26 de nov. de 2011

Os arquivos secretos da Marinha

ÉPOCA teve acesso a documentos inéditos produzidos pelo Cenimar, o serviço de informações da força naval. Eles revelam o submundo da repressão às organizações de esquerda durante a ditadura militar
Uma caixinha de papelão do tamanho de um livro guardou por mais de três décadas uma valiosa coleção de segredos do regime militar implantado no Brasil em 1964. Escondidas por um militar anônimo, 2.326 páginas de documentos microfilmados daquele período foram preservadas intactas da destruição da memória ordenada pelos comandantes fardados. Os papéis copiados em minúsculos fotogramas fazem parte dos arquivos produzidos pelo Centro de Informações da Marinha (Cenimar), o serviço secreto da força naval. Ostentam as tarjas de “secretos” e “ultrassecretos”, níveis máximos para a classificação dos segredos de Estado e considerados de segurança nacional. Obtido com exclusividade por ÉPOCA, o material inédito possui grande importância histórica por manter intactos registros oficiais feitos pelos militares na época em que os fatos ocorreram. Para os brasileiros, trata-se de uma oportunidade rara de conhecer o que se passou no submundo do aparato repressivo estruturado pelas Forças Armadas depois da tomada do poder em 1964. Muitos dos mistérios desvendados pelos documentos se referem a alguns dos maiores tabus cultivados pelos envolvidos no enfrentamento entre o governo militar e as organizações de esquerda.

FIM DO SEGREDO A caixa de papelão com os microfilmes de documentos do Cenimar. Ela foi guardada por um militar anônimo por mais de três décadas (Foto: Igo Estrela/ÉPOCA)
FIM DO SEGREDO
A caixa de papelão com os microfilmes de documentos do Cenimar. Ela foi guardada por um militar anônimo por mais de três décadas (Foto: Igo Estrela/ÉPOCA)
 As revelações mais surpreendentes estão nas pastas rotuladas de “Secretinho”, uma espécie de cadastro dos espiões nas organizações de esquerda. Fichas e relatórios do Cenimar identificam colaboradores da ditadura, homens e mulheres, que atuavam infiltrados nas organizações que faziam oposição, armada ou não, ao regime militar. Agiam dentro dos partidos, dos grupos armados e dos movimentos estudantil e sindical. O trabalho dos informantes e agentes secretos era pago com dinheiro público e exigia prestação de contas. Muitos infiltrados eram militares treinados pelos serviços secretos das Forças Armadas que atuavam profissionalmente. Outros foram recrutados pelos serviços secretos entre os esquerdistas, por pressão ou tortura. Havia ainda dezenas de colaboradores eventuais, simpatizantes do regime, que trabalhavam em setores estratégicos, como faculdades, sindicatos e no setor público. A metódica organização da Marinha juntou relatórios, fotografias, cartas e anotações de agentes e militantes.
 
Reveladores, os papéis microfilmados divulgados por ÉPOCA antecipam alguns dos debates mais importantes previstos para a Comissão da Verdade, cuja lei de criação foi sancionada recentemente pela presidente Dilma Rousseff. Aprovada pelo Congresso, a comissão foi criada com o objetivo de esclarecer os abusos contra os direitos humanos cometidos, principalmente, durante a ditadura militar. Se investigar a fundo o que se passou nas entranhas do aparato repressivo, chegará à participação de militantes de esquerda nas ações que levaram à prisão, à morte e ao desaparecimento de antigos companheiros.


Reveladores, os papéis microfilmados divulgados por ÉPOCA antecipam alguns dos debates mais importantes previstos para a Comissão da Verdade, cuja lei de criação foi sancionada recentemente pela presidente Dilma Rousseff. Aprovada pelo Congresso, a comissão foi criada com o objetivo de esclarecer os abusos contra os direitos humanos cometidos, principalmente, durante a ditadura militar. Se investigar a fundo o que se passou nas entranhas do aparato repressivo, chegará à participação de militantes de esquerda nas ações que levaram à prisão, à morte e ao desaparecimento de antigos companheiros.
O PRECURSOR José Anselmo dos Santos (ao centro, de bigode), o “Cabo Anselmo”, o mais famoso dos agentes duplos da ditadura, numa foto de 1964. Acima, uma reprodução de um documento do Cenimar, em que seu nome aparece numa lista de civis e militares invest (Foto: Arquivo O Dia)
O PRECURSOR
José Anselmo dos Santos (ao centro, de bigode), o “Cabo Anselmo”, o mais famoso dos agentes duplos da ditadura, numa foto de 1964. Acima, uma reprodução de um documento do Cenimar, em que seu nome aparece numa lista de civis e militares investigados (Foto: Arquivo O Dia)

Durante a luta armada, as acusações de traição muitas vezes determinaram justiçamentos, com a execução dos suspeitos pelos próprios integrantes das organizações comunistas. Isso aconteceu com Salathiel Teixeira, militante do Partido Comunista Brasileiro (PCB) que integrou o revolucionário Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR), dissidência do “Partidão” que migrou para a luta armada. Salathiel terminou morto por companheiros por suspeita de ter fornecido, sob tortura, informações aos órgãos de repressão. Os documentos da Marinha mostram como Maria Thereza, funcionária do antigo INPS do Rio de Janeiro e amiga de Salathiel, foi recrutada e paga para ajudar a prendê-lo em 1970. A prisão de Salathiel foi chave para a prisão de dirigentes do partido.

O Cenimar representava a Marinha na poderosa comunidade de informações do governo militar, que incluía também os serviços secretos do Exército, da Aeronáutica, da Polícia Federal e das polícias Civil e Militar. O marco inicial da estruturação dessa rede que investigava e caçava inimigos dos militares foi a criação do Serviço Nacional de Informações (SNI), em 1964, pelo então coronel Golbery do Couto e Silva, um dos homens fortes dos governos dos presidentes Humberto de Alencar Castelo Branco, Ernesto Geisel e João Figueiredo.

Para compreender bem o confronto sangrento entre as Forças Armadas e as organizações de inspiração comunista, é necessário lembrar o contexto da época. O mundo vivia a Guerra Fria, período de polarização ideológica em que Estados Unidos e União Soviética disputavam o controle de regiões inteiras do planeta. O Brasil importou o conflito internacional. O governo militar tinha o apoio dos Estados Unidos, e parte da oposição aderiu aos regimes comunistas, com forte influência de Cuba e China. O PCB se dividiu em dezenas de siglas adotadas por grupos radicais que adotaram a luta armada como instrumento para a derrubada dos militares. O PCB defendia a via pacífica para a chegada ao poder. Nem assim escapou da perseguição do aparato repressivo e muitos de seus seguidores foram mortos e desapareceram com a participação direta da comunidade de informações. Dentro do PCB sempre se soube que a ação de agentes infiltrados teve grande responsabilidade nas prisões dos comunistas. Os documentos do Cenimar revelam que um discreto dirigente do PCB em São Paulo, Álvaro Bandarra, fez um acordo com os militares em 1968 para colaborar com a caçada aos integrantes do partido.

Os documentos do Cenimar mostram ainda como agiram os espiões para ajudar no desmantelamento de algumas das dissidências do PCB. Os agentes infiltrados pela Marinha tiveram importante participação na derrocada do PCBR, da Ação Libertadora Nacional (ALN), da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), do Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8) e da Frente de Libertação Nacional (FLN). Os militantes viviam escondidos em casas e apartamentos, chamados por eles mesmos de “aparelhos”. Num tempo em que não havia telefone celular nem internet, marcavam locais de encontro, conhecidos como “pontos”, com semanas ou meses de antecedência para garantir o funcionamento das organizações. Num desses “pontos”, descoberto por um agente secreto de codinome “Luciano”, morreu Juarez Guimarães de Brito, um dos líderes da VPR, procurado pelo governo por ter comandado o lendário assalto ao cofre do ex-governador de São Paulo Adhemar de Barros.

Os arquivos da Marinha revelam também como os comunistas subestimaram a força da ditadura e cometeram erros infantis que facilitaram o trabalho da repressão. Num tempo em que os grampos telefônicos já eram comuns, guerrilheiros tramavam ações armadas e falavam despreocupadamente ao telefone. Também convidavam para participar de grupos de ação armada pessoas que mal conheciam, o que facilitou a infiltração dos agentes secretos. A fragilidade das organizações de esquerda permitiu a infiltração do fuzileiro naval Gilberto Melo em entidades do movimento estudantil no Rio de Janeiro.

A história de Gilberto guarda grande semelhança com a do mais conhecido dos agentes duplos da ditadura, José Anselmo dos Santos, conhecido por “Cabo Anselmo”. Anselmo se tornou conhecido ainda antes do golpe como presidente da Associação dos Marinheiros, um dos focos de agitação durante o governo de João Goulart, e depois se infiltrou em organizações da luta armada como informante da repressão. Gilberto passava os dias perambulando pelo restaurante Calabouço, local de encontro dos estudantes e de organização das manifestações contra o regime militar. Ele viu quando o secundarista Edson Luiz Lima Souto foi morto durante uma manifestação por policiais no Calabouço, com um tiro no peito, no dia 28 de março de 1968.

Nos dias seguintes à morte de Edson Luiz, Gilberto, conhecido no Cenimar como Soriano, participou das manifestações desencadeadas pelo assassinato, que culminaram na famosa passeata dos 100 mil, em junho de 1968, no Rio de Janeiro. Gilberto incorporou tanto o disfarce que terminou preso duas vezes. Foi espancado e torturado como se fosse um esquerdista. Nunca revelou que era agente secreto. A morte de Edson foi um dos fatos mais marcantes daquele período, que culminou com o recrudescimento da repressão pelo regime militar e a implantação do Ato Institucional Número 5 (AI-5) no final de 1968.

Os papéis microfilmados constituem um valioso acervo para a compreensão dos métodos empregados pelos órgãos de repressão. Por razões óbvias, nos registros não constam as práticas mais hediondas, como tortura, prisões ilegais, assassinatos ou desaparecimento de pessoas. Mas eles têm o mérito de expor personagens e mostrar o roteiro das perseguições aos inimigos do regime. Os relatórios do Cenimar também registram o envolvimento de oficiais da Marinha. Eles controlavam a rede de espiões espalhados pelo país, chefiavam as equipes de busca e coordenavam os interrogatórios. “Documentos que mostram relatórios de informantes, contratações e atuação direta são raros”, afirma Carlos Fico, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, um dos principais historiadores do período militar. “Provavelmente (esses documentos) deveriam ter sido expurgados. Por algum motivo, alguém os salvou.”

O expurgo mencionado por Fico foi concretizado no acervo do Centro de Informações da Aeronáutica (Cisa). O Cisa fazia o mesmo trabalho do Cenimar. Também tinha agentes e controlava elementos infiltrados em organizações de esquerda. No início do ano, o Arquivo Nacional abriu a consulta aos documentos acumulados pelo Cisa e entregues um ano antes pela Aeronáutica. Mas quem for até lá em busca de documentos como os do Cenimar vai se decepcionar. Não há nada que leve à identidade de agentes e informantes, seus relatórios, comprovantes de pagamentos, material que existe fartamente nos arquivos obtidos por ÉPOCA. Procurada, a Marinha afirmou desconhecer os documentos do arquivo secreto. “Não foram encontrados, no Centro de Inteligência da Marinha, registros pertinentes aos questionamentos apresentados”, afirmou o contra-almirante Paulo Maurício Farias Alves, diretor do Centro de Comunicação Social da Marinha.

Até hoje, a história da ditadura militar no Brasil se revelou aos poucos, em imprevisíveis divulgações de documentos, relatos contraditórios de militares e incompletas declarações dos perseguidos pelo regime militar. Menos de três décadas depois de restaurada a democracia, ainda existem importantes segredos. Nas próximas semanas, ÉPOCA publicará novos capítulos dessa história ainda desconhecida.


FONTE: AQUI

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25 de nov. de 2011

90 Anos do PCB (IV)- Do Manifesto de Agosto de 1950 ao IV Congresso

O PCB havia iniciado o processo autocrítico das ilusões constitucionais com a Declaração de Janeiro de 1948, que se aprofundou com o Manifesto de Agosto de 1950. A bandeira da revolução é novamente levantada e a questão da luta armada, como caminho para a conquista do poder, é retomada e posta na ordem do dia. O PCB inicia um rico período de sua existência, em que a luta contra o revisionismo, pela primeira vez, surgia no interior do Partido. E esta, ainda que não se desse de forma mais patente e organizada, ganhará maior dimensão. Uma demarcação mais nítida entre esquerda e direita, entre a linha revolucionária e reformista, será a base das futuras rupturas entre marxistas-leninistas e revisionistas.
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Ilustração de campanha de soltura de Elisa Branco
Na legalidade institucionalizada e com a Assembleia Constituinte, os comunistas conquistariam a maior bancada parlamentar de toda sua história, com 46 deputados e um senador, e a maioria de vereadores na capital federal. O PCB na legalidade contava com cerca de 200 mil militantes e oito jornais diários, já em 1947.
O general fascista Eurico Gaspar Dutra, como representante direto do imperialismo ianque, é eleito presidente com a missão de deter o movimento comunista no país. Rompe relações diplomáticas com a URSS e assume a ponta de lança da contrarrevolução em uma nova escalada fascista contra o povo e o PCB. Prisões e assassinatos se generalizam, comícios são dissolvidos a bala. O PCB não responde a altura aos ataques do inimigo. Apoiando-se no parlamento, o PCB pede inutilmente o impecheament de Dutra. Sem uma linha política revolucionária e organizações preparadas para resistir e combater, o PCB perde a iniciativa e não logra utilizar os acontecimentos para desmascarar o regime e preparar as massas para a luta revolucionária pelo poder.
Com Dutra se aprofunda a dominação do imperialismo ianque no país. A desnacionalização da economia e a subserviência ao USA se aceleram. Para cassar os deputados comunistas Pedro Pomar e Diógenes Arruda, que se mantinham abrigados em outras legendas a fim de utilizar a tribuna para denunciar o governo, Dutra passou a exigir atestado de ideologia para quem fosse disputar as eleições.
Diante da ilegalidade imposta e da compreensão da situação política como de tendência à fascistização e à preparação de uma nova guerra contra a URSS, o PCB inicia um processo autocrítico, para o qual teve grande importância a vitória da Revolução Chinesa em 1949, assim como a Conferência dos Partidos Comunistas na Polônia de 1947. Nesta, Andrei Zhdanov criticara os desvios de direita em que estava afundado o PCB.

Manifesto de Agosto de 1950

Na Declaração de Janeiro de 1948, Prestes levantava entre outras questões a pouca atenção às lutas dos trabalhadores rurais contra o latifúndio e a prática de "obscurecer os objetivos estratégicos revolucionários" com uma sistemática "contenção da luta de massas proletárias em nome da colaboração operário-patronal e da aliança com a burguesia progressista".
Com o Manifesto de Agosto de 1950 aprofunda-se a autocrítica, reafirmando o papel dirigente do proletariado e apontando para a tomada revolucionária do poder através da luta armada. O Manifesto propõe a formação de núcleos da Frente Democrática de Libertação Nacional - FDLN para a derrubada do governo estabelecido e o estabelecimento de um governo democrático popular.

As limitações da autocrítica

Ainda que a Declaração de Janeiro de 1948 e o Manifesto de Agosto de 1950 tenham representado um importante avanço na superação de problemas históricos, mudando a orientação política e dando fôlego à esquerda na direção do PCB, este processo autocrítico ainda encontra sérias limitações. E estas não permitirão aprofundar suficientemente a luta entre marxismo e o revisionismo — que já manifestara com as posições de Browder no continente e de Togliatti na Europa — para ir às raízes do reformismo no partido e extirpá-las da sua direção.
Neste período, três problemas fundamentais se colocavam como pedra de toque, sem os quais o PCB não poderia superar o reformismo e a ideologia pequeno-burguesa. Questões que de forma geral se achavam resolvidas na experiência vitoriosa da Revolução Chinesa, a qual é profundamente subestimada pelos comunistas brasileiros. São eles:
1 A questão da burguesia nacional e a correta relação com ela. O PCB substitui a linha oportunista de direita de unidade cega com a burguesia, pela sua negação completa. Caracteriza a burguesia em bloco como força inimiga, sem separar a grande burguesia (que por sua vez se divide em frações: compradora e burocrática, inimigas), média e pequena (genuína burguesia nacional, sendo suas alas esquerdas aliadas do proletariado e do campesinato). Sem separar suas diferentes frações, o PCB seguiu equivocadamente tomando a grande burguesia burocrática, representada por Vargas, por burguesia nacional.
2 A compreensão sobre a questão agrário-camponesa. Ainda que tenha ganhado maior ênfase, não se define corretamente seu papel na revolução brasileira, ficando assim secundarizada na estratégia do Partido, assim como sua vinculação com o problema nacional, terminando por colocar o problema da eliminação do latifúndio apenas como condição para o desenvolvimento capitalista, e não principalmente como condição para a conformação da aliança operário-camponesa, para a libertação das forças produtivas no campo, para a hegemonia do proletariado na frente única revolucionária e para a passagem interrupta da revolução democrática de novo tipo ao socialismo.
3 A questão da via e forma principal de luta, ou seja, a luta armada. É aqui, quanto à questão da linha militar, que concretiza as tarefas da revolução, e à construção do segundo instrumento da revolução, o Exército Guerrilheiro Popular (são três os instrumentos da revolução: o partido, o exército revolucionário popular e a frente única revolucionária, sendo o partido o principal), onde os problemas se revelam de forma mais clara.
O Manifesto defende que o Exército Popular de Libertação Nacional seria formado a partir da "Expulsão das forças armadas de todos os fascistas e agentes do imperialismo e reintegração em suas fileiras dos militares delas afastados por motivo de sua atividade democrática revolucionária1". Ou seja, ao passo que repudia qualquer possibilidade de aliança com a burguesia, defende a principal instituição de sustentação da grande burguesia e do latifúndio, as forças armadas brasileiras, como sendo a base de um instrumento revolucionário do proletariado.
Como bem sublinhara Mao Tsetung sobre o problema do Estado e a Revolução: "O principal é o problema da máquina estatal, isto é, o problema da destruição da velha máquina estatal (principalmente as forças armadas) e do estabelecimento de uma nova máquina estatal (principalmente as forças armadas [revolucionárias])"2.
Como a própria experiência da Revolução Chinesa afirmou, a condição para o proletariado manter a independência e hegemonia na Frente Única é possuir um verdadeiro Exército Guerrilheiro Popular, construído através de um longo progresso. A direção do PCB segue com a velha ilusão de um suposto caminho insurrecional como prevaleceu no levantamento armado de 1935.
Tais limitações mantêm o PCB ideologicamente no campo pequeno-burguês e farão com que não logre aprofundar a aplicação da linha revolucionária que estabelecera, fazendo com que oscile entre desvios de "esquerda" e de direita nos anos posteriores.
Na prática a direção do PCB mantém uma política ambígua. Ao mesmo tempo em que defende a luta armada e participa efetivamente de levantamentos armados, lança candidatos em 1950 (através de outras legendas), faz campanha pelo voto em branco nas eleições presidenciais e luta pelo retorno à legalidade burguesa.
Ademais do papel da direção oportunista de Prestes, este processo revela também a debilidade da esquerda na direção do PCB, particularmente quanto ao método de conhecimento, de estudo e de luta de linhas.
Pedro Pomar, então membro do Comitê Central, diverge da condução do processo autocrítico. Pomar discordara de que a direção do Partido passasse de uma posição a outra sem reconhecer o fundo dos desvios e as responsabilidades do Comitê Central neles. Em seguida, Pomar seria desligado da Comissão Executiva e do Secretariado Nacional e enviado para ocupar a primeira-secretaria e a secretaria de agitação e propaganda do Comitê Estadual do Rio Grande do Sul, como medida disciplinar para que "fizesse autocrítica". No princípio dos anos de 1950, integra-se ao trabalho do PCB em São Paulo, participando ativamente da direção das importantes greves operárias deste período e do acompanhamento da luta armada em Porecatu, no norte do Paraná. Depois é enviado a Moscou e só retorna em 1955; logo, não pôde participar do IV Congresso, no qual foi simplesmente destituído do Comitê Central.
Contudo, e apesar dos zigue-zagues da direção, a partir da autocrítica das ilusões constitucionais, o PCB logrará avanços importantes, desenvolvendo uma grande experiência na mobilização e organização independente das massas de uma forma geral, procurando imprimir maior combatividade nas lutas das massas. É o período de grande auge das greves operárias, particularmente em São Paulo e que darão origem a novas organizações classistas, as associações sindicais por categorias, independentes do Ministério do Trabalho. A questão agrário-camponesa ganhou importância tanto nos debates teóricos e políticos no partido, quanto na luta concreta.
Mas foi quanto à construção partidária que o PCB mais avançou. Escolas de quadros foram realizadas, preparando centenas e centenas de novos quadros. Foi a primeira vez que a direção do partido debruçou-se seriamente sobre os problemas teóricos e práticos da revolução brasileira.

Contra a agressão à Coreia

Como parte da campanha contra a preparação de uma nova agressão imperialista à URSS, o PCB lança em 1950 o movimento nacional pela proibição de armas atômicas. Em 1951 organizou o Congresso Brasileiro dos Partidários da Paz.
Com a escalada da Guerra Fria, o USA lança uma guerra de agressão contra a Coreia (1950-1953) e, em 1951, pressiona o governo Dutra para o envio de tropas brasileiras para lutar junto com as tropas imperialistas. Os comunistas levantam um grande movimento contra a agressão a Coreia e a utilização da bomba atômica e organizam um abaixo assinado com 4,2 milhões de assinaturas. A militante comunista Elza Branco é presa em uma festa popular no Vale do Anhangabaú-SP por levantar uma faixa com os dizeres: "Nossos filhos não irão para a Coreia". Ela se tornou um símbolo e alavancou o movimento de luta contra a agressão por todo país, impedindo o envio de tropas brasileiras.

A campanha "O petróleo é nosso!"

Nas eleições de 1950, Vargas é eleito, representando um duro golpe na fração compradora da grande burguesia representada por Dutra. Enquanto representante da grande burguesia burocrática, Vargas oscilará entre medidas populistas e concessões ao imperialismo, de acordo com a conveniência de seu grupo de poder. Os discursos "nacionalistas" e populistas buscavam conformar base social entre as massas populares.
Nos primeiros anos do governo, Vargas faz importantes concessões ao imperialismo ianque. Em 1952, assina o acordo militar Brasil—Estados Unidos, também autoriza a remessa anual de 5 mil toneladas de areias monazíticas para o USA. Estabelece acordo secreto com a força aérea ianque para fazer fotos aéreas do território brasileiro, com o objetivo de elaborar um "plano estratégico de defesa para todo continente". O PCB, a partir do Manifesto de Agosto de 1950, denunciará Vargas enquanto lacaio do imperialismo ianque, convocando a derrubada do governo.
A campanha pela nacionalização da exploração do petróleo no país, após desmascarar as teorias do imperialismo de que no Brasil não havia petróleo, começou no início de 1948 contra o projeto entreguista de Dutra, que pretendia entregar nosso petróleo aos monopólios ianques. Nos anos de 1949-1951 o slogan "O petróleo é nosso!" se espalha por todo o país, aglutinando um amplo movimento de massas de operários, estudantes, camponeses, mulheres, estudantes, intelectuais e artistas e a participação de importantes personalidades do país, como o escritor Monteiro Lobato.
Na zona Leste de São Paulo, operários ergueram em meio a uma praça pública uma enorme réplica de madeira de uma torre de petróleo com 18 metros de altura, na qual estava fixado um cartaz "O petróleo é nosso! Fora o imperialismo". Apesar da proibição pelo governo, outras torres como essa são fixadas em diferentes partes da cidade. Uma réplica, desta feita de metal, é instalada no bairro da Penha, com um público de nada menos que 20 mil pessoas, lá permanecendo por dez anos3.
Em 1952, o movimento popular derrota as tentativas de Vargas de criação de uma empresa de capital misto e garante o monopólio estatal na produção de petróleo, com o decreto que determina a criação da Petrobras.
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A revista dirigida pelo PCB divulgou os documentos do IV congresso do partido
Em 26 de março de 1953, o PCB dirigiu uma das maiores greves operárias da história. Durando cerca de um mês, envolveu cerca de 300 mil trabalhadores. No dia 18 de março é realizada em São Paulo a Passeata da Panela Vazia, convocada pelos comunistas, que reúne 60 mil pessoas. O PCB passa também a construir e estender um amplo trabalho feminino, dirigindo, no dia 28 de julho de 1951, o Primeiro Congresso da Federação de Mulheres do Brasil.
Em agosto de 1954 é realizada no Rio de Janeiro a vitoriosa Conferência Latino-Americana de Mulheres. Participaram desta Conferência 400 delegadas. Cerca de 100 expressivas mensagens de sindicatos, organizações profissionais e personalidades femininas foram enviadas à Conferência. O trabalho de preparação realizado no Brasil em função da Conferência deu novo impulso à organização do movimento feminino de massas. Surgiram no Brasil, nesse período, mais de 30 organizações de massas femininas operárias e camponesas.
"Tal fato foi confirmado na II Conferência de Camponeses e Assalariados Agrícolas, realizada em São Paulo, com a participação de camponesas de vários estados, eleitas como delegadas em grandes assembléias"4.

Ascenso de lutas camponesas

Entre os anos de 1948 e 1950 há um ascenso de lutas camponesas dirigidas pelo PCB. Greves de colonos de café, assalariados agrícolas, lutas combativas de arrendatários e meeiros. Destacam-se as lutas de Fernandópolis, de Canápolis, de Santo Anastácio e das usinas de açúcar na Bahia.
"No ano de 1953 o PCB realiza a I Conferência Nacional de Trabalhadores Agrícolas e Camponeses Pobres. A Conferência de Assalariados Agrícolas e Camponeses Pobres do Nordeste e a Conferência dos Flagelados no Ceará. Foram organizados Sindicatos Rurais de Colonos e de Assalariados Agrícolas e Associações de Camponeses.
No mesmo ano é realizada a II Conferência Nacional de Trabalhadores Agrícolas e Camponeses, como as conferências de sitiantes, posseiros, parceiros, meeiros e arrendatários, de colonos de café, de assalariados agrícolas da lavoura canavieira, do arroz e do cacau, etc. A Conferência tomou resoluções de alta relevância, tais como a elaboração da Carta dos Direitos e a fundação da União dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas do Brasil, ULTAB"5.
Desde janeiro de 1948, a questão agrário-camponesa passa a tomar crescente importância nos debates e ações do PCB. A experiência mais avançada e mais profunda do período será em Porecatu, no norte do Paraná. Esta será a primeira experiência concreta do PCB de organização da luta armada no campo, avançando de forma concreta a construção da aliança operário-camponesa.

A experiência da luta armada em Porecatu6

Nesta região do norte paranaense, em uma área de cerca de 4 mil hectares, desde o início dos anos de 1940, centenas de posseiros lutavam por suas terras de armas nas mãos contra grileiros, pistoleiros e a polícia. Assim como em outras regiões do país, com a valorização da terra a luta recrudesce e se radicaliza. A luta dos posseiros havia fundado duas associações de lavradores em 1944, as mais antigas organizações camponesas do país. A de Porecatu, com 270 famílias, e a de Guaraci, com 268 famílias. Em 1947, 1500 posseiros realizam uma manifestação armada em Guaraci e bloqueiam por cinco dias a estrada que liga Centenário do Sul a Porecatu.
Sob clara influência da "Declaração de Janeiro de 1948", os comitês regionais do PCB de Londrina e Curitiba tomam conhecimento dos acontecimentos e, através do dirigente comunista Manoel Jacinto Correia, preparam relatório detalhado para a direção do PCB. O Comitê Central, após receber o relatório, decide se integrar à luta dos posseiros e envia quadros (principalmente militares) e armas para a região. Os posseiros são amplamente receptivos à direção do PCB. Em novembro de 1948, formalmente os posseiros decidem pela luta armada para defender suas terras.
A direção do PCB orienta a formação de Ligas Camponesas para ampliar o movimento e impedir o isolamento. Ao longo da resistência, doze Ligas são fundadas. Comitês de apoio à luta dos posseiros são formados em diversas capitais. A luta se desenvolve e diversos grupos armados de posseiros são formados. Com o Manifesto de Agosto de 1950, a luta ganha mais força e também influencia a luta no interior da direção do PCB, que chega a levantar fundos para aquisição de armas para a formação do Exército Popular da FDLN. No início, os grupos armados realizavam apenas ações de defesa das posses ameaçadas. Com o maior desenvolvimento da luta, os grupos armados de posseiros destroem as instalações do latifúndio, justiçam pistoleiros e expulsam latifundiários, chegando a controlar uma região de cerca de 40 km².
A luta armada resiste a diversas campanhas da polícia militar e dura até 1951. A polícia não consegue derrotar a guerrilha. A direção do PCB comete erros no manejo da tática e aos poucos a luta se desmobiliza de forma organizada, sem que as principais lideranças sejam presas. Com a luta, centenas de famílias obtêm o título da terra, sendo esta a primeira vez no país que terras são desapropriadas pelo governo para "fins sociais".
O exemplo de Porecatu frutifica. Em junho de 1951, 200 camponeses do sul da Bahia resistem armados em suas terras contra a tentativa de expulsão pelo latifúndio. Em 1957, no sudoeste do Paraná ocorre outro levantamento armado de posseiros. Em 1954, a luta armada de Trombas e Formoso em Goiás, à qual o PCB também vai se integrar, encontra seu auge. A luta no interior de Goiás foi dirigida por José Porfírio e ocorreu quando os povoados de Trombas e Formoso foram atacados por pistoleiros e pela polícia militar. No final da década de 1950, toda a região estava organizada e dominada pelos posseiros, que resistiram armados à ação dos pistoleiros e policiais, derrotando suas campanhas e expulsando-os. Os posseiros se organizaram na Associação dos Trabalhadores de Trombas e Formoso, presidida por Porfírio. Devido à luta organizada dos camponeses, 20 mil títulos de terra são concedidos7.
A experiência da luta armada de Porecatu, além de ser a primeira de luta armada no campo dirigida pelo PCB, dera-se sob o impacto direto da declaração de 1948 e o manifesto de 1950. E, ainda que de forma parcial, representara a incorporação pelas massas da linha revolucionária estabelecida pelo PCB. Entretanto, em seu curso, e após sua derrota, essa experiência é profundamente subestimada. A direita na direção do PCB passará do silenciamento ao ataque à experiência de Porecatu, funcionando como arcabouço para sustentar suas posições reformistas.
O balanço profundo dos acertos e erros no movimento armado de Porecatu e suas lições serviriam para aprofundar a luta de duas linhas no interior da direção sobre o caminho da luta armada em nosso país. Combateria frontalmente as posições reformistas e fortaleceria as posições de esquerda, corrigindo os erros e limitações nas formulações desenvolvidas pelo partido.
Vejamos como a própria experiência de Porecatu fornecia importantes indicações sobre o caminho para a construção do Exército Guerrilheiro Popular com a rica experiência militar8 adquirida com a formação dos grupos armados; e sobre a própria questão da construção da Frente Única, com a formação das Ligas Camponesas e comitês de apoio a luta armada dos posseiros que foram criados nas pequenas e grandes cidades.
O erro de buscar o caminho da legalização da luta dos camponeses era o de buscar um fim institucionalizado, dentro do velho Estado. Isto se verificou tanto em Porecatu quanto em Trombas. Prevaleceu o oportunismo reformista de integrar a luta das massas ao Estado, quando deveria-se aproveitar a excelente oportunidade para formular a estratégia da generalização destas lutas nas vastas zonas rurais do país, combinando-as com a resistência popular nos grandes centros, onde a luta reivindicativa seria fortalecida com ações armadas da revolução. Isto seguramente teria aberto um novo caminho para a revolução não só no Brasil, mas em toda América Latina, onde fenômenos semelhantes estavam se gestando, inclusive fora dos partidos comunistas.

Suicídio de Vargas

As pressões do imperialismo ianque pela abertura total e, por outro lado, o aumento das lutas democráticas das massas, levam Vargas a adotar medidas populistas de viés nacionalista, a fim de fortalecer a base social do seu governo.
A fim de refrear as lutas das massas e tentar canalizá-las a seu favor, Vargas nomeia João Goulart para o Ministério do Trabalho e uma de suas primeiras medidas anunciadas é o aumento de 100% do salário mínimo, como defendiam os comunistas. Dado às tensões criadas, Goulart cai do ministério e Vargas retoma a proposta e radicaliza, ameaçando controlar a remessa de lucros dos monopólios estrangeiros.
Premido por ameaças de corrupção, por pressões dos círculos monopolistas ianques e por um golpe de Estado em curso, além do episódio do atentado contra Carlos Lacerda por um integrante de sua segurança pessoal, Vargas se mata com um tiro no peito. Na carta testamento que deixa acusa as "forças terríveis" da oposição (principalmente a UDN) e do USA. A tragédia de sua morte e o conhecimento dos termos de sua carta geram comoção nacional, provocando revoltas das massas populares que, saindo às ruas em manifestações coléricas, atacam sedes de partidos e jornais de oposição. Inclusive os jornais do PCB são atacados nas bancas de revistas com a mesma fúria lançada contra as publicações e organizações dos golpistas.
Estes acontecimentos confundem ainda mais a direção do partido que, sem compreender corretamente a questão da burguesia nacional, muda repentinamente de posição, e passa a defender Getúlio como anti-imperialista e a se aliar com seus correligionários.
Para entender o posicionamento político de Vargas é preciso compreender como a relação de dominação do imperialismo não é unilateral. Ou seja, as classes dominantes locais (os latifundiários e a grande burguesia em suas frações compradora e burocrática), ao mesmo tempo em que são lacaias, barganham seus interesses segundo a oscilação da correlação de forças no país e no mundo. Este movimento historicamente fez com que setores da burguesia nacional e do proletariado — influenciados pela linha reformista dos partidos comunistas de então — seguissem a grande burguesia burocrática principalmente, em nome de apoiar um suposto setor progressista no governo.

O IV Congresso do PCB

Meses depois do suicídio de Getúlio, o PCB realiza o seu IV Congresso (dezembro/1954 — janeiro/1955). Sua realização é um marco importante em sua história. Pela primeira vez, o partido formula seu programa de forma bem detida. As teses apresentadas serão as mais profundas já formuladas no país e expressam um maior conhecimento da realidade nacional.
Entretanto, os debates no congresso são extremamente restritos e débeis. Prevalecia o dogmatismo em questões de organização, métodos administrativos na luta interna. Isto não permitiu aprofundar o balanço do importante período de lutas vivido pelo PCB, precisamente quando este lutou por aplicar uma linha revolucionária. A linha do Manifesto de Agosto de 1950 impulsionou o partido para a luta revolucionária, porém na sua formulação limitada prevaleceu a ideologia pequeno-burguesa, numa mistura de ações revolucionárias e reformistas que culminaram em fracassos. Tudo isto dará maior força às posições direitistas que se nutriam na direção do Partido.
Tanto a linha de direita de Prestes, como a própria esquerda, que posteriormente rompeu com o reformismo, reconstruindo o PCB em 1962 (com a sigla PCdoB para diferenciar-se da organização de Prestes), afirmam que o IV Congresso fora marcado por teses esquerdistas e sectárias. Entretanto, suas posições e resoluções mantiveram no fundamental concepções reformistas da linha que ganhou força após a derrota de 1935, a da revolução nacional-democrática através da reformulação de instituições da velha ordem.
Vejamos que a imprecisão quanto à caracterização da burguesia brasileira leva ou a apoiá-la em bloco ou a tomar a grande burguesia burocrática (ligada à produção) como burguesia nacional, considerando como critério de distinção apenas seu posicionamento político aparente. O programa afirma o confisco apenas das grandes empresas e capitais ianques, eximindo as grandes empresas brasileiras que constituíam já capital monopolista. "Não serão confiscados os capitais e as empresas da burguesia brasileira. Serão confiscados os capitais e as empresas dos grandes capitalistas que traírem os interesses nacionais e se aliarem aos imperialistas norte-americanos9".
Ao tratar da dominação imperialista ianque do país como um "simples apêndice da economia de guerra dos USA"10, toma tal dominação de forma unilateral e não compreende o caráter semicolonial e o papel desempenhado pelas classes dominantes internas no país, notadamente as duas frações da grande burguesia, a compradora e a burocrática.
O programa centra na necessidade do rompimento de relações com o USA, "que impedem o Brasil de manter relações comerciais com todos os países e em prejuízo da economia nacional"11 e de forma genérica fala sobre a necessidade de se estabelecer relações com "todos outros países". Ainda no ponto 31 do programa: "Atrair a colaboração de governos e de capitalistas estrangeiros, cujos capitais possam ser úteis ao desenvolvimento independente da economia nacional"12.
Em suma, apesar de toda retórica, o programa apresentado no IV Congresso condensa as aspirações democrático-burguesas radicais, apontando para o desenvolvimento do capitalismo nacional e não da transição ao socialismo. As teses sustentam um "Desenvolvimento independente da economia nacional com a intensificação da industrialização do país13". No programa não há nenhuma menção à transição ao socialismo, transformando na prática as conquistas democrático-burguesas em objetivos estratégicos.
As mudanças no regime político propostas pelo programa se limitam às reformas democrático-burguesas, tais como a supressão do senado federal, mandato de 4 anos, voto para analfabetos e militares de baixa patente. Reformas do sistema judiciário, tributária, laicidade do Estado, erradicação do analfabetismo, etc.
O IV Congresso mantém a formulação direitista do Manifesto de Agosto de 1950 quanto a formação do Exército Nacional Popular de Libertação através da "Democratização das forças armadas e criação do exército, da marinha e da aviação nacional-populares14", da depuração de elementos fascistas das forças armadas. Isto num momento em que as forças armadas brasileiras já se achavam profundamente controladas, com o aprofundamento da subserviência ao imperialismo ianque, em especial através da formação da Escola Superior de Guerra, orientada pelo Pentágono e acordo militar Brasil-USA.
Após o Congresso, a linha de direita ganhará força no interior do Comitê Central e o PCB apoiará a candidatura de Juscelino em 1955. Caminhará para a Declaração de Março de 1958, que sintetiza as posições reformistas do revisionismo do grupo de Prestes na direção do partido, abrindo uma nova fase na história do PCB, a da ruptura com o revisionismo e da reconstrução do Partido Comunista do Brasil enquanto um verdadeiro Partido Comunista Marxista-Leninista.
Notas
1 -  Luis Carlos Prestes, Manifesto de Agosto de 1950.
2 - A Carta Chinesa. A revolução proletária e o revisionismo de Krushov. 1964. Ed. Terra.
3 -  Extraído de José Duarte Um maquinista da história. Luis Momesso. Ed. Oito de Março.
4 - Olga Maranhão. Ganhar Milhões de Mulheres Para o Programa do Partido, Intervenção no IV Congresso do Partido Comunista do Brasil — PCB. 1954.
5 - Programa do Partido Comunista do Brasil, Bandeira de Luta e da Vitória. Informe Apresentado, em Nome do Comitê Central, no IV Congresso do Partido Comunista do Brasil — PCB. Diógenes Arruda. Novembro de 1954.
6 - As informações foram retiradas do livro: Porecatu. A guerrilha que os comunistas esqueceram. Marcelo Oikawa.
7 - Entrevista com Valter Valadares, um dos organizadores do movimento em Trombas e Formoso-GO, publicada em www.anovademocracia.com.br
8 - Exemplo disto é o fato de um detalhado relatório sobre a experiência militar contendo mais de 500 páginas e que fora produzido pelos comandantes da luta armada em Porecatu e entregue a Carlos Mariguella (em nome do Comitê Central). Este relatório desaparecera sem ser alvo de debates e apreciação sistemática pela direção do PCB.
9 - Programa do Partido Comunista do Brasil, Bandeira de Luta e da Vitória. Informe Apresentado, em nome do Comitê Central, no IV Congresso do Partido Comunista do Brasil — PCB. Diógenes Arruda. Novembro de 1954.
10 - Idem
11 - Ibdem
12 - Ibdem
13 - Ibdem
14 - Ibdem

24 de nov. de 2011

Viva o glorioso Levante Popular de 1935!

A importância extraordinária da insurreição de 35 reside no fato de que pela primeira vez situou de forma concreta, em termos práticos, para os militantes comunistas e as forças populares, a tarefa da preparação e do desencadeamento da luta armada”.
(Pedro Pomar)

rebeldesb_35 Muito se tem ocultado o grande acontecimento histórico ocorrido há 74 anos sobre o solo do nosso país. Em novembro de 1935 a Aliança Nacional Libertadora, frente única antifascista dirigida pelo proletariado, lançava-se corajosamente em armas para assaltar o poder e libertar o Brasil da infinita submissão, obscurantismo e fascistização imposta pelo governo reacionário de Vargas.

Batizaram com seu ódio de classe de “Intentona Comunista” o glorioso Levante Popular. Aliás, diga-se de passagem, não é o ódio cego dos seus inimigos um índice da autenticidade e da intrepidez das manifestações das classes populares?

A Frente Única Antifascista: 


O mundo vivia uma situação dramática. As hordas fascistas preparavam-se febrilmente para a guerra e o anticomunismo raivoso era a doutrina oficial não só desses países como também de muitas ditas “democracias”. Perante o VII Congresso da Internacional Comunista o valente Jeorge Dimitrov declarou, em 1935: “A classe operária unida, juntamente com as autênticas forças democráticas dos povos, está em condições de barrar os bandidos e incendiários fascistas da guerra e, unida aos povos dos próprios países capitalistas, destruir o fascismo”. Aliás, diga-se de passagem, nesse histórico informe intitulado “A unidade da classe operária na luta contra o fascismo” a Aliança Nacional Libertadora é citada como exemplo de frente única.

No Brasil, claro, tal escalada fascista não poderia deixar de se manifestar. Logo em 1932 o escritor medíocre Plínio Salgado funda, em São Paulo, a Ação Integralista Brasileira, partido político alinhado sob a consigna “Deus, Pátria e Família”. Enquanto os comunistas são perseguidos pelo governo getulista o Manifesto de lançamento da AIB, em outubro de 1932, chegou a ter dezenas de milhões ANL_comicio_madureira_RJ de exemplares distribuídos. Sob o roto argumento de que o PCB era sustentado com o “ouro de Moscou” as camarilhas reacionárias perseguiam e massacravam nosso povo, enquanto elas é quem de fato entregavam o Brasil: ora jogando com os ingleses e os ianques, ora com os alemães. Os postos-chave no Exército e na polícia (além da Igreja, claro) eram ocupados por integralistas numa prova inconteste de que Vargas apoiou sim, na luta contra as mobilizações sobretudo operárias da época, os fascistas de cá.

Por outro lado, como ademais em todo o mundo, as massas se mobilizavam contra o fascismo. Em 7 de outubro de 1934 a Ação Integralista Brasileira programa uma manifestação “de massas”, na Praça da Sé, para saudar o “Führer” brasileiro, Plínio Salgado. O PCB, juntamente com outras correntes antifascistas, prepara a contra-manifestação. Junto aos fascistas marcha a guarda civil de São Paulo. A classe operária paulista os recebe com vaias e gritos de “Abaixo o fascismo”! Ouvem-se tiros. Três guardas civis caem. Após um princípio de tumulto os integralistas ocupam as escadarias da Catedral da Sé quando então os discursos antifascistas começam. Era a contra-manifestação do proletariado brasileiro. A polícia de Vargas intervém e começa um intenso tiroteio. Durante o combate os “camisas-verdes” são vistos em pânico, correndo pelas ruas como galinhas, e nos dias seguintes pode-se encontrar camisas verdes às centenas abandonadas pelo chão.

Para materializar a frente única contra o fascismo é fundada em março de 1935 a Aliança Nacional Libertadora. O que de melhor havia na intelectualidade brasileira, o que havia de progressista e consciente em nosso país, a ela adere. Luís Carlos Prestes, então na URSS, contando com um imenso prestígio devido aos seus feitos legendários no comando da Coluna Prestes e já membro do PCB, é eleito seu presidente de honra. Os comícios da ALN são enormes atos contra o fascismo e seus comitês estão presentes em todo o país. Em abril daquele ano Prestes chega clandestino ao Brasil, juntamente com a grande comunista Olga Benário. Pedro Pomar assim resume o programa da “Nacional-Libertadora”:

1) Suspensão em definitivo do pagamento das dividas externas, sob o fundamento de que já haviam sido pagas há muito;
2) Nacionalização imediata de todas as empresas imperialistas, ‘arapucas’ para as quais o povo trabalhava sob terrível exploração;
3) Proteção aos pequenos e médios lavradores; entrega da terra dos grandes proprietários aos camponeses e trabalhadores que as cultivavam, visto serem seus únicos e legítimos proprietários;
4) Gozo das mais amplas liberdades pelo povo, nele incluídos os estrangeiros; e
5) Constituição de um governo popular orientado somente pelos interesses do povo brasileiro.

Sem dúvida o Partido Comunista, apenas 13 anos após a sua fundação, já se preparava audazmente para a tomada do Poder com as armas nas mãos. Em seu livro “Cavaleiro da Esperança” Jorge Amado cita a chegada ao Brasil do dirigente comunista alemão Berger para acompanhar os preparativos da insurreição. Berger, aliás, vinha da China aonde acompanhou a epopéia da revolução chinesa. Após a derrota, Berger e sua esposa são presos e o alemão é, segundo Jorge Amado, “o homem que mais sofreu com as torturas da polícia varguista”. Quando em julho o governo reacionário de Vargas decreta a ilegalidade da ANL o Partido, segundo Pedro Pomar, “apressou o desfecho da ação armada e lançou a palavra de ordem de Governo Nacional Popular Revolucionário, com Prestes à frente".

O Levante e suas lições:

Assim, em 23 de novembro, tem início o levante em Natal, Rio Grande do Norte. Cabos, sargentos e soldados do Exército se levantam e, acompanhados por operários, camponeses e estudantes iniciam o movimento armado. A bandeira vermelha é erguida triunfante e, naquele dia, pela primeira vez na nossa história, uma parte do território nacional é decretada dirigida por um governo popular e prestes revolucionário. “Participam do governo provisório o sapateiro José Praxedes, encarregado de aprovisionamento; o sargento Quintino Clementino de Barros, da Defesa; o funcionário público Lauro Cortes do Lago, do Interior; o estudante João Galvão, da Viação; e o funcionário dos Correios e Telégrafos José Macedo, das Finanças. As medidas iniciais adotadas pelo governo revolucionário destinaram-se a baratear os preços dos gêneros alimentícios e das tarifas dos transportes, a moralizar a administração pública, a mobilizar forças para o prosseguimento da luta armada.", relata Pomar.

Na madrugada de 27 de novembro levanta-se, no Rio de Janeiro, o Terceiro Regimento de Infantaria e o Regimento da Escola de Aviação. Devido à traição o governo já estava preparado para o acontecimento e consegue, além de isolar os insurretos do apoio da maior parte da população, concentrar forças muito superiores contra aqueles. O Regimento de Infantaria rebelado foi bombardeado por artilharia e aviação,e reduzido a escombros. Após 4 dias de heróica resistência cai também o movimento em Natal. Apesar da tenacidade, da intrepidez e do espírito inaudito de sacrifício dos comunistas e democratas aliancistas o Levante é derrotado.

Vargas decreta então Estado de Sítio. A propaganda raivosa (na verdade contendo medo da força do povo) anticomunista é de uma vez por todas doutrina oficial. Os revolucionários são fuzilados, encarcerados, perseguidos e nas prisões faltam lugares para tantos lutadores. Mergulha o país no terror negro. A valentia e o heroísmo demonstrado nesses dias, contudo, e nos anos posteriores, são ao lado de tanta escuridão mostra do que pode de mais valioso e radiante realizar o Homem consciente da ideologia justa que defende. Nos cárceres imundos do fascismo, no Brasil e no mundo, os lutadores sobreviviam ao terror e combatiam sempre. E combatiam sempre.

O Partido Comunista do Brasil não fará, então, um balanço sistemático da experiência. Logo o Levante, embora saudado formalmente, será esquecido e considerado equivocado quando no interior do PCB ganhar vulto uma posição direitista. Erros, não há dúvida, existiram. O decreto de ilegalidade da ANL, e a avaliação não muita precisa do que isso significava, a mobilização insuficiente das massas para o Levante (sobretudo da população camponesa) são questões que Pedro Pomar apontaria.

Mas com os erros devemos aprender e jamais negar de forma absoluta e unilateral as nossas experiências. O Levante Popular de 35, com todo o heroísmo e perspectiva histórica que encerra, é um marco histórico do proletariado brasileiro e seu Partido que ainda jovem ousou desafiar o imperador. O significado dessa iniciativa, tão cuidadosamente ocultado, quando muito torpemente caluniado, somente no futuro poderá ser devidamente esclarecido a todo nosso povo e colocado em seu devido lugar, indelével memória que nos cabe honrar.



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22 de nov. de 2011

O Programa de Transição de Trotsky

Introdução

O texto em análise neste trabalho é não só um marco histórico para a IV Internacional Socialista, como é também um documento que expõe de forma sucinta os principais vectores do pensamento de Trotsky.

Redigido em 1938, este documento, entre outros, valeu ao seu autor o cognome de profeta, título dado à sua mais conhecida biografia da autoria de Isaac Deutscher, pois previu com alguma exactidão a II Grande Guerra e criou uma forma de intervenção politica que viria a ser útil no clima pós-guerra, sobretudo aos países da América Latina e outros subjugados ao colonialismo e/ou capitalismo periférico; previu ainda a queda da União Soviética e outros regimes comunistas altamente burocratizados. Contudo, tal como outros pensadores políticos marxistas, cometeria erros de análise que viriam a pôr em causa a sua teoria política, nas décadas posteriores à capitulação alemã e surgimento de uma nova ordem mundial.

Este trabalho pretende assim mostrar em que medida o “Programa de Transição” de Trotsky pode ser considerado um documento de interesse para os dias de hoje e identificar também o porquê de alguns críticos considerarem este documento como um conjunto de ideias políticas que não se aplica à situação política actual.

Objectivo do Programa de Transição

Trotsky em 1938, vésperas da II Guerra Mundial, escreve o panfleto “Programa de Transição” como documento de base para a fundação da IV Internacional; esta seria uma organização internacional à semelhança das anteriores.

Nessa obra Trotsky discorre sobre a natureza do fascismo e a resposta que os marxistas deveriam dar naquele contexto. Para Trotsky, com a eminência da II Guerra Mundial, estavam criadas as condições históricas para a queda do capitalismo e consequente despoletar de uma revolução socialista a nível internacional. O autor fazia assim ressurgir a discussão em torno de um programa revolucionário que estava dividido em “Programa mínimo” e “Programa Máximo” daí se chamar “Programa de Transição”, pois pretendia combinar reivindicações intermédias do “Programa Mínimo” com medidas de carácter duradouro que levariam à implantação de uma sociedade socialista consistente.

Para além disto, Trotsky aproveita também este texto, de carácter panfletário, para reiterar algumas das suas posições políticas e tecer algumas críticas aos seus adversários políticos dentro e fora do panorama marxista.
Há também neste texto um claro repúdio pela guerra que, segundo o autor, tem a sua raiz na política imperialista dos países capitalistas mais desenvolvidos.

Contribuição de Trotsky para o Marxismo

As ideias de Trotsky sobre um partido de vanguarda, o internacionalismo, uma frente única operária ou a revolução como processo de derrube do Estado burguês são nitidamente comuns às de Lenine.
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Contudo, ao longo da obra de Trotsky, em especial no programa de transição, surgem ideias que vão para além da tradição bolchevique. Estas ideias podem ser assim entendidas como contributos inovadores para o pensamento marxista no século XX. Desta forma destaco três que têm principal importância para a análise do “Programa de Transição”: a teoria da revolução permanente, a critica à burocratização do estado (em especial o soviético) e o método próprio do “Programa de Transição”, que como veremos mais adiante, tem em si uma forma específica de execução divergente da tradição social-democrata, esta última orientada para a separação entre um “Programa Mínimo” reformista e um “Programa Máximo” socialista até certo ponto.
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O pensamento de Trotsky, numa base dialéctica, assume o capitalismo como um sistema mundial, logo um país por si só não perderia levar por diante uma revolução socialista sem que esta se estendesse ao resto do mundo de forma gradual e organizada. Por outro lado, ao contrário de outros pensadores marxistas seus contemporâneos, Trotsky também julgava ser impossível para o proletariado russo, ou de qualquer outro país subdesenvolvido, levar a cabo a revolução sem o apoio do campesinato. São estas duas ideias que estão na base da sua teoria da Revolução Permanente.

Partindo de uma análise do desenvolvimento desigual e combinado do capitalismo periférico (capitalismo em países subdesenvolvidos, em que para além da indústria ainda subsistem sistemas feudais, ou em territórios coloniais) Trotsky conclui que nestes países também a revolução terá de ser combinada articulando medidas democráticas anti-feudais, medidas nacionalistas anti-imperiais e socialistas anti-capitalistas. Assim sendo, só uma revolução social contando com o apoio dos camponeses, sob a hegemonia do proletariado, poderia levar a cabo um conjunto de tarefas que passava pela abolição das ditaduras e regimes absolutistas, unificação e independência (no caso das colónias), reforma agrária, colectivização dos meios de produção, etc.
Assim se entende como é que a teoria da Revolução Permanente teve especial aceitação em países dependentes e subdesenvolvidos como os da América Latina na década de 1930.

Outra ideia relevante de Trotsky é a sua crítica à degeneração burocrática do Estado. Para Trotsky, o problema da burocracia não estava só na lentidão da administração pública ou no número de funcionários; para ele o problema era mais grave pois assumia o papel de classe, isto é, a teia de vínculos, amizades e privilégios criada pelos burocratas dava origem a uma “casta superior” desertora da classe operária. Esta nova classe já não tinha contacto com a classe operária e caminhava a passo largo para o restabelecimento do capitalismo. Esta ideia desenvolvida no livro “Revolução Traída” aparecia como que uma profecia para a queda do estado soviético em 1989.

O terceiro contributo para o pensamento marxista, como referi anteriormente, é o método de execução do “Programa de Transição”, que tem como ponto de partida a filosofia da praxis de Marx e a experiência da revolução de Outubro e das lutas sociais levadas a cabo nos anos seguintes.


O Programa de Transição e o Manifesto Comunista

Tal como o “Manifesto Comunista”, redigido em 1848 por Marx e Engels, serviu de texto base à I Internacional Socialista, o “Programa de Transição” surge como manifesto político da IV Internacional fundada em 1938.

Ambos são considerados documentos históricos que reflectem até certo ponto uma determinada conjuntura, ou seja, estão condicionados à realidade política da época em que foram escritos. Comum aos dois documentos é também o facto de exporem algumas ideias fundamentais do marxismo revolucionário. Existem muitos aspectos comuns entre os dois documentos; os dois procuram unidade entre a teoria e a prática, ambos fazem uma análise da realidade e perspectivam uma mudança revolucionária, definem um programa que parte de reivindicações imediatas para oferecer um projecto de luta contra o capitalismo, são também altamente marcados pelo internacionalismo e claro está, tanto um como outro almejam a realização de uma sociedade comunista.

No caso do “Manifesto Comunista”, no final do capítulo “Proletários e comunistas”, são expostas dez tarefas a serem levadas a cabo após a revolução. No caso do “Programa de Transição” são expostas tarefas da luta revolucionária para preparar o derrube do capitalismo. O “Programa de Transição” não dá nenhuma indicação sobre o que fazer após a revolução socialista, daí o facto do autor o considerar um texto inacabado.


Programa Mínimo e Programa de Transição

Para Trotsky a divisão social-democrata entre “Programa Mínimo” e “Programa Máximo” teria de ser abandonada. O autor considerava que o “Programa Mínimo” limitava-se a propor reformas que poderiam ser feitas no seio da sociedade burguesa sem a derrubar ou alterar profundamente. Já o “Programa Máximo” seria um esboço de programa socialista debilmente definido. Esta divisão escondia o problema da tendência defensiva dos sociais-democratas que os levava a só defender o “Programa Mínimo” fazendo do “Programa Máximo” um “programa para os dias de festa”.

É daí que surge, na óptica de Trotsky, a necessidade de elaborar um programa que combinasse as reivindicações imediatas do “Programa Mínimo” com reivindicações de transição, isto é revindicações que seriam formuladas para realmente combater o capitalismo passo a passo. O “Programa de Transição” surgiria assim como uma ponte para o socialismo. Este método é inovador para a época embora o conteúdo, ou seja, as reivindicações em si, não sejam de todo novas por entre os marxistas.

O “Programa de Transição” não se apresenta como uma forma de reformar o capitalismo, mas sim como uma forma de derrubar o capitalismo baseado numa luta revolucionária que passaria pela unificação de proletários, camponeses, pequenos burgueses, etc., em torno do ideal revolucionário.


Medidas do Programa de Transição para o proletariado

Trotsky neste documento aborda, entre outros, o tema da “escala móvel de salários e escala móvel de horas de trabalho”. Para o autor esta medida baseava-se na contratação colectiva e aumento automático dos salários correlativamente à subida dos preços dos bens de consumo (escala móvel de salários) e repartição do trabalho disponível pelos trabalhadores existentes para que assim todos pudessem auferir um salário condigno (escala móvel de horas de trabalho). Com esta forma de “repartição do mal pelas aldeias”, Trotsky tenta solucionar o problema da “decomposição do capitalismo” que ele considera eminente e que arrastaria consigo os trabalhadores para o desemprego e miséria extrema. No entanto, considera que esta medida pode não só reunir protestos dos agentes empregadores, assim como de alguns assalariados; para tal afirma que em caso de ruína do capitalismo esta seria o mal menor para a classe operária, que caso contrário estaria arruinada. Trotsky vê na luta e na propaganda a melhor maneira de levar os operários a compreender a necessidade desta proposta.

Sobre os sindicatos, é dito no texto que os novos sindicatos de França e EUA são a resposta eficaz às necessidades do proletariado, contrapondo a opinião de alguns ultra-esquerdistas que os viam como desnecessários. Defende-se aqui a criação de sindicatos de massas que organizem a luta dos trabalhadores tanto nos regimes democráticos como fascistas. De notar que Trotsky ao longo do texto refere sempre os dois tipos de regime no sentido de reforçar a ideia de que ambos são lesivos para os trabalhadores e para o socialismo.

Trotsky incita os sindicatos a abandonarem a veia reformista em detrimento da revolucionária, no entanto critica de forma dura os pequenos sindicatos revolucionários que se mantêm à margem dos grandes sindicatos de massas, considerando que estes pequenos grupos traem a revolução.

Neste ponto da obra é notória a vontade de Trotsky em separar o terreno de acção dos sindicatos e do partido, dando maior ênfase a este último. Considera também que devido às limitações dos sindicatos é de todo necessário criar organizações que dinamizem a luta, tais como comités de greve, comités de fábrica ou mesmo sovietes. A crítica à postura reformista dos sindicatos é muito forte no texto com o autor a afirmar que em tempo de crise aguda os sindicatos tentam “domesticar” os trabalhadores e que os seus dirigentes acabam em muitas situações por se aliar, em interesse próprio, ao regime burguês. Como solução para o problema, Trotsky sugere a renovação constante do aparelho dos sindicatos bem como a defesa de organizações autónomas, como as acima citadas, que possam contrastar com o carreirismo dos dirigentes sindicais e conservadorismo dos sindicatos em época de luta.

Em suma, tanto a fragmentação dos sindicatos como a criação de sindicatos de massas com tendências reformistas e com sindicalistas de carreira no seu seio, são nefastos à revolução. Assim a solução passa, para o autor, pela renovação interna dos grandes sindicatos e pela criação de estruturas pequenas mais próximas e conscientes dos problemas dos trabalhadores, bem como pela adopção de uma política verdadeiramente revolucionária no seio das organizações.

Por fim, e de acordo com o que foi dito acima, Trotsky dedica um capítulo inteiro aos comités de fábrica, que considera importantes, pois são eles que vão medir forças com os proprietários das fábricas, tomando assim uma posição verdadeiramente revolucionária, contrária à dos sindicatos reformistas ou dos burocratas estalinistas que temem ver o poder espalhado por grupos de trabalhadores que não controlam.

Nota ainda para um capítulo do texto que radicaliza a luta operária ao propor milícias operárias e armamento do proletariado, que contradiz seriamente outras partes do texto que repudiam a guerra e a violência. Esta posição não tem qualquer aceitação nos dias de hoje, em que a relação entre empregadores e assalariados não é a mesma que no texto em análise; contudo, não deixo de considerar exageradas as medidas propostas nesta parte do texto.

Medidas do Programa de Transição para o campesinato

Trotsky não vê diferença entre o camponês e o operário – considera-os “duas partes da mesma classe”. Insiste ao longo da obra, que a aliança entre os dois grupos é fundamental, em especial em países onde o desenvolvimento capitalista não chegou ainda ao seu apogeu. Esta ideia é exposta no capítulo 11 (“A aliança dos operários e dos camponeses”) e reforçada no capítulo 13 (“Governo operário e camponês”) bem como em algumas breves passagens de outros capítulos.

Apesar disso o campesinato continua, nesta obra, a ser alvo de desconfiança pois por entre aqueles camponeses detentores de terra, Trotsky afirma que há desde “semi-proletários até exploradores”. A grande estratégia de acção nas aldeias seria separar os pequenos proprietários, artesãos e comerciantes, também eles vítimas do capitalismo, dos grandes fazendeiros, cujo lucro era acumulado através da exploração de mão-de-obra de pobres trabalhadores ou sistemas semi-feudais.

No documento em análise são apontadas estratégias no sentido de satisfazer as necessidades dos pequenos rendeiros, dos pequenos comerciantes, produtores independentes e artesãos com propostas tais como: “Comités de pequenos rendeiros”, “Comités de vigilância dos preços”, nacionalização das terras dos grandes latifundiários, colectivização da agricultura ou numa fase mais avançada da revolução, a criação de Sovietes. Sensível à questão agrária, em especial nos países mais atrasados, Trotsky propõe que o pequeno camponês nunca deixe de ser dono do seu pedaço de terra e critica a reforma estalinista de colectivização. Reconhece na Rússia de 1917 uma realidade próxima da dos países subdesenvolvidos ou colonizados do final da década de 30 e, ao identificar os erros da política burocrática de Estaline, acaba por traçar outra estratégia de acção para a revolução agrária nesses países. Essa estratégia levanta algumas dúvidas, pois não define com exactidão a diferença entre o pequeno proprietário de terra e o latifundiário. Será que se avalia tal diferença pela área de terra possuída? Será pelos rendimentos auferidos e condições de vida? Pelo facto de ter assalariados na sua terra?

Explorar esta questão, da posse da terra e do estatuto dos camponeses, levanta muitas outras para as quais não encontramos resposta nesta obra. Enquanto na cidade industrial o meio de produção é grande, caro e propriedade de um só homem que emprega centenas, nos campos a realidade é bem mais confusa e passível de erros.

Tendo em conta que estas alterações no tecido económico das nações seriam radicais, o autor não perde tempo e arquitecta o que seria um novo sistema económico/financeiro mais aberto e flexível que o defendido pelos primeiros comunistas mas, no seu essencial, com os mesmo princípios orientadores. É sobre este sistema financeiro que irei dedicar o capítulo seguinte onde se voltará a analisar com mais detalhe a situação dos pequenos comerciantes e artesãos.

Medidas do Programa de Transição para o comércio, indústria e banca

Mesmo sendo este um “Programa de Transição” para a revolução socialista, a expropriação é referida como uma prioridade. “O programa socialista da expropriação, isto é, do derrube político da burguesia e liquidação do seu domínio económico, não deve em caso algum impedir, sob qualquer pretexto, no presente período de transição, a reivindicação da expropriação…” Como demonstra este excerto do texto, a expropriação da propriedade privada estava na base da revolução almejada, contudo e como já foi dito, Trotsky e os trotskistas não defendiam a expropriação total dos meios de produção. A proposta de expropriação era selectiva e progressiva, assim sendo, a prioridade seria a expropriação de “os mais importantes ramos da indústria para a existência nacional”. Depreendo que o autor se referia às ditas indústrias base de um país, recursos energéticos, principais fontes de matéria-prima, transportes, indústria pesada de transformação de ferro e aço (muito importante na altura) ou outras indústrias cujo produto era considerado necessário para o desenvolvimento do país. No alvo das nacionalizações estavam também “certos grupos da burguesia parasitários” e os maiores capitalistas cujo domínio fosse preponderante; Trotsky evoca aqui as 60 famílias americanas e as 200 famílias francesas como símbolos do poder do capitalismo e da concentração indecorosa de capital.

Na sequência da nacionalização da indústria de monta e dos grandes monopólios, surge a nacionalização dos bancos e a estatização do crédito. Com esta medida Trotsky pretende que o “banco único do Estado” crie condições mais favoráveis de crédito para camponeses, artesãos e pequenos comerciantes, isto em união com uma gestão estatal da indústria pesada, transportes e energia, que sirva o interesse dos trabalhadores. Desta forma, o objectivo aqui seria a nacionalização dos sectores base da economia, deixando nas mãos dos privados a quase totalidade do comércio, de alguns ramos da indústria ou da produção artesanal. Estas estruturas poderiam assim ser geridas por um proprietário (pequeno comércio, oficina de artesanato ou pequena exploração agrícola) ou por organizações de trabalhadores tais como cooperativas, (fábricas, grandes extensões de terra cultivável, etc.).

Partindo do princípio que as leis da concorrência deram lugar a monopólios e que estes são nocivos para a economia dos países e lesivos para os trabalhadores, Trotsky insiste no controle e na planificação da economia pelo Estado, criticando a posição social-democrata de não intervenção. Defende-se no texto a abolição do “segredo comercial” como a apresentação de contas aos trabalhadores e sociedade civil por parte dos capitalistas, bem como uma maior intervenção nas tomadas de decisão da firma por parte dos comités de fabrica, isto é, uma maior intervenção dos trabalhadores na gestão e opções estratégicas de rumo para as empresas ainda nas mãos dos capitalistas. Esta seria mais uma das medidas de transição para a revolução socialista em que estes capitais passariam para a mão do proletariado.

Política internacional do Programa de Transição – O internacionalismo em oposição ao socialismo num só país

Estaline dizia que era possível construir o socialismo na URSS sem levar em conta o curso da revolução europeia. Para justificar a sua posição afirmava que havia países maduros para o socialismo e outros que não estavam preparados para embarcar em tal empreitada, logo era a URSS o único que reunia as condições para fazer essa revolução socialista. Esta forma de pensar a revolução serviu para alimentar os interesses imediatos da burocracia soviética. A discussão desta teoria centrou-se com a crítica às políticas cada vez mais nacionalistas impulsionadas pelo aparelho soviético.

Dentro do estado soviético aumentavam as contradições sociais com a aplicação da NEP, que tinha como objectivo revitalizar a economia destruída pela guerra civil e contudo falhou. Em 1925, 37% dos camponeses não produziam excedentes e uma percentagem deles não conseguia sequer produzir para seu próprio consumo e, por isso, tinham de trabalhar para os Kulaks. Assim estes trabalhadores rurais voltavam a estar dependentes de um explorador, desta vez o estado. Os Kulaks, para além de submeterem o campesinato a uma nova forma de exploração, mostraram-se insuficientes para alimentar as cidades. Em suma, Estaline projectou um sistema socialista fechado que funcionava de dentro para dentro com resultados catastróficos para a população mais pobre dos campos. No entanto, à altura da morte de Trotsky, a imagem que a URSS dava ao mundo era bem diferente – parecia impossível a queda do colosso soviético e os indicadores económicos da URSS indicavam um crescimento de 10% a 15% ao ano em especial na indústria pesada. Assim, tornava-se difícil para Trotsky impor a ideia de que era preciso perceber que a Rússia se encontrava inserida no sistema político e económico do capitalismo mundial e que a verdadeira revolução socialista assentava no seu carácter universal defendido por Marx. É por meio desse internacionalismo metodológico que se tornaria possível compreender as diversas dinâmicas nacionais do capitalismo: “O marxismo procede a partir da economia mundial considerada não como a simples adição de suas unidades nacionais, mas como uma poderosa realidade independente criada pela divisão internacional do trabalho e pelo mercado mundial que na nossa época domina todos os mercados nacionais”. Contrapondo a teoria do “Socialismo num só país” Trotsky defende o internacionalismo como a “Revolução Permanente” que ganha forma e método de aplicação com as medidas do “Programa de Transição”.

Também na obra “A revolução traída”, Trotsky considera a URSS como um “Estado operário burocraticamente degenerado” e defende o derrube da ditadura burocrática pelos trabalhadores, através de uma “revolução política” que retome o caminho da democracia socialista e do poder dos sovietes. No entanto previu que o futuro da União Soviética poderia passar por uma “degeneração interna” do sistema burocrático que o levaria a tornar-se num sistema capitalista.

Este combate ideológico permaneceu após a morte dos seus protagonistas criando cisões e confusão generalizada nos meios marxistas. Os defensores de Trotsky afirmam que previu com genialidade a degeneração do estado burocrático da URSS e previu o seu colapso e a sua regeneração naquilo que é hoje. Já os seus opositores categorizam-no de traidor da revolução e cooperante da social-democracia. Têm-se esgrimido os mais variados argumentos em discussões inconclusivas.

Na impossibilidade de reverter a história, ficará sempre a dúvida de como teria sido a revolução socialista na Rússia pós Lenine se Trotsky tivesse ocupado o lugar que este lhe destinara.

O Programa de Transição e a IV Internacional Socialista

Como já foi dito, o texto em análise, “Programa de Transição”, é o documento base que define as orientações da IV Internacional. Fundada em 1938 em Paris, Trotsky por razões de segurança não compareceu, contudo o congresso aprovou o “Programa de Transição”, em torno do qual se desenvolveu toda a acção da recém criada organização.

Porém, a IV Internacional não foi criada como organização acabada. Assim, depois da sua fundação, a IV Internacional dirigiu-se a organizações que tinham rompido com o estalinismo ou a social-democracia propondo-lhes discussões programáticas e tarefas comuns para assim encararem juntos a construção da nova Internacional. Esta abertura partiu do próprio Trotsky; no entanto não salvou a nova organização de ser sempre pequena e sem influência na política mundial. Para além disso padeceu desde o início de um problema organizativo que advinha das contradições entre grupos membros da Internacional, que tinham posições divergentes. Era caso para dizer que após a morte de Trotsky os trotskistas nunca mais se viriam a entender gerando inúmeras dissidências de peso para o movimento e uma fragmentação invulgar dentro da mesma organização. Só no Reino Unido contam-se cerca de vinte organizações trotskistas que reivindicam ser os verdadeiros herdeiros da tradução da IV Internacional. Dentro da IV Internacional existem diversos grupos ou facções como a LIT-QI (Liga Internacional dos Trabalhadores da IV Internacional), LBI (Liga Bolchevique Internacionalista), FT (Fracção Trotskista) ou o PCI (Partido comunista internacionalista) entre outros. Tal divergência interna gerou comentários jocosos como “onde há dois trotskistas logo surgem duas facções distintas”. Ironicamente o combate à burocracia e à disciplina interna rígida da Internacional Comunista parece ter criado na IV Internacional um efeito perverso de inércia e inoperância devido à falta de unidade e de liderança que congregasse todos os envolvidos.

O “Programa de Transição” define o regime interno da IV Internacional: “Sem democracia interna não há educação revolucionária. Sem disciplina não há acção revolucionária. A estrutura da IV Internacional baseia-se nos princípios do centralismo democrático: plena liberdade de discussão, unidade na acção”.
Em suma, esta organização com luta declarada em duas frentes (social-democracia e estalinismo) nunca se afirmou internacionalmente de forma eficaz, em parte pela perda prematura do seu líder e pela sua incapacidade de se organizar e conciliar as divergências internas.

Críticas ao Programa de Transição

Se Trotsky não se enganou ao prever a II Guerra Mundial ou queda do regime Soviético (tão bem profetizada na “Revolução traída”), já o mesmo não se pode dizer quando concluiu que o fascismo seria a última fase do capitalismo, que se encontraria num “estado de profunda decomposição” e que as massas operárias estariam cada vez mais mobilizadas para lutar contra o fascismo. No seu entender, esta mobilização operária revestiria a forma de uma luta pela revolução socialista a curto/médio prazo.

Em primeiro lugar, o fascismo não era a derradeira fase do modo de produção capitalista, mas sim uma nova forma de organização política da grande burguesia sob a égide de um Estado de excepção. Não havia uma motivação revolucionária das massas, antes pelo contrário, o fascismo tinha do seu lado largas camadas da população, em especial a classe média e os desempregados. Quanto aos trabalhadores das fábricas, estes não estavam motivados para combatê-lo.

Também a crise dos anos 30 nos países democráticos, ao contrário do que Trotsky pensava, não foi o princípio do fim para a burguesia e seu sistema capitalista. Trotsky viu na II Guerra Mundial o fim da “pré-história” e pensou que estavam criadas as condições para uma revolução socialista – contudo não viveu tempo suficiente para reformular a sua teoria. No entanto, e segundo Ernest Mendel e outros dirigentes da IV Internacional, Trotsky estava consciente de que “o capitalismo não morreria de morte natural” e que para além da crise capitalista teria de haver “consciência e acção do sujeito histórico (o proletariado)”. Mesmo que nos últimos anos de vida Trotsky tenha de certa forma reestruturado a sua teoria política, no que toca ao texto em análise neste trabalho ele comete o mesmo erro dos escritos de Marx ao considerar que o capitalismo nunca traria um nível de vida ao proletariado melhor que aquele que se conhecia no inicio do século XX, ou seja, a realidade social em que vivemos hoje seria inimaginável, sob o jugo do capitalismo, para estes autores.

Trotsky, por diversas vezes na obra insurge-se contra o sectarismo (dedicando-lhe mesmo um capítulo); no entanto, ao longo da obra toma algumas posições sectárias, por exemplo no capítulo 18, onde declara “uma guerra implacável” a todas as outras correntes do movimento operário, desde a social-democracia até ao anarco-sindicalismo, que chega a categorizar de traidoras da revolução, por terem formas de luta divergentes da por si proposta.

Outra crítica de relevo é o facto de nas propostas apresentadas Trotsky não falar nem de reivindicações sobre saúde ou educação para além das questões ecológicas que hoje tanto mobilizam os grupos trotskistas de todo o mundo. Considero assim que o “Programa de Transição” apenas se debruça sobre questões de organização politica e económica deixando de fora um sem número de questões que podiam e deviam ser reivindicações de quem pretende criar uma sociedade socialista.



Conclusão

A reflexão sobre o “Programa de Transição”, elaborado por Trotsky, pode ser muito útil mesmo nos dias de hoje. Embora a nova ordem mundial e as condições de vida do proletariado não sejam as mesmas e as reivindicações do texto não tenham aplicação na actualidade, este texto vale sobretudo pelo seu método de intervenção política.

Sendo uma síntese das principais ideias politicas do autor este texto não deve ser visto como o catecismo. Por exemplo, quando Trotsky afirma que “as forças produtivas da humanidade deixaram de crescer”, ele está a dizê-lo olhando para a crise capitalista dos anos 30 – o mesmo não pode ser dito hoje. Este texto não é um catálogo de receitas já prontas para serem usadas em qualquer situação de crise ou de mudança politica.

O “Programa de Transição”, à semelhança do “Manifesto Comunista”, é um documento histórico que reflecte sobre uma determinada época da história e expõe algumas ideias fundamentais do marxismo revolucionário. O que o documento tem de importante é o seu método de intervenção política, a que os seus defensores chamam “Método do Programa de Transição”.

Mais do que esta ou aquela palavra de ordem, proposta ou reivindicação, este documento contém um método e a sua concepção dialéctica que permite recuperar a credibilidade do socialismo. Permite repensá-lo a partir das condições de vida e dos desafios do século XXI.

Esta necessidade de reconstrução política e teórica deve basear-se na experiência acumulada pelo movimento socialista e em especial na reflexão realizada sobre ela. Textos como o “Programa de Transição” representam essa experiência e essa reflexão e constituem por isso uma referência fundamental.
Não se trata de copiá-los ou aplicá-los hoje tal qual os lemos no passado, nem mesmo traduzi-los para as condições actuais. O que é necessário é saber o que podemos aprender com eles no sentido de elaborar novos programas actuais e preparados para os desafios do marxismo do século XXI.


Bibliografia

- Deutscher, Isaac. (2005). O profeta armado. 1º edição, Civilização brasileira Editora. São Paulo.
- Deutscher, Isaac. (2005). O profeta desarmado. 1º edição, Civilização brasileira Editora, São Paulo.
- Deutscher, Isaac. (2005). O profeta banido. 1º edição, Civilização brasileira Editora. São Paulo.
- Marx, Karl; Engels, Friedrich. (1997). Manifesto do Partido Comunista. 2º edição, Edições Avante!. Lisboa.
- Mendel, Ernest. (1979). Da comuna ao Maio de 68 – escritos políticos Vol. 1. 1º edição, Edições Antídoto. Lisboa.
- Sagra, Alicia. (2005). História das internacionais socialistas. Instituto José Luís e Rosa Sundermann editora. São Paulo.
- Trotsky, Leon. (1978). Programa de transição. 2º edição, Edições Antídoto. Lisboa.


- Trotsky, Leon. (1978). Revolução traída. 1º edição, Edições Antídoto. Lisboa.

- Trotsky, Leon. (1977). A Revolução permanente na Rússia. 1º edição, Edições Antídoto. Lisboa.


Fonte  http://carlos-faria.blog.com/2008/02/13/o-programa-de-transicao-de-trotsky/


* grifo meu [PK]

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