiador Oswaldo Coggiolla “na Faixa de Gaza são visíveis as razões para a resistência dos palestinos. Com uma população de mais de 1 milhão de habitantes, a Faixa de Gaza, chamada de "Soweto de Israel", não é um estado e não foi anexada a Israel. As forças de defesa de Israel controlam toda a fronteira. Se os moradores de Gaza quiserem sair dessa área, precisam obter uma permissão dos israelenses. Muitos palestinos - nascidos a partir de 1967 - nunca saíram da faixa, uma tripa de terra situada entre o deserto de Neguev e o mar Mediterrâneo, que mede 46 km de comprimento e 10 km de largura, aproximadamente"

Em um contexto dessa natureza qual a única forma possível de ação a um povo destituído de qualquer direito? Sem qualquer possibilidade de ser reconduzido a uma unidade territorial que nem de longe lembre a idéia de Estado?

Quando o presidente Shimon Peres rejeita a possibilidade de trégua e diz que o Hamas precisa de “uma lição real”, reafirmando que não tem qualquer interesse em reocupar a Faixa de Gaza, vem à memória a famosa fala de Itzak Rabin na Guerra dos Seis Dias, como comandante do Exército:” Não temos o objetivo de anexar qualquer terreno palestino, sírio ou egípcio. É o caso de se perguntar qual a lição real a ser extraída? A quem interessava que o conflito israelense-palestino, que tinha um caráter nacional, se transformasse em conflito religioso que atinge todo o mundo mulçumano?

Oslo e Mapa da Estrada foram elaborações frustradas pelo extremismo sionista. Em novembro do ano passado, durante a Conferência de Annapolis (EUA), o presidente da Autoridade Palestina, Mahmud Abbas, e o primeiro-ministro de Israel, Ehud Olmert, concordaram em realizar um esforço negociador para alcançar um acordo até o final de 2008. Em janeiro de 2009, agentes da ONU informam que a ofensiva terrestre israelense piorou a crise humanitária em Gaza.

Ou assumimos a causa palestina como nossa ou assumimos o papel de integrantes de uma força de ocupação que nega nossos melhores discursos. Não há meio-termo.



Gilson Caroni Filho é professor de Sociologia das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha), no Rio de Janeiro, colunista da Carta Maior e colaborador do Observatório da Imprensa.