20 de abr. de 2008

As vivandeiras rondam os bivaques dos granadeiros


Lideranças do DEM se deslocam movidas por nostalgia de caserna


Ao atacar a política indigenista do governo, o comandante militar da Amazônia, general Augusto Heleno, não cometeu apenas um ato de insubordinação, ferindo o Regime Disciplinar do Exército. Trouxe à tona, pelas reações que produziu em círculos conservadores a repreensão do presidente Lula, velhos questionamentos sobre a presença dos militares na cena política.

O que há em comum entre as notas distribuídas pelo presidente do Clube da Aeronáutica, tenente-brigadeiro Ivan Frota, pelo presidente do Clube Militar, general Gilberto de Figueiredo e o posicionamento, também através de nota, do presidente do DEM, Rodrigo Maia? O que os une além do flagrante vezo autoritário? Um pretorianismo fora de época. Uma aposta equivocada de que conflitos distributivos, tal como no passado recente, encontrariam instituições debilitadas, incapazes de acomodá-los dentro dos marcos de um Estado democrático.

A presunção do trio parece ignorar que o rico inventário das ações dos movimentos sociais comportou a construção de sólidas casamatas tanto nos centros urbanos quanto no mundo rural. E foi isso que conferiu solidez ao Estado democrático. Numa sociedade totalmente distinta da existente em 1964, Ivan Frota, Rodrigo Maia e Gilberto de Figueiredo comportam-se como criações de Luigi Pirandello: três personagens a procura de uma "crise militar".

Esquecem que o golpe de Estado veio para barrar a emergência de movimentos sociais em um contexto específico: no plano interno, as debilidades estruturais do capitalismo brasileiro, no externo, a carga ideológica de um cenário internacional marcado pela lógica da Guerra Fria. O autoritarismo e a centralização do poder político no estamento militar tiveram como substrato o sonho da “potência emergente." O desgaste e o enfraquecimento de 20 anos de ditadura tornam possível, hoje, dramatizar o seu papel político.

Assim, como interpretar a vociferação do presidente do Clube da Aeronáutica quando ele ameaça uma autoridade legítima e democraticamente eleita?: "que o presidente não se atreva a tentar negar-lhe (ao general Heleno) o sagrado dever de defender a soberania e a integridade do Estado brasileiro (...). Caso se realize tal coação, o país conhecerá o maior movimento de solidariedade, partindo de todos os recantos deste imenso país, jamais ocorridos nos tempos modernos de nossa História".

Certamente o protofascimo tem um caldo cultural. A perda de prestígio político leva um ator a exacerbar seu grau de irracionalidade. Pegar uma questão pontual, pequena e elevá-la à condição de “democracia abalada" é um expediente tão surrado quanto inútil. Quem tiver o hábito de ler os comunicados do presidente do Clube da Aeronáutica verá que o discurso é recorrente. E patético.

Quando o general Gilberto de Figueiredo considera "estranho o presidente da República pedir explicações sobre o caso. Não me consta que tenha adotado o mesmo procedimento quando ministros do seu partido contestam publicamente a política econômica do governo", deixa trair um inconformismo não muito diferente do seu colega da Aeronáutica. Na verdade, revela uma linha de raciocínio que compreende as Forças Armadas ainda convertidas em sujeitos de poder altamente coporativistas e com amplas margens de autonomia no sistema político. Em suma, mais um personagem fora do tempo e do espaço.

E o que dizer do DEM quando sua Comissão Executiva Nacional “vem a público exigir medidas efetivas contra o clima de quase insurreição que temos vivido; alertar a opinião pública para a irresponsabilidade contínua do governo no uso do dinheiro público e manifestar apoio ao comandante militar da Amazônia, general Augusto Heleno Ribeiro Pereira – ameaçado e intimidado depois que solicitou mudanças na política indigenista"?

O que temos aqui é um partido em risco de extinção, sem projeto e perfeitamente dispensável pelas duas agendas em disputa. Uma agremiação que teve a votação diminuída de 2000 a 2004 e, na proximidade de uma eleição municipal, não conta com máquina estadual para puxar votos. Suas lideranças se deslocam movidas por nostalgia de caserna. Dos tempos prestigiosos em que era Arena, depois PDS até se reciclar em PFL. É banzo de quem se veste com roupagem do presente à espera de uma "ação redentora" que lhe restitua o passado e o sentido. Para isso, açula pijamas, imaginando as vistosas fardas de outrora.

É triste, ridículo, mas não passa disso a nossa “crise militar”.

*Gilson Caroni Filho é professor de Sociologia das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha), no Rio de Janeiro, e colaborador do Jornal do Brasil e Observatório da Imprensa.


9 de abr. de 2008

CARTÕES CORPORATIVOS

Peça de surrealismo afeita à "grande imprensa"

Por Gilberto C. Marotta em 8/4/2008


Ainda é cedo para dizer se o (mal) chamado "escândalo do dossiê" irá ferir mais a ministra Dilma Rousseff e o governo Lula ou o senador Álvaro Dias e a oposição, mas de uma coisa tenho certeza: feriu, mais uma vez e gravemente, o jornalismo brasileiro. É impressionante a cobertura tendenciosa, a tentativa canhestra de transformar em escândalo o que é corriqueiro e, principalmente, de incentivar o clima de Fla x Flu político, sobretudo por Veja e Folha, o que infelizmente não constitui novidade alguma. Veja (ops!) as matérias, julgue por si mesmo. As manchetes, então, que maravilha! Ora se menciona "relatório" e "banco de dados", como diz o governo, ora e mais freqüentemente o "dossiê", como quer a oposição (a eleita e a midiática) e, muitas vezes, assim, não precedido de um cauteloso "suposto", como manda o jornalismo responsável, ou melhor, o jornalismo, simplesmente, uma vez que jornalismo verdadeiro prescinde de adjetivos.

Mas, aos fatos: houve um relatório, feito na Casa Civil. Nada extraordinário, uma vez que o governo já o admitiu. Intui-se que estava sendo feito um levantamento preventivo, tanto do ponto de vista administrativo (fossem os provocadores o TCU, elementos da própria oposição ou o diabo em pessoa) quanto do ponto de vista político, sabedor do uso sensacionalista que a oposição (imprensa, inclusive) vem tentando dar à questão dos cartões corporativos.

Pois bem. Sabemos que a oposição, para atingir Dilma e ao mesmo tempo blindar FHC, vazou, através do senador Álvaro Dias, parte desse relatório. Há que se saber, antes de qualquer coisa, se há crime no comportamento de um senador da República ao divulgar dados sigilosos ou documento público (integral ou fragmentado) sem pedir investigação ou denunciar o funcionário público autor do vazamento. No mínimo, há que se saber quais as relações de um senador da oposição com um suposto espião (prevaricador) no governo. Por nada disso a "grande imprensa" parece se interessar. Sabemos que jogo ela faz, a quem cumpre exclusiva e implacavelmente condenar ou defender.

Onde estão os "chantageados"?

Mas, bem pior que isso, o furo enorme, similar à cratera do metrô de São Paulo, é uma trupe de jornalistas (?), alguns bastante experientes, embarcar de mala e cuia na hipótese de "chantagem", quando não houve até agora um mísero cidadão que se dissesse chantageado e quando nem a imprensa, nem os parlamentares da oposição são capazes de apontar no relatório, ou em qualquer de seus fragmentos, elementos ilegais ou imorais que pudessem ser utilizados em uma chantagem. Se não há vítimas, nem elementos, onde se sustenta a acusação ao governo? Não obstante, as expressões estão lá, nas capas e nos miolos, nos horários nobres e em outros nem tanto, em grandes e pequenos caracteres: "dossiê", "chantagem"...

Produz-se, assim, mais uma peça de surrealismo tão afeita à nossa "grande imprensa" e aos dois principais partidos de oposição, o PSDB e o DEM/PFL. Todos conhecemos, aliás, a expertise dos tucanos com dossiês. Quem tem dúvida, consulte a íntegra do discurso do senador e ex-presidente José Sarney, proferido na tribuna em 20 de março de 2002, disponível no site do jornalista Luiz Carlos Azenha.

Da mesma forma, ninguém me tira da cabeça que foi forjado nos comitês tucanos o famoso dossiê que levou, em 2006, a eleição majoritária para o 2º turno. Não, não nego os aloprados. Eles existiram, meteram os pés pelas mãos e acabaram prejudicando enormemente o PT naquela ocasião. Mas foram enrolados, caíram como patinhos numa armadilha bem urdida pelos espsdbecialistas que conseguiram, de uma só tacada, prejudicar as candidaturas Lula, Mercadante e ainda – esse, o feito mais espetacular, que contou com evidente cumplicidade dos jornais – blindar Serra, banindo as fotos e vídeos de ambulâncias, comprometedores, definitivamente da mídia.

Aqui e lá, o DNA é o mesmo, vê-se pelo modus operandi: utiliza-se um suposto dossiê para carimbar no governo Lula e no PT a pecha de "chantagistas". Mas, perguntinha simples e necessária... Onde estão os chantageados e quais são as ilegalidades ou imoralidades que permitiriam a chantagem? Silêncio! O absurdo é tamanho que, mais do que nunca, cabe perguntar: que jornalismo é esse?

Pérolas a porcos

A ministra Dilma Rousseff, cuja competência, arrojo e seriedade costumam ser reconhecidos até por seus adversários mais ferrenhos, disse em alto e bom som: "Há tentativa de escandalizar o nada!" Como notou um leitor, num desses blogs da vida, haverá o momento – como houve o da "epidemia" de febre amarela, em que assistiremos ao efeito contrário, a "nadificação do escândalo", mais uma jogada de nossos showrnalistas (a expressão é do jornalista José Arbex Jr.), que pode ser resumidamente descrita do seguinte modo: no momento em que os fatos começarem a evidenciar que, das duas uma, ou as duas, o crime não foi do governo, mas sim da oposição; e que houve má-fé da imprensa no episódio, esse último "escândalo" desaparece instantaneamente das manchetes e capas sem deixar vestígios. As prioridades e artimanhas se voltarão, então, para o próximo escândalo que, seja ele qual for, terá que ser produzido.

Alguns jornalistas da blogosfera andaram fazendo levantamentos mais detalhados sobre as manifestações da imprensa no caso. Vale a pena dar uma olhada no que está publicado no blog do jornalista Luis Nassif, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, e aqui.. E por Paulo Henrique Amorim, aqui. E aqui, quentinha, a indignada entrevista da ministra ao Estado de S.Paulo (sexta, 4/4).

O resto, são pérolas aos porcos. Pregação (lenga-lenga reacionária) aos convertidos de sempre, cada vez mais desesperados com os índices de aprovação recorde do governo Lula e a destacada atuação da ministra Dilma, eventual candidata a sucedê-lo. Ao chafurdar em mais essa trapalhada, a oposição (imprensa, inclusive) credencia-se a prestar contribuição inestimável e definitiva à candidatura governista. Que venha 2010!

Leia também: O caso [ocaso] de Veja

Por Luis Nassif

5 de abr. de 2008

Quem é o pai do "dossiê"

Quem é o pai do dossiê

Por Luciano Martins Costa em 3/4/2008

Se a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, vinha sendo apontada como a mãe do suposto dossiê com informações sobre gastos do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, a identidade do pai acaba de ser revelada. Trata-se do senador Álvaro Dias, do PSDB do Paraná.

Dito assim, o caso pode dificultar o entendimento do leitor mais distraído. No entanto, essa é a verdade, segundo os jornais de quinta-feira (3/4).

O senador Álvaro Dias admitiu que conhecia o teor dos papéis que a oposição e a imprensa afirmam ser parte de um dossiê montado pelo governo para se defender das acusações de mau uso de cartões corporativos. Mas não quer contar de quem os recebeu.

A revelação de que um senador da oposição pode ter sido o responsável pelo vazamento de informações sigilosas sobre gastos do ex-presidente transformou a sessão de quarta-feira (2) da CPI dos Cartões Corporativos num verdadeiro pandemônio. A presidente da CPI, senadora Marisa Serrano, já fala até em encerrar os trabalhos prematuramente, o que agradaria ambos os lados.

Só deixaria de agradar os eleitores, que ficariam sem saber se governo e oposição estão escondendo suas mazelas comuns ou se, como na comédia de Shakespeare, tudo não passou de muito barulho por nada.

Um dilema

O fato é que a revelação de que o senador Álvaro Dias teve os papéis em mãos ainda antes de serem publicados pela revista Veja o coloca em primeiro lugar na fila de suspeitos de haver dado trânsito público a informações sigilosas. Os jornais de quinta-feira não fazem referência ao fato, mas há cerca de duas semanas ele foi acusado de tentar esvaziar a CPI.

A revelação de que ele conhecia os dados que foram publicados pela revista Veja como sendo um dossiê do governo pode explicar seu interesse em extinguir a CPI antes da hora. No entanto, a notícia levanta novas dúvidas, que os jornais de quinta-feira não respondem.

Uma delas: já que foram revelados os nomes do pai e da mãe da papelada, a imprensa poderia levar o jogo um pouco mais adiante e revelar também o nome do padrinho. Porque não deve passar pela cabeça de um jornalista que o senador Álvaro Dias repassaria um calhamaço de papéis que poderiam causar algum desconforto ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso sem antes consultar o principal interessado. Ou, pelo menos, sem informar o líder do partido no Senado.

Fica, então, a imprensa no seguinte dilema: ou o senador paranaense é leviano e futriqueiro, ou outras figuras importantes da política sabiam da história toda.

O papel da imprensa

Qualquer que seja a alternativa escolhida pelo leitor para interpretar os novos fatos, esta é uma boa oportunidade para uma discussão sobre o papel da imprensa.

Se, de fato, os papéis que o senador Álvaro Dias teve em mãos compunham um dossiê montado por gente do governo para chantagear a oposição, qual deveria ser o procedimento adequado para a imprensa? Divulgar o conteúdo, ainda que parcialmente, para satisfazer a curiosidade geral, ou investigar suas origens, sua integridade, e apresentar ao público um quadro mais completo? Afinal, não se pode perder de vista que o interesse geral é conhecer como as autoridades gastam o dinheiro público.

Se o tal dossiê não passa de uma coleção aleatória de dados, juntados para fazer barulho em proveito deste ou daquele partido, quem acaba chamuscado é o próprio jornalismo.

O leitor foi levado, nos últimos dias, a discutir um assunto importante como o controle das despesas do governo com base em informações que, conforme se sabe agora, não têm muita consistência.

Como a tendência, no jogo político, é que os impasses sejam resolvidos com a velha e tradicional pizza, o que se tem é que a imprensa, mais uma vez, criou um fato, alimentou a fogueira das vaidades e prepara a retirada de cena sem maiores explicações.

Os políticos dizem e desdizem com a mesma cara diante das câmeras. A imprensa não pode fazer isso. Afinal, credibilidade é o seu principal patrimônio.