31 de out. de 2010

Declaração de voto (2)

Antonio Ozaí da Silva

Em 2006, votei nulo. Não o fiz motivado por qualquer campanha ou em adesão aos manifestos que circulam em tempos de eleições. Era apenas expressão da minha decepção com o governo Lula, em seu primeiro mandato. Por outro lado, também expressava o meu descrédito com a política – política, bem entendido, no sentido restrito vinculado à democracia representativa baseada no sistema partidário. Foi uma decisão de cunho pessoal e individual. Certa ou equivocada, o meu juiz era tão somente a minha consciência. E, não me arrependo.

Em 2006, como hoje, eu não estava vinculado a qualquer partido ou grupo organizado que defendesse a anulação do voto. Talvez chocasse alguns dos meus alunos quando, inquirido, dizia que iria votar nulo. Deixava claro, porém, que era uma posição individual e que respeitava as opções deles. Apenas defendia o direito legítimo e democrático de não sufragar qualquer dos candidatos. Não tinha o objetivo de arrebanhar discípulos e seguidores em torno da minha atitude política – mesmo atualmente, os únicos “seguidores” que tenho são os que me seguem no Twitter!

Em 2006, eu não tinha blog, twitter e nem participava ativamente das redes sociais (Orkut, Facebook, etc.). As minhas opções políticas eram públicas, mas restritas aos artigos que publico na REA e ao círculo mais próximo de amigos, colegas e acadêmicos. Na verdade, porém, elas não estavam em discussão. Imagino que mesmo os críticos simplesmente as relegavam ao status de mais entre outras presentes no campo acadêmico. Que eu saiba, a minha decisão não teve qualquer impacto e consequência pública. Quedou conservada à esfera da minha consciência.

Em 2010, uma amiga me perguntou, de supetão, se votar nulo era uma questão de princípios para mim. De pronto, respondi: sim! Defendi esta postura publicamente quando ouvi um companheiro insinuar que eu estava “em cima do muro”. Outro disse que era “apolítico”. Li e ouvi argumentos contra o voto nulo ainda mais esdrúxulos. Por que esta grita contra os que se recusam a aceitar os limites da democracia partidária? Por que esta ira insana contra os que insistem em buscar outros caminhos para além dos partidos, dos seus candidatos e da democracia representativa? Por acaso é justo acusá-los pela eventual vitória do candidato da “direita”? Parece-me que não. Por que, então, a chantagem política contra o voto nulo?

O tempo, que é o melhor conselheiro, mostrou que a resposta intempestiva à minha amiga estava equivocada. Se no início da campanha eleitoral estava decidido a anular o voto, terminei por mudar de posição e votar no PSOL e PSTU. No 2º turno, acabei por ficar indeciso entre repetir o gesto de 2006 ou votar na candidata Dilma Rousseff.

Não obstante, chegou o momento da decisão. Ao tornar público a minha indefinição entre votar nulo ou em Dilma Rousseff, consequentemente admiti a interlocução com os que defendem uma ou outra posição. Os comentários em meu blog expressam este diálogo e os argumentos pró e contra o voto nulo. Neste período, recebi emails, dialoguei com amigos, colegas e companheiros dos velhos tempos. Assisti aos programas eleitorais e debates, vídeos e a intervenções on-line via twitcam. Li atentamente o que me foi enviado e o que encontrei na internet.

De repente, fui objeto de uma atenção que, sinceramente, não esperava. Afinal, trata-se apenas de um voto! Seja qual for a minha decisão, nunca esteve em meus planos fazer campanha. Amigos telefonaram, outros escreveram. Até fui convidado para uma reunião suprapartidária – algo inédito nos mais de doze anos que moro em Maringá(PR).

Não vou cansar os leitores reproduzindo os argumentos contra e a favor do voto nulo ou pelo voto em Dilma Rousseff. As manifestações dos partidos de esquerda (PSOL, PSTU, PCB, PCO), de grupos que militam no PSOL, entrevistas e declarações públicas do Plínio de Arruda Sampaio, dos movimentos sociais como o MST, o editorial do jornal Brasil de Fato e a declaração de José Arbex Jr., entre outros, dão bem a idéia do quanto a questão é polêmica.

Como disse outra amiga de longa data, não sou um enragé. Concordo com muitos dos argumentos dos que defendem o voto nulo, mas também fui tolerante com aqueles que tentaram me convencer do contrário. O que não aceito é o sectarismo e autoritarismo dos que almejam “convencer” com argumentos maniqueístas, catastrofistas e “culpabilizadores”; aqueles de visão tacanha que não percebem que a democracia pressupõe o direito de divergir e de oposição de esquerda ou de direita.

Claro, alguns argumentos pesaram em minha decisão. Algumas mensagens que recebi – e comentários dos leitores – foram fundamentais para a minha reflexão. Também contribuiu a leitura de O julgamento de Sócrates, de I. F. STONE (Companhia das Letras, 2007). A postura raivosa e preconceituosa de setores da classe média e de setores obscurantistas religiosos também me fizeram pensar, bem como as mentiras e calúnias durante o processo eleitoral.

Um telefonema que recebi hoje contribuiu decisivamente e foi a pá de cal sobre as dúvidas que ainda restavam. Depois desta conversa, liguei para a minha mãe e perguntei se ela ia votar. Ela respondeu que sim e reafirmou o voto na Dilma do PT. Até analisou o último debate: “Ela [a Dilma] estava nervosa no início, mas depois melhorou”. Concordei e provocativo, disse que ia anular o meu voto. Em tom bem-humorado, ela argumentou: “Na faça isso! Você já me decepcionou no primeiro turno!” Ri e disse que iria pensar.

Está decidido: votarei em Dilma Rousseff. Farei isto sem ilusões políticas e ideológicas. Mais do que um voto em Dilma, é um voto contra Serra. Parodiando o presidente Lula, recorro a uma metáfora futebolística: sou palmeirense e, portanto, visceralmente anti-Corinthians. Num campeonato de pontos corridos, porém, pode ocorrer a necessidade de, apesar de tudo, torcer pelo Corinthians. Ora, não é possível fazer isto pela metade, ou ficar contra ambos – já que a derrota do time contra o qual o arqui-rival joga interessa ao Palmeiras. Não posso, portanto, torcer pelo empate. Sou obrigado a deixar as idiossincrasias de lado e apoiar intensamente o adversário, porque a derrota do adversário comum nos interessa. Depois, a vida segue e eu continuarei sendo palmeirense e contra o Corinthians. Ou seja: é ineficaz ser contra Serra e o projeto político que ele representa sem sê-lo 100%. E isto exige ir além do ato de não votar nele, votando nulo; é preciso ser 100% contra, votando em sua adversária e, portanto, diminuir suas chances de vitória eleitoral. Depois das eleições, a vida continua e estaremos na oposição de esquerda à Dilma Rousseff.

Declaro o meu voto em respeito aos leitores deste blog e aos meus interlocutores. Não tenho o intuito de fazer campanha, nem de convencer a ninguém. Como em 2006, é uma decisão de cunho estritamente pessoal e individual. Respeito os que permanecem na defesa do voto nulo e defendo o seu direito legítimo e democrático a esta opção

28 de out. de 2010

Dona Margarida vota Dilma 13!

Antonio Ozaí da Silva

Dona Margarida, septuagenária, nem precisa comparecer à seção eleitoral, mas votou no 1º turno e está decidida a repetir o gesto neste final de semana. Ela acompanha a campanha eleitoral, assiste aos programas, debates e procura se manter bem-informada.

Fui visitá-la e, claro, ela logo puxou o assunto da eleição. Se depender dela, o Serra não se elege. Ela considera-o mentiroso e cínico. Minha mãe não se referia à escola filosófica de Diógenes Sínope (413-323 a. C.). Para esticar a conversa, brinquei: “A senhora quer dizer que ele tem mil caras?!” Ela reafirmou que o demo-tucano mente, se faz por bonzinho e é um sem-vergonha, além de arrogante. Já a Dilma… Bem, ela se desmanchou em elogios.

A opinião da minha mãe espelha bem o que os eleitores convictos da Dilma Rousseff pensam. Não há marqueteiro que consiga demovê-los da decisão de votar nela. Quanto mais a atacam, mas lhes parecem que são mentiras. E não adianta o Serra fazer cara de bom moço e de “presidente do bem”. A pecha de cinismo o acompanha!

Minha mãe não navega na internet. Imagino o quanto ela ficaria aborrecida com a boataria contra a Dilma! A rede reproduz e potencializa as fofocas da vida real. A Dona Margarida comentou que no grupo da terceira idade alguém disse que a Dilma era “sapatão”. Ela ficou irritadíssima com a boataria. E resumiu tudo na frase: “É preconceito!” Tive orgulho dela.

Não tentei demovê-la da decisão de votar na Dilma. Até porque também voto contra o Serra. Poderia, porém, argumentar que há a alternativa de votar nulo ou em branco; poderia listar uma série de razões políticas e ideológicas. Bem, estávamos apenas conversando e respeito as opiniões dela. De qualquer forma, ela me fez pensar.

Ao contrário da Dona Margarida, o meu amigo Walterego diz que vai anular o voto. Ele não milita no PSTU nem nos grupos de esquerda, organizados ou não em partidos, que defendem o voto nulo. Ele não faz campanha pelo voto nulo! Walterego também é esclarecido e tem título de doutor. Já a Dona Margarida não teve oportunidades de estudo e aprendeu a ler e fazer contas por esforço próprio, na escola da vida. Isto não desqualifica suas opiniões. Na verdade, ambos têm argumentos fortes para defender as posições políticas que consideram melhores.

O que os exemplos de Dona Margarida e Walterego mostram é que posição política nada tem a ver com educação formal e titulação acadêmica. O título universitário não indica, necessariamente, inteligência e capacidade política. Não obstante, há muito preconceito contra os pobres e pessoas humildes no que diz respeito à opção política. O preconceito é social e regional (contra os nordestinos). Ora, a atitude política não é determinada por um canudo universitário e o fato de tê-lo não torna ninguém politicamente melhor nem pior. Não é critério de avaliação política. Há muitos analfabetos políticos titulados por aí !

O meu amigo Walterego pode até votar nulo, mas duvido que ele se considere superior à Dona Margarida, aos pobres e nordestinos. Não é porque ele é doutor que sua posição política é qualitativamente melhor. Afinal, há muitos pobres e nordestinos que também votam no Serra. Os preconceituosos esquecem que ninguém se elege apenas com o voto da classe média e dos ricos. O governo Lula, aliás, foi um dos melhores para os ricos. Não estranho que muitos figurões o apóiem.

Por outro lado, boa parte da classe média divide-se entre a postura de tutela dos pobres e o preconceito social, racial e regional. A tutela também é uma forma invertida de preconceito, pois indica a desconfiança na capacidade política dos pobres. Dona Margarida, que vota em Dilma, diria: “É preconceito!” Decididamente, ela não é analfabeta política

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26 de out. de 2010

O que é exploração?

Henrique Canary

Dentro da estação de metrô Barra Funda, em São Paulo, há uma pequena casa lotérica. Ninguém nunca ganhou nada lá, mas ela está sempre cheia. O sucesso do empreendimento deve-se não à boa localização, mas ao nome: “Adeus, patrão!”. O sonho de se ver livre para sempre do trabalho imediatamente invade a cabeça dos que passam, e a vontade de fazer uma fezinha torna-se simplesmente irresistível. Vai que ganha...


Logo depois da lotérica, passa-se pelas catracas, desce-se a escada rolante e entra-se no vagão lotado. De repente, o sonho desmorona. Percebe-se que os R$ 2 da aposta foram jogados fora. É fato consumado que a maioria esmagadora de nós está condenada a trabalhar a vida inteira. Ao final de nossa existência, teremos trabalhado de 8 a 12 horas por dia, 26 dias por mês, durante 35 a 40 anos. O trabalho, nosso meio de vida, terá sugado a própria vida. Quem, nessas condições, não quer dar um adeus definitivo ao patrão e torrar uma bolada?


Mas por que todos sonham em ganhar na loteria e parar de trabalhar? É claro que o trabalho é duro, mas ele também cria maravilhas. Basta olhar ao redor. Quando trabalhamos, mesmo sem saber, somos parte de um todo único e indivisível chamado sociedade. O trabalho deveria despertar nossos traços mais humanos: a inteligência, a cooperação e a solidariedade. Por que isso não acontece? A resposta é evidente: porque na sociedade capitalista o trabalho não é a realização de nossas capacidades e talentos, mas um sofrimento a serviço do lucro. Lucro de outro, do patrão.


O trabalho sob o capitalismo

O capitalismo se carateriza por apresentar as relações entre patrão e empregado como se fossem livres e justas: o empregado não é obrigado a aceitar a proposta de emprego do patrão. E, mesmo que tenha aceito, pode abandonar o emprego a qualquer momento. O patrão, por sua vez, também não é obrigado a contratar o empregado. E, mesmo o tendo contratado, não precisa mantê-lo. Pagando algumas multas, pode demiti-lo a qualquer hora.

O contrato de trabalho também parece bastante justo: oito horas de trabalho por dia em troca de um salário que garantirá o sustento do trabalhador e até o de sua família! Pode haver troca mais justa? Mais democrática?


Começa o trabalho. As máquinas são ligadas, as engrenagens giram, as alavancas empurram. A laje é batida, o petróleo é refinado, o cós é costurado. Ao final do dia vê-se a magia do trabalho: um andar novo onde antes só havia armações de ferro, uma pilha de roupas onde antes só havia tecido, um carro onde antes só havia peças soltas, gasolina onde antes só havia óleo bruto. Criam-se assim novas riquezas que não existiam antes e que têm um valor determinado: R$ 25 mil se for um carro, R$ 25 se for uma blusa etc.


Onde está a exploração?

A ironia do sistema capitalista é que a exploração se dá exatamente através do fato mais aguardado pelo trabalhador: o pagamento do salário! O sistema salarial é o mecanismo fundamental da exploração capitalista. Se não houvesse salário, ou seja, se a retribuição ao operário pelos serviços prestados tivesse que se dar de outra forma, os capitalistas não conseguiriam explorar o trabalhador. Vejamos.


A produção média da indústria automobilística, segundo os dados da própria patronal, está hoje em 2,25 carros por trabalhador por mês. Arredondemos para dois, apenas para facilitar as contas. Isso significa que, ao longo de um mês, cada trabalhador do setor produz em média dois carros. Supondo que o valor médio desses carros, para tomar apenas os mais baratos, seja de R$ 24 mil, cada trabalhador gera, ao longo de um mês, um total de R$ 48 mil em novas riquezas antes não existentes. Suponhamos também que o salário desse trabalhador seja de R$ 2 mil e que ele trabalhe, de fato, apenas 24 dias por mês, pois folga aos domingos e em alguns sábados. Dividindo-se os R$ 48 mil pelos 24 dias em que o trabalhador trabalha, temos exatos R$2 mil. Esse é, em média, o valor gerado por um trabalhador da indústria automobilística em um único dia de trabalho. Ou seja, o metalúrgico médio de uma montadora produz em um único dia o valor de seu próprio salário mensal. Mas o contrato “justo e democrático” estabelecido com o patrão diz que o trabalhador deverá trabalhar não apenas um dia, mas sim 24 dias inteiros. Somente depois disso receberá o seu salário. Isso significa que, em um mês, o trabalhador dedica-se um dia a pagar o seu salário e nos outros 23 dias trabalha absolutamente de graça, sem nenhuma contrapartida por parte do patrão.


Ou seja, no sistema capitalista a exploração não está no fato de o salário ser alto ou baixo. Que bom seria se o problema fosse somente esse. É claro que o aumento do salário do trabalhador é um duro golpe no patrão e reduz a exploração, mas não a elimina por completo. Se o salário de nosso metalúrgico for dobrado para R$ 4 mil, ele então trabalhará dois dias para pagar o seu salário e 22 dias de graça para o patrão. Se for para R$ 6 mil, trabalhará três dias para pagar o seu salário e 21 dias de graça etc. Nenhum aumento salarial conseguirá eliminar a exploração. Sempre, independentemente do salário do trabalhador, haverá uma parte da jornada que ele trabalhará de graça. 


É claro que esse nível de exploração muda, dependendo do ramo da indústria e da profissão exercida. Algumas categorias são mais exploradas que outras, ou seja, trabalham mais tempo de graça para o patrão. Outras menos etc. Mas em toda e qualquer empresa em que os trabalhadores vendem a sua força de trabalho durante um certo tempo em troca de um salário, esse fenômeno se repetirá: trabalho gratuito para o patrão. Aí reside a “mágica” do capitalismo: que o trabalho do trabalhador gera muito mais riqueza do que ele recebe de volta na forma de salário. A diferença entre o que ele produz e o que recebe como salário chama-se mais-valia. É o trabalho não-pago pelo capitalista.


O lucro: resultado da exploração

Como se vê, exploração e lucro são coisas diferentes. O lucro apenas reflete a exploração, mas não é a própria exploração. O lucro do patrão pode ser maior ou menor em função das despesas da empresa, queda dos preços. Ou seja, é um problema de mercado. Já a exploração é mais profunda. Ela acontece no próprio ato da produção: o trabalhador, em apenas um dia, pagou o seu salário e, sem saber, continuou trabalhando mais 23 dias, crendo que ainda estava em dívida com o patrão.

Quando os trabalhadores fazem greve por aumento salarial, os patrões mostram centenas de tabelas para provar que o aumento pedido é inviável, que a empresa vai falir etc. Essas tabelas são, em geral, mentirosas, não porque as empresas não tenham despesas. Elas têm. São mentirosas porque o aumento pedido pelos trabalhadores nunca chega a afetar os compromissos assumidos pelas empresas junto a fornecedores e bancos. Os aumentos pedidos pelos trabalhadores são, em geral, bastante modestos e só afetam o lucro da empresa, ou seja, aquele dinheiro que vai limpinho para o bolso do patrão, já descontadas as despesas. Mas, como o patrão não tem a menor intenção de se desfazer desse lucro, ele tenta apresentar sua tragédia (diminuição do lucro) como se fosse a tragédia da empresa, mas são coisas bem diferentes.


Mas há uma gota de verdade nos rios de lágrimas chorados pelos patrões. E é a seguinte: de fato, as empresas não suportam um aumento significativo dos salários porque todo o sistema capitalista está baseado no trabalho gratuito dos trabalhadores. Se os trabalhadores tiverem um aumento salarial além de um determinado nível, todo o sistema vai desmoronar porque não é só o dono da fábrica que suga o sangue do operário. Também o banqueiro, o fornecedor de matéria-prima, o governo e os acionistas vivem do trabalho gratuito realizado pelo operário da fábrica. Quando o patrão fala em “pagar as despesas” ele quer dizer: “entregar a outros capitalistas uma parte do trabalho gratuito que você realiza aqui dentro de minha fábrica”.


O problema é o próprio capitalismo

Assim, vivemos em uma sociedade que vive do trabalho gratuito de uma parte da população. Essa imensa maioria, que trabalha a maior parte do tempo de graça sem saber, achando que está sendo paga, sustenta o luxo de uma ínfima minoria. Essa pequena minoria se mantém como uma classe privilegiada apenas porque é proprietária das fábricas, empreiteiras, refinarias, bancos etc. Mas como eles se tornaram proprietários? Essa é uma pergunta que nem mesmo eles saberão responder. Falarão de alguma herança, de seu “espírito empreendedor”, se enrolarão, gaguejarão, mas não conseguirão explicar a verdadeira origem de sua riqueza. E por quê? Porque sabem que sua riqueza tem origem no trabalho gratuito dos outros. E seria muito vergonhoso admitir perante toda a sociedade: “sou rico porque exploro o trabalho dos outros, porque outros trabalham de graça para mim”. Ninguém quer aparecer como sanguessuga e parasita. Não combina com a alta sociedade.


O capitalismo é, portanto, um sistema que carrega no seu próprio funcionamento a lógica da exploração. Por isso, sob o capitalismo, é impossível erradicar esse mal. O desafio de nossa classe é a destruição desse sistema e sua substituição por outro: um sistema fundado no princípio de que cada um retira da sociedade uma quantidade de riqueza proporcional ao seu trabalho. O princípio: para cada um, segundo o seu trabalho e não segundo suas posses. Em outras palavras, um sistema socialista, onde os trabalhadores sejam senhores de seu próprio trabalho e possam dizer em alto e bom som e em uma única voz: adeus, patrão! Até nunca mais! 


O papel dos sindicatos

Os sindicatos são as organizações criadas pela classe trabalhadora para lutar por melhor remuneração e condições de trabalho dentro do sistema salarial. Por isso, apenas com a luta corporativa, os sindicatos são incapazes de acabar com a exploração. Para isso, precisariam se voltar contra o próprio sistema salarial, ou seja, contra o capitalismo. Enquanto não fazem isso, sua luta é apenas para reduzir a exploração, ou seja, uma luta dentro do sistema. Essa batalha é fundamental, afinal, faz muita diferença trabalhar 36 ou 44 horas por semana, ganhar R$ 1 mil ou R$ 2 mil por mês. Mas é importante que todo ativista e lutador social entenda essa limitação dos sindicatos, que, pelo menos hoje, não estão voltados para uma luta contra o próprio sistema, ainda que sejam muito combativos e suas direções estejam de verdade ao lado dos trabalhadores.


De qualquer forma, os sindicatos têm um enorme papel. Todo sindicato, por exemplo, deveria fornecer aos trabalhadores informações claras que permitissem calcular com precisão a taxa de exploração de determinada categoria, a quantidade de tempo que se trabalha de graça nesta ou naquela empresa. Isso pode ser feito em qualquer ramo: na construção civil, estabelecendo-se o valor médio do metro quadrado construído, o salário e a produtividade média de cada operário; no sistema bancário, determinando-se o volume de taxas bancárias e juros recolhidos pelos bancos em contraposição ao salário médio do bancário etc.


É fundamental que os trabalhadores cobrem essas informações de seus sindicatos. A consciência de que os trabalhadores trabalham uma parte da jornada de graça é o primeiro passo para uma consciência verdadeiramente classista, socialista e revolucionária.
 


Fonte: AQUI

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24 de out. de 2010

Fotos da Manifestação/Ato Público dos Profissionais da Educação da Rede Municipal de Campos no último dia 21/10

Imagens do Ato Público, realizado pelos profissionais da educação municipal de Campos dos Goytacazes, no último dia 21/10.


*Exigimos respeito!
Estamos indignados com a ausência de transparência na aplicação dos recursos do FUNDEB (mínimo de 60% da verba na remuneração mensal do profissional da educação).

*Eu quero votar!

Pela realização de eleição para diretores de escolas. Basta de indicação política!

DIRETAS JÁ!

*Basta de contratados!
Convocação dos aprovados do concurso de 2008, para suprir imediatamente a carência existente na rede municipal de educação.

* Plano de Cargos, Carreira e Salários (PCCS)
Aplicação do Plano e Cargos (enquadramento por formação acadêmica; inclusão dos animadores culturais e auxiliares de secretaria, etc.);

Fotos: Fabiano Seixas
Clique aqui e veja mais fotos da Manifestação/Ato Público dos Profissionais da Educação da Rede Municipal de Campos no último dia 21/10. 

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23 de out. de 2010

Esvaziado, Estatuto da Igualdade Racial entra em vigor

O texto perdeu quatro dos artigos considerados mais importantes por diversos setores do movimento negro


 Aprovado pelo Senado em 16 de junho deste ano, o Estatuto da Igualdade Racial entrou em vigor nesta quarta-feira (20). Quando foi aprovado, diversos setores do movimento negro se posicionaram contrários à sanção pelo presidente Lula. A resistência se deu devido às alterações no texto original, que excluiu reivindicações históricas.

O Projeto foi apresentado pelo senador Paulo Paim (PT) e tramitou por uma década no Congresso. O texto perdeu quatro dos artigos considerados mais importantes. Entre eles, a previsão de cotas para negros nas universidades federais e escolas técnicas públicas. O incentivo fiscal para empresas que contratarem negros também foi excluído do projeto, junto à reserva de vagas em produções da televisão e do cinema e em partidos políticos.

A proposta de implantação de políticas de saúde voltadas para o combate a doenças com maior incidência entre os negros também foi rejeitada. Dentre essas enfermidades, a anemia falciforme é a que exige maior preocupação. As medidas aprovadas, como a que transforma a capoeira em esporte, deverão ser regulamentadas por meio de decretos e legislações complementares.
http://www.brasildefato.com.br/node/4476
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17 de out. de 2010

Porque há um silêncio que ensurdece

Do Blog do Miro

Reproduzo artigo enviado pelo amigo Démerson Dias. Discordo, no geral, da sua leitura sobre o governo Lula, mas penso que o texto ajuda a reflexão crítica num setor da esquerda brasileira:

E o venerável Cardeal disse que vê

Tanto espírito no feto

E nenhum no marginal

...

E quando ouvir o silêncio sorridente de São Paulo

Diante da chacina

Caetano e Gil, “Haiti”



O processo eleitoral, neste segundo turno, transitava pela dúvida sobre quem seria o melhor gestor capitalista para o Brasil. Até que, alavancada pela vitória de Geraldo Alckmin no primeiro turno para o governo de São Paulo, ressurge com estardalhaço uma vetusta organização política fascista chamada Tradição, Família e Propriedade (TPF, entidade católica que figurou entre os que patrocinaram o golpe de 64).

O governo Lula é neoliberal, mas a TFP, talvez, depois dos skinheads, é o que há de mais fascista neste país. Trata-se de um setor que, de maneira geral, tinha sido derrotado por nós por ocasião da tênue reconstrução democrática.

Enquanto a discussão se dá entre o neoliberalismo condescendente de Lula e o neoliberalismo enrustido dos tucanos (ou o contrário, talvez), a opção é pelo tipo de algoz que preferimos. O estilo a la tucanato é de um algoz que tortura sem rodeios, a sangue frio. Já a plataforma lulista é a de um algoz “esclarecido”, que tortura um pouquinho e depois nos manda à enfermaria, para retomar a tortura mais tarde.

E isso não é um elogio a Lula; seu neoliberalismo é mais cruel, pois dá a nós, trabalhadores, apenas uma sobrevida, enquanto reserva, para o capital, condições nababescas. Como o capitalismo não existe sem suas contradições, o populismo de Lula nos preserva a possibilidade da esperança – não no governo, mas na insurgência, claro.

Em outras palavras, com Serra o povo paga pelo neoliberalismo e ainda morre à míngua; com Dilma, ele pode assistir na TV, durante o jantar, à espoliação de suas riquezas. E ainda comentar por torpedo, ou redes sociais, com os amigos.

Ocorre que por via oblíqua, ou desavisadamente, Lula acaba retificando, na prática, seu caráter de conciliador de classes. Como fosse um capricho da história a alguém que a renega, Lula abre a possibilidade de rompermos o ciclo machista no comando do país (isso não é o mesmo que nada entre nós), e acaba até por render homenagem aos lutadores do Brasil, quando indica a sua sucessão uma mulher que foi às armas contra a ditadura e reivindica esse passado (convenhamos, não no plano histórico, mas pessoalmente é mais do que fez Lula, que renega a esquerda).

A crise à direita é tamanha que somente uns poucos tolos conseguem erguer ilações machistas. O que vai doer mesmo, na própria carne, é que, em primeiro lugar, a direita não tolera os pobres – esses mesmos pobres que busca manipular por meio de seus funcionários fascistoides, invocando fantasmas e demônios para associá-los a Dilma. Há que se convir que a legitimidade do governo Lula é fruto de um assistencialismo turbinado e efetivo.

A segunda provocação é ainda mais intolerável, ao se invocar o passado guerrilheiro, alguns reacionários criminalizam “Estela” pelo assalto aos dólares de um corrupto contumaz paulista. Indagam pelo destino dos recursos nas mãos dos guerrilheiros, mas relevam sua origem (ou seja, há crimes que se toleram e outros que não, a depender de quem os comete). O ataque a Dilma vem se dando, portanto, pelas poucas virtudes existente dentro governo Lula.

O cerne da questão, contudo, não reside aí.

A plataforma que impulsiona a entrada da TFP nesse cenário é o Plano Nacional de Direitos Humanos (PNDH). Lembremos que a maioria dos indicados por Lula ao STF endossou a anistia aos torturadores. Ou seja, o governo Lula é tímido em relação à questão dos direitos humanos.

Para os que legitimam as truculências e os assassinatos da ditadura, a ampliação de garantias contida no PNDH3 é inadmissível. Além de absurdo, é trágico criminalizar o aborto, na medida em que, entre os crimes cometidos, incluem-se estupros. Que legitimidade possuem os que acoitam estupradores para criminalizar o aborto?

Além disso, trata-se de um segmento que considera que o direito à propriedade de uns poucos tem primazia sobre o direito à existência digna dos demais.

O governo Lula não merece meu voto, mas a TFP não admite meu silêncio. Tanto esse passado deplorável ainda é atual que, quase 50 anos depois, ainda se confrontam sobreviventes: de um lado, da truculência reacionária; do outro, da luta contra a ditadura. Não vivi aquele momento e, se o tivesse vivido, não tenho certo até onde iria. Mas não tenho absolutamente nenhuma dúvida sobre o lado ao qual me alinharia.

Há concessões que não se fazem, mas há omissões que nos aproximam da conivência. Deixar de distinguir que as semelhanças entre Dilma e Serra estão num patamar distinto do arco reacionário, que busca voltar a se legitimar no Estado brasileiro a partir da candidatura tucana, é recusar as lições da história. Se todas as direitas fossem iguais, as esquerdas também o seriam. A opção pelo “quanto pior, melhor” é tão desumana quanto reacionária.

Tais setores já demonstraram que podem perfeitamente explorar, com requintes de crueldade, a incapacidade de coesão do campo progressista. Historicamente estavam fadados a serem apenas passado, até que um ligeiro solavanco os trouxe de volta à cena, novamente mandando às favas os escrúpulos da consciência.

Não se trata, portanto, de mero endosso à subordinação capitalista do atual governo, mas de perceber, justamente, que há tons de cinza nessa escala política que podem torná-la ainda mais tétrica. Subestimar adversários dessa estirpe já nos custou 30 anos de retrocesso e milhares de vidas. E é essa compreensão que nos distingue do totalitarismo.

Em resposta à TFP, voto na ex-guerrilheira. Dia 31, voto 13, contra o reascenso do campo fascista. A galopar, até enterrá-los no mar.

 FONTE: BLOG DO MIRO

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Votar nulo ou em Dilma Rousseff ?

Por Antonio Ozaí da Silva
 
Desde o início, minha posição estava definida: nem Serra nem Dilma, voto nulo. Sei que não é postura simpática. No último debate da TV Band, por exemplo, chamou-me a atenção os vários comentários críticos sobre quem opta por anular o voto. Acompanhei pela internet e, simultaneamente, o chat – que me pareceu até mais interessante do que o debate entre os candidatos, já que se limitaram a se acusar mutuamente (e quem sou eu para julgar a inocência de um ou outro?!).
Pois bem, no debate entre os eleitores que, em tese, acompanhavam o desempenho dos seus respectivos candidatos, houve quem afirmasse que votar nulo é covardia. Outro, afirmou que é falta de amor ao país. Além de outras pérolas como: “Anular voto NÃO é democracia”; “Anular o voto é ajudar a matar muita gente”; “Votar nulo é ignorância”; “Voto nulo não resolve, devemos honrar nosso país e nossa democracia!!!”; “Votar nulo é pecar por omissão”; “Votar nulo é dizer: tanto faz pra mim”; “Votar nulo ou em branco é a forma mais errada de fugir da responsabilidade e não assumir o próprio ato!!!”. Os potenciais eleitores que anularão seus votos no próximo escrutínio foram acusados de ‘antidemocráticos”, ‘cúmplices de crimes’, ‘ignorantes’, ‘covardes’, ‘irresponsáveis’, ‘omissos’ e até de ‘pecarem’!

Coitados dos meus amigos e companheiros libertários, do PSTU, PSOL e outros que, a despeito de não assumirem ideologias ‘exóticas’, decidiram anular o voto. Que será, então, do ex-candidato Plínio de Arruda Sampaio? Será que seus eleitores aceitarão democraticamente sua posição pelo voto nulo ou farão coro às críticas referidas acima?! Aliás, o tema é polêmico e não é por acaso que o PSOL dividiu-se entre o voto crítico em Dilma e a anulação do voto. A consigna “NENHUM VOTO EM SERRA!” não supera a contradição. O PCB também se definiu pelo voto contra Serra, ou seja, em Dilma. Já o MST e outros movimentos sociais reafirmaram o apoio a Dilma – desde o primeiro turno, diga-se de passagem.

A pressão contra o voto nulo é forte. Dizem até que é uma opção ‘objetivamente’ pró-Serra, isto é, que contribui para a vitória dele. Há quem considere utópico, no sentido negativo do termo. No limite, é deslegitimado o direito democrático de anular o voto e confunde-se, às vezes com má-fé, com apoliticismo.[1]

Os argumentos contra o voto nulo transcritos acima expressam opiniões que não se restringem a indivíduos isolados. Precisam, portanto, ser levadas a sério. Na verdade, são despolitizantes e mostram o grau de ‘maturidade’ política de muitos. A liberdade de decidir não pode ser prisioneira de preconceitos, moralismo e autoritarismo. A democracia pressupõe o convencimento dos outros por meios coerentes, ou seja, democráticos. Descartemos, portanto, qualquer espécie de chantagem política, moral, religiosa, etc.

Não milito em partidos, não estou submisso à disciplina partidária. Sigo a minha consciência. Leio, vejo, escuto, analiso e reflito sobre os argumentos – mesmo os mais absurdos. Continuo a defender o direito democrático e legítimo de votar nulo. Contudo, dado os rumos que a campanha eleitoral tomou neste 2º turno, tenho repensado sobre a minha posição política inicial. No momento, estou com os indecisos, com os que ainda definiram o voto.

Mas não tão indeciso! A pesquisa eleitoral caracteriza os indecisos entre os que “não sabem”.[2] Não é o meu caso. Sei muito bem que não votarei, sob qualquer hipótese, em José Serra! A dúvida está entre votar nulo ou em Dilma. Seja qual for a decisão, também tenho claro que esta não é uma luta do bem contra o mal, nem muito menos um Palmeiras X Corinthians. Aliás, se fosse uma questão futebolística seria mais fácil, pois o José Serra é palmeirense.

[1] Sugiro a leitura de: “O Direito ao Voto Nulo”, REA, nº 64, setembro de 2006, disponível em http://www.espacoacademico.com.br/064/64ozai.htm; e, “Voto Nulo – Uma outra política é possível”, REA, nº 59, abril de 2006, disponível em http://www.espacoacademico.com.br/059/59ozai.htm

[2] A primeira pesquisa do Datafolha para este 2º turno indica que 7% “não sabe” em quem votar; nulos e brancos perfazem 4%. Ver http://datafolha.folha.uol.com.br/folha/datafolha/tabs/intvoto_pres_11102010.pdf


FONTE: AQUI 

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15 de out. de 2010

Resolução da Executiva Nacional do PSOL sobre o 2º turno


Segue abaixo a resolução aprovada por 13 votos a 2 na reunião da Executiva Nacional do PSOL realizada nesta sexta-feira, 15 de outubro, em São Paulo.

POSIÇÃO PSOL SOBRE O SEGUNDO TURNO – ELEIÇÕES 2010 NENHUM VOTO A SERRA.

O Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) mereceu a confiança de mais de um milhão de brasileiros que votaram nas eleições de 2010. Nossa aguerrida militância foi decisiva ao defender nossas propostas para o país e sobre ela assentou-se um vitorioso resultado.

Nos sentimos honrados por termos tido Plínio de Arruda Sampaio e Hamilton Assis como candidatos à presidência da República e a vice, que de forma digna foram porta vozes de nosso projeto de transformações sociais para o Brasil. Comemoramos a eleição de três deputados federais (Ivan Valente/SP, Chico Alencar/RJ e Jean Wyllys/RJ), quatro deputados estaduais (Marcelo Freixo/RJ, Janira Rocha/RJ, Carlos Giannazi/SP e Edmilson Rodrigues/PA) e dois senadores (Randolfe Rodrigues/AP e Marinor Brito/PA). Lamentamos a não eleição de Heloísa Helena para o Senado em Alagoas e a não reeleição de nossa deputada federal Luciana Genro no Rio Grande do Sul, bem como do companheiro Raul Marcelo, atual deputado estadual do PSOL em São Paulo.

Em 2010 quis o povo novamente um segundo turno entre PSDB e PT. Nossa posição de independência não apoiando nenhuma das duas candidaturas está fundamentada no fato de que não há por parte destas nenhum compromisso com pontos programáticos defendidos pelo PSOL. Sendo assim, independentemente de quem seja o próximo governo, seremos oposição de esquerda e programática, defendendo a seguinte agenda: auditoria da dívida pública, mudança da política econômica, prioridade para saúde e educação, redução da jornada de trabalho para 40 horas semanais, defesa do meio ambiente, contra a revisão do código florestal, defesa dos direitos humanos segundo os pressupostos do PNDH3, reforma agrária e urbana ecológica e ampla reforma política – fim do financiamento privado e em favor do financiamento público exclusivo, como forma de combater a corrupção na política.

No entanto, o PSOL se preocupa com a crescente pauta conservadora introduzida pela aliança PSDB-DEM, querendo reduzir o debate a temas religiosos e falsos moralismos, bloqueando assim os grandes temas de interesse do país. Por outro lado, esta pauta leva a candidatura de Dilma a assumir posição ainda mais conservadora, abrindo mão de pontos progressivos de seu programa de governo e reagindo dentro do campo de idéias conservadoras e não contra ele. Para o PSOL, a única forma de combatermos o retrocesso é nos mantermos firmes na defesa de bandeiras que elevem a consciência de nosso povo e o nível do debate político na sociedade brasileira.

As eleições de 2002, ao conferir vitória a Lula, traziam nas urnas um recado do povo em favor de mudanças profundas. Hoje é sabido que Lula não o honrou, não cumpriu suas promessas de campanha e governou para os banqueiros, em aliança com oligarquias reacionárias como Sarney, Collor e Renan Calheiros. Mas aquele sentimento popular por mudanças de 2002 era também o de rejeição às políticas neoliberais com suas conseqüentes privatizações, criminalização dos movimentos sociais – que continuou no governo Lula -, revogação de direitos trabalhistas e sociais.

Por isso, o PSOL reafirma seu compromisso com as reivindicações dos movimentos sociais e as necessidades do povo brasileiro. Somos um partido independente e faremos oposição programática a quem quer que vença. Neste segundo turno, mantemos firme a oposição frontal à candidatura Serra, declarando unitariamente “NENHUM VOTO EM SERRA”, por considerarmos que ele representa o retrocesso a uma ofensiva neoliberal, de direita e conservadora no País. Ao mesmo tempo, não aderimos à campanha Dilma, que se recusou sistematicamente ao longo do primeiro turno a assumir os compromissos com as bandeiras defendidas pela candidatura do PSOL e manteve compromissos com os banqueiros e as políticas neoliberais. Diante do voto e na atual conjuntura, duas posições são reconhecidas pela Executiva Nacional de nosso partido como opções legítimas existentes em nossa militância: voto crítico em Dilma e voto nulo/branco. O mais importante, portanto, é nos prepararmos para as lutas que virão no próximo período para defender os direitos dos trabalhadores e do povo oprimido do nosso País.

Executiva Nacional do PSOL – 15 de outubro de 2010.


Entre seis ou meia dúzia: os dilemas da esquerda brasileira

"Descartada qualquer possibilidade de cogitação de Serra e sua turma reacionária (vide o seu vice), esse texto não pretende demover ninguém do voto na candidata Dilma, até porque na disputa com o tucano ela parece ser uma opção melhor. Sua pretensão é qualificar o debate, questionar as falácias que envolvem os argumentos que defendem a candidatura Dilma e afirmar que, em última instância, as duas candidaturas se encontram nos limites estreitos dos interesses do grande capital."


Presume-se construir um caráter progressista em torno de Dilma através do artifício de mostrar o conservadorismo reacionário de Serra e de acusar Marina Silva de ter se pintado de "azul-tucano". Tal como no costume antigo, os marqueteiros de Dilma usam a carantonha de seu adversário para espantar os espíritos maus. Abriremos um parêntese para deixar claro que não vamos nos ocupar, por ora, de Serra e de sua gente, pois o consideramos o que de pior temos no quadro político brasileiro, representantes de uma direita retrógrada e de triste lembrança para os brasileiros. Assim, centraremos no "outro lado".
 
Se buscarmos parâmetro para verificar quem representa quem nesse quadro eleitoral através do financiamento das campanhas, verificaremos que, "nos últimos sete meses, o PT arrecadou R$ 44 milhões, enquanto a coligação PSDB, DEM, PPS, PMN e PT do B arrecadou R$ 19,4 milhões" (Brasil de Fato, 26/08-01/09). Serão os pobres que estão financiando a campanha de Dilma?
 
Lembremos que o governo Lula foi o governo do "valerioduto"; da reforma da previdência; que colocou Meirelles no Banco Central e o "blindou", apesar das inúmeras denúncias de crime contra o sistema financeiro que o perseguiam; que contrariou setores progressistas ao favorecer o agronegócio, inclusive beneficiando as práticas produtivas que utilizam abusivamente agrotóxicos (o governo destinará 120 bilhões ao agronegócio em 2010/2011 e cerca de 20 bilhões para a agricultura camponesa); que elevou a produção do superávit primário ao longo do seu mandato para agradar ao FMI e à banca internacional; que recusou a avançar em medidas como a auditoria da dívida, o fim da DRU (a derrubada da CPMF passou a contragosto); elevação do percentual do PIB investido na educação (permaneceu praticamente o mesmo da era FHC); derrubada dos vetos de FHC ao Plano Nacional de Educação de 2001; regulamentação do Imposto sobre as Grandes Fortunas, e muitas outras.
 
Por outro lado, sobre aquele que seria o traço progressista distintivo do governo Lula, os números mostram que a "inclusão" dos pobres, ou as políticas assistencialistas, focalizadas, de "combate" (superficial) da pobreza, não afetam em nada a dinâmica da acumulação do grande capital; por isso devem ser vistas muito mais como concessões (além de irrisórias) necessárias e funcionais para a manutenção da ordem cada vez mais favorável ao grande capital.
 
Além de tudo, e o mais grave, Lula tem sido um dos maiores responsáveis pela desarticulação da esquerda e de qualquer projeto social anticapitalista, pela desmobilização, despolitização e cooptação dos movimentos sociais (vejam-se os casos da CUT, UNE etc.).
 
Para se ter uma idéia do favorecimento ao grande capital como contraface do "auxílio" à pobreza do atual governo, "só no primeiro mandato de Lula, os empresários tiveram um aumento de 400% dos seus lucros. Já o salário mínimo teve um aumento de 57% nesses oito anos" (Brasil de Fato 30/07). Por sua vez, na era FHC os bancos lucraram R$ 34,3 bilhões, enquanto que nos dois mandatos de Lula a previsão é de algo em torno de R$ 170 bilhões, ou seja, cinco vezes mais (idem).
 
As prioridades do governo Lula podem ser vistas na proporção em que se distribuem os gastos sociais e os gastos com pagamento da dívida pública. Segundo dados do IPEA, nos últimos sete anos, o governo gastou 1,27 trilhão de reais com juros. "Os gastos com juros (apenas com o pagamento dos juros), portanto, superam em oito vezes o que foi aplicado em educação e em 10 vezes os investimentos para o país crescer". Entre 2000 e 2007, o total de gastos da União com saúde, educação e investimento correspondeu a somente 43,8% do total das despesas com juros.
 
Em 2009, segundo a PNAD, o Brasil possuía 14,5 milhões de analfabetos e mais da metade dos domicílios não possuíam rede de esgoto. No entanto, o governo destinou 35,57% de seus recursos para amortizar a dívida contra 2,88% para a educação e 0,08% para saneamento. Seria aconselhável, também, darmos uma volta pelas periferias de nossas cidades e vermos a vergonha de nossas favelas e sabermos que o governo destinou 0,01% para habitação (Brasil de fato, 04/10/2010).
 
No ensino superior, criou o PROUNI, talvez inspirado num dos pais do neoliberalismo Milton Friedman, que propunha que o Estado pagasse bolsas para alunos pobres em escolas privadas. E fez muito marketing nos dois últimos anos com o Reuni, quando passou os outros seis sem maiores investimentos. Tanto que o governo FHC, de tristíssima lembrança para a educação, conseguiu abrir mais vagas para alunos em seus oito anos de governo do que Lula em seus oito (ver INEP, Censo da Educação Superior).
 
Ao tempo em que se comemora a diminuição da pobreza no Brasil, c O principal motor a acelerar essa disparidade são as altas taxas de juros que levam mais água aos moinhos do capital. abe observar que a desigualdade entre renda do trabalho e os ganhos de propriedade no Brasil são maiores hoje do que no fim da década de 1980.O ex-presidente do IPEA, Marcio Pochmann, afirma que esses dados são incompatíveis com um país civilizado. "Nas nações com menor desigualdade, a renda do trabalho varia entre 60% e 70% do PIB e, conseqüentemente, a remuneração da propriedade fica entre 30% e 40%" (http://www.brasildefato.com.br/node/2239).
 
A diminuição da desigualdade social é resultado basicamente do Programa Bolsa Família (1% dos recursos da União), cujo investimento anual não atinge 10% dos recursos destinados ao pagamento apenas dos juros da dívida pública (que foi duplicada no governo Lula e já beira os 2 trilhões de reais). Estima-se que este ano o pagamento de juros ficará em torno dos R$ 160 bilhões, quase 14 vezes mais do que o consumido pelo Bolsa Família, que atende mais de 11 milhões de famílias - todos sabem a quem beneficiam esses juros! Além do mais, a "diminuição da desigualdade" é medida entre maiores e menores salários e não entre a renda do capital e a renda do trabalho.
 
Antes de nos contentarmos com o fato de que os outrora miseráveis foram elevados à categoria de pobres - ao mesmo tempo em que ajudam a consolidar o atual estado de coisas por gratidão aos benefícios recebidos e cruzam os braços, tornando-se uma massa dócil -, seria interessante observar como funciona o mecanismo sócio-econômico nas suas diversas facetas.
 
Descartada qualquer possibilidade de cogitação de Serra e sua turma reacionária (vide o seu vice), esse texto não pretende demover ninguém do voto na candidata Dilma, até porque na disputa com o tucano ela parece ser uma opção melhor. Sua pretensão é qualificar o debate, questionar as falácias que envolvem os argumentos que defendem a candidatura Dilma e afirmar que, em última instância, as duas candidaturas se encontram nos limites estreitos dos interesses do grande capital.
 
Trata-se, para os trabalhadores, para os "de baixo", de escolher, dentre os feitores, aquele que lhes pareça menos malvado e o chicote mais brando.
 
Justino de Sousa Junior é doutor em Educação e professor na UFC;
 
Antonio Julio de Menezes Neto é doutor em Educação e professor na UFMG.
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14 de out. de 2010

Paradoxos da democracia (3)

Antonio Ozaí da Silva

Os políticos não estão nem aí com a quantidade dos votos em branco (e nulos), já que serão eleitos com base nos votos válidos, independente do total. Porém, a insistência em convencer o cidadão a votar revela a preocupação com a legitimação do processo eleitoral. Não se advoga aqui soluções autoritárias, até porque as eleições, ainda que limitada, é uma conquista das lutas pela democratização do país. No entanto, é preciso democratizar a democracia, isto é, ir além da esfera eleitoral. Mesmo neste âmbito, faz-se necessário uma reforma política que confira real poder aos eleitores, reduzidos na atualidade a legitimar o domínio dos políticos.
A democracia eleitoral se restringe a periodicamente escolhermos os que irão nos governar. Eis a nossa liberdade! A abstenção, os votos brancos e nulos também expressam a crítica ao sistema político e é um alerta aos políticos em geral quanto à sua legitimidade e a fragilidade da democracia. A não obrigatoriedade dos votos imporia uma dificuldade aos políticos profissionais: ter de convencer os eleitores de que vale a pena participar do processo. Não pode ser essencialmente democrático um procedimento que, a despeito de toda propaganda e da pressão pela participação, reduz o eleitor à opção de referendar os candidatos escolhidos pelos caciques e profissionais da política e a periodicamente legitimá-los em sua ânsia de permanecerem no poder. Nestas circunstâncias, qual é o poder real do eleitor?

Em nossa época, a política tende a ser pensada apenas em termos institucionais, isto é, vinculada às instituições do Estado. Nesta perspectiva, a ação política é reconhecida apenas quando direcionada ao Estado. A democracia representativa, por sua vez, constitui-se na forma privilegiada de intermediação entre os cidadãos e o Estado. Claro, no Estado de Direito. Fora da política partidária e do sistema eleitoral parece não haver a possibilidade da ação política. A cidadania termina por restringir-se ao direito individual do voto – igualdade jurídica – e a política torna-se a atividade por excelência do especialista, o profissional da política, o político.

Aos representados resta a opção de escolher entre os políticos que se apresentam como seus representantes. Formalmente há a possibilidade de aderir a um partido político e, em seu interior, ser escolhido para ser candidato. De fato, porém a classe política pouco se renova. Usando uma expressão cara ao leninismo, diria que a democracia representativa, fundamentada na competição entre os partidos para conquistar os eleitores, termina por formar quadros. São estes que controlam a máquina partidária e, portanto, os que têm mais chance de ocupar os postos do Estado – seja como políticos eleitos ou enquanto burocratas indicados para cargos chaves. Assim, o sistema político retroalimenta-se.

Parece não haver alternativas, mas há. A ação política também se manifesta para além da política institucional, ou seja, da política partidária. Contudo, esta também é tencionada no sentido da sua institucionalização na medida em que suas demandas têm o Estado como referência. Há a tendência à cooptação das lideranças e movimentos sociais, originalmente extra-institucionais e até contra o Estado. Paradoxalmente, o processo de fragilização de determinados movimentos sociais, e até mesmo sua ‘morte’, pode ser o resultado da conquista das suas reivindicações, na medida em que se perde a sua razão de existir. Devemos considerar, ainda, os casos dos partidos que nascem revolucionários, contra o Estado qualificado de “burguês”, mas que terminam por se adaptarem a este. A social-democracia européia é um exemplo clássico.

 FONTE AQU


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12 de out. de 2010

Paradoxos da democracia

Antonio Ozaí da Silva

Na obra 1984, de George Orwell, o Estado totalitário cria a novilíngua (newspeak). O objetivo é restringir o pensamento a partir da condensação e remoção do sentido das palavras. O controle da linguagem tem como meta o controle do pensamento. Se o vocabulário das pessoas é restrito ao básico e elementar, dificulta-se o pensar: o que não pode ser expressado em palavras, não existe. Portanto, não há como pensar sobre isto. A novilíngua expele da linguagem palavras que possam representar pensamentos errados, ou seja, críticos ou dissidentes. Se ocorrer, será tratado como uma crimidéia. 

Um dos termos da novilíngua é o duplipensar. Esta palavra se refere à capacidade de aceitar crenças contraditórias e de utilizá-las de acordo com a mudança de contextos. Assim, ainda que a nova diretriz do partido seja oposta ao que se afirmava até então, ela é racionalmente aceita a partir da lógica do duplipensar. A realidade, portanto, é amoldada à vontade do Big Brother.

Podemos aplicar o duplipensar à palavra democracia. Eis uma palavra tripudiada na história e utilizada ao bel-prazer dos interesses em disputa. Assim, derrubam-se governos democraticamente eleitos em nome da democracia; ditaduras impostas pelas armas e o apoio econômico e político do Império, falam em democracia e liberdade. No Brasil, por exemplo, uma peça de propaganda do Governo do Marechal Costa e Silva (1967-1969), afirmava: “O Brasil pode estar certo de que as Forças Armadas estão capacitadas para assegurar sua proteção contra os inimigos e salvaguardar a democracia, a liberdade e a justiça” .[1] E foi justamente este governo quem promulgou, em 13 de dezembro de 1968, o Ato Institucional nº 5. AI 5 cassou parlamentares, fechou o Congresso Nacional, instituiu o Estado de Sítio, com o direito de prorrogá-lo, suspendeu a garantia do habeas-corpus e deu liberdade ao governo federal para intervir nos Estados e municípios.

Eis um dos paradoxos da democracia: sua afirmação enquanto retórica mascara sua negação de fato.

A Constituição Brasileira de 1988, em seu Artigo 1º, parágrafo único, afirma: “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”. O fundamento do exercício do poder político legítimo é, portanto, o consentimento do povo. Mas, o que é o “povo”? A categoria universal “povo” dissimula uma realidade social desigual e contraditória. A democracia afirmada na letra da Carta funda-se sobre a igualdade de direitos: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade…”.

A afirmação da igualdade no plano formal-jurídico obscurece a desigualdade realmente existente entre os indivíduos considerados cidadãos. A cidadania estabelece o reino fictício da igualdade – perante o Estado – mas encobre a desigualdade real no plano econômico e das condições materiais de vida. A propaganda do TSE tenta nos convencer de que somos, o trabalhador sem-terra é igual ao latifundiário ou empresário do agronegócio, que os operários são iguais aos seus empregadores, que os bancários estão no mesmo pé de igualdade dos banqueiros. O que os tornam iguais? O poder do voto. Mas, será que o poder econômico não desequilibra a balança da política? E, por outro lado, em que consiste realmente o “poder do voto”? Por acaso, a maioria dos eleitores têm influência sobre a escolha dos candidatos que se apresentam periodicamente ao sufrágio? Quem escolhe os candidatos? Quem financia suas campanhas?

 [1] Ver o documentário “Cidadão Boilesen” (Brasil, 2009, 92 min. – Dir: Chaim Litewski).

Paradoxos da democracia (2)

São as estruturas partidárias quem escolhem os candidatos. E nem sempre por métodos democráticos. Na verdade, é da luta nos bastidores entre os caciques, os quadros mais proeminentes e que controlam os partidos, que saem os candidatos impostos “democraticamente” à massa dos filiados. No caso do PT, foi o poder de influência de um único indivíduo que impôs a candidatura da senhora Dilma, até então desconhecida do grande público. Lula criou o seu avatar, o partido abençoou e pede-se aos eleitores que a consagrem. Mesmo nos partidos à esquerda do PT, o processo não é muito diferente. Se não há uma liderança que se imponha, os quadros partidários digladiam-se ‘democraticamente’ para escolher o candidato (a disputa no interior do PSOL, por exemplo, foi ferrenha). E há os eternos candidatos…
Em suma, é-nos dado o direito de escolher entre os escolhidos. Assim, a democracia é a democracia dos partidos. O poder do eleitor é negado no princípio do processo. Ele tem a ilusão de decidir, mas sua decisão se limita aos produtos que lhe são oferecidos. Ele é reduzido a um consumidor da política. Quem tem o poder de fato são os líderes e a burocracia dos partidos. O voto nos escolhidos fortalece o poder burocrático e dos que controlam o poder de candidatar-se ou bancar candidatos. O processo retroalimenta-se.

A ênfase no poder do voto individual dilui o poder real de intervenção política. Uma das peças publicitárias do TSE, dirigida aos jovens, apresenta uma passeata sem som, na qual se lêem os slogans “Queremos ser ouvidos” e “Queremos voz”. Ao entrar o áudio, uma voz afirma: “Faça o seu título de eleitor, seja ouvido”.[1] A idéia apregoada é que sem o título de eleitor não seremos ouvidos. Ora, invertem-se os valores e deforma-se a história. Na verdade, é a voz das ruas, passeatas, protestos, etc., com a participação de jovens, adultos, movimentos sociais organizados, que se faz ouvir. Inclusive para conquistar o direito de votar, o fim da ditadura civil-militar e a democratização do país. O sufrágio universal, que inclui os jovens entre 16 e 17 anos, é uma conquista das lutas sociais e não o contrário. A propaganda do TSE reduz a democracia à posse do título, como se esta fosse a única maneira de “ser ouvido”, ou, pelo menos a forma privilegiada.[2]

Outro vídeo do TSE esclarece o significado do voto na legenda e enfatiza que votar em branco é desperdiçar o voto (a imagem mostra o ‘voto’ jogado na lixeira).[3] Desse modo, ainda que no âmbito dos procedimentos exaustivamente classificados como exercício da democracia, deslegitima-se e desrespeita-se a decisão do eleitor em não conceder o seu voto a qualquer dos candidatos apresentados ao seu sufrágio. A legislação não considera o voto em branco (ou nulo) como válido. De qualquer forma, se o voto é um direito, por que desconsiderar o direito do eleitor em votar em branco ou anular?

Na verdade, o voto branco e nulo – consciente ou não – é uma forma de dizer que não concordamos com o sistema político, ou seja, com os políticos e os procedimentos para escolha da representação. Quanto maior a quantidade de votos válidos, maior a legitimação do sistema eleitoral; quanto maior o número de votos brancos e nulos, mais fica claro a crítica às limitações da democracia em voga.

É incoerente propagar os méritos democráticos da eleição, organizada nos moldes atuais, e, simultaneamente, desqualificar o direito democrático do eleitor em não escolher partidos e candidatos à caça do seu voto. Além do mais, o voto é obrigatório. Dessa forma, obriga-se a participar do processo e, ao mesmo tempo, estigmatiza-se o voto em branco (ou nulo), comparado a lixo. A democracia não deveria garantir a liberdade de não votar?

[2] Agora, com a última decisão do supremo, o título de eleitor deixa de ser importante até mesmo para votar, já que basta a apresentação de documento de identificação oficial com foto.