24 de jun. de 2007

UMA VISÃO SOBRE O PT *

Como é comum a mídia contar a sua versão da história eu vou contar a minha obtida através da própria mídia nesses meus anos de vida e, obtida ainda, através de uma conversa com um doutor em física que já foi metalúrgico e participou da fundação do PT.

A história é longa, mas vou resumi-la. Para entender o que acontece hoje é preciso relembrar a fundação do PT. Isso esclarece a situação atual do momento político e da atuação da mídia. Pode haver alguma imprecisão histórica, mas em geral, para mim, faz todo o sentido:

Os metalúrgicos eram a elite do operariado, eram trabalhadores especializados, cuja formação não era tão rápida e ocupava pontos chaves na escala produtiva. Se eles parassem as empresas eram seriamente prejudicadas. Os metalúrgicos eram referência política para outros trabalhadores, sempre davam a direção nas suas reivindicações.

Na época das greves do ABC eles estavam de saco cheio do bipartidarismo (ARENA e MDB) , e do saco de gatos que virou o MDB, que arrebanhava desde empresários descontentes com a ditadura a “comunistas” enrustidos. O milagre econômico havia acabado, os salários estavam achatados e o jogo do patronato era duríssimo.

Algumas pessoas de esquerda, das mais variadas matizes, resolveram aglutinar os trabalhadores, apenas os trabalhadores, com o discurso que um dia eles governariam o Brasil. Isso era música para seus ouvidos. Fazer greve no setor privado não é fácil e não era fácil naquela época. A pressão dos patrões era pesada e se demitia facilmente. Então armou-se um jogo social, líderes sindicais como Lula usavam a massa de trabalhadores, mas também era usada por eles porque a greve tinha o nome e a cara dos líderes e os trabalhadores apenas iam na onda.

Os EUA perceberam que a ditadura já estava obsoleta, a URSS estava em decadência e não tinha mais sentido apoiar os militares na América Latina porque toda a esquerda armada já estava destroçada e o perigo comunista não era mais uma ameaça.

As greves surtiram efeito e então resolveram formar um partido de esquerda que reunisse apenas os trabalhadores assalariados, mesmo os pequenos comerciantes ficariam de fora. Esse partido reuniria todos os grupos de esquerda e os candidatos a participante pertencia basicamente a três correntes:

1- Os trotskistas radicais que dividia a esquerda entre “revolucionários” (eles, por exemplo) que deveriam implantar o socialismo imediatamente e os “reformistas” (social-democratas e afins que eles odiavam) que pregava a transição mais lenta para o socialismo. Os “reformistas” não raramente eram chamados de traidores por eles.

2- O grupo representado por pessoas como Zé Dirceu, que tinha ligação com Cuba, não era tão radical assim e que tinha laços mais fortes com as entidades eclesiais de base e outros movimentos sociais.

3- O grupo de pessoas que estava exilado na Europa, que viu que o Leste Europeu estava caindo aos pedaços e eram a favor de incluir outras classes sociais além dos assalariados.

Esses exilados europeus, na sua maioria, pularam fora logo porque não aceitaram ser comandados por operários. Fernando Henrique foi um deles, textualmente ele disse que não seria comandado por um “macacão azul”, mais tarde formou-se o PSDB.

Criou-se então o PT. No meio disso tudo havia uma massa de operários que precisava ser guiada, que apoiava a idéia, mas não tinha estofo teórico nem capacidade técnica para governar absolutamente nada. Imaginem comandar operários explorados, mas totalmente anticomunistas, educados pela mídia, com forte receio de mudanças.

As reuniões do PT eram uma rinha de galos até a eleição do quinto diretório nacional em 1987. Nessa reunião Lula faz uma manobra política (que alguns petistas chamam de “golpe”) e prega a “via democrática popular” que ninguém entendeu muito bem, mas que teria como objetivo eleger Lula presidente para governar para as massas e o socialismo ficaria para depois. Muitos trotskistas não aceitaram, dizia que aquilo era reformismo e não revolução, que não se sujeitaria a fazer aliança com pequeno-burguês, comerciante e o escambau. Mas as eleições no PT eram indiretas, o filiado votava em um delegado que votava em outro delegado e assim por diante. Numa engenharia política o grupo do Dirceu cooptou até a ala trotskista do Palocci e ganhou a hegemonia do partido.

Em 1988 começam as vitórias do PT em cidades importantes. Zé Dirceu comanda os seu grupo com bastante disciplina e começa a profissionalizar o partido. Seu grupo passa a ser formado por pessoas que deixam seus empregos formais, que trabalham apenas para o partido e que são implantadas como assessores dos vereadores, prefeitos, deputados, senadores e governadores para aprenderem como funciona a máquina pública pensando no longo prazo.

PT não para de crescer.

Eis que cai o muro de Berlim e a URSS entra em colapso. A ala mais radical fica desorientada, ela já estava desorientada antes, já tinha usado como referência a Albânia, depois Cuba, depois China e agora não tinha mais nada. Uma parte desse pessoal fingiu que nada aconteceu e tocou a bola para frente, mas isso gerou uma crise enorme no PT que passou totalmente despercebida pela imprensa.

Finalmente chega uma inflexão crucial: Lula perde a eleição para Collor.

O PT faz o seguinte diagnóstico:

1- O Brasil é atrasado mesmo, a política é atrasada, o povão é conservador, o PT não tem o apoio dos miseráveis e precisa conquistar essa gente. Não pode contar apenas com os assalariados. Era preciso criar um apelo “populista”: Acabar com a miséria.

2- Collor foi um fenômeno fabricado da noite para o dia pelo poder econômico, sem

partido, sem história e que o PT NUNCA CHEGARIA AO GOVERNO SEM DINHEIRO.

Começa o Caixa Dois como “atividade revolucionária fundamental”.

Começou a se formar uma máquina eleitoral no partido. Grupos nas prefeituras e governos começam a captar dinheiro TOTALMENTE INDEPENDENTE DO PT CENTRAL para profissionalizar a campanha de candidatos chaves. Acabou a era de vender chaveirinho. Petistas que tinham gráficas pequenas e trabalhavam até de graça começam a serem deixados de lado nas campanhas por produzirem produtos de baixa qualidade. Muitos reclamam, não aceitam que o PT contrate “publicitários de direita”, muitos saíram formalmente do partido por que nem seu voto nem seu dinheiro valiam coisa alguma. O Campo Majoritário tomava definitivamente o poder.

O PT então começa a crescer vertiginosamente GRAÇAS AO CAIXA DOIS. Quanto mais crescia mais o poder se concentrava nas mãos do Campo Majoritário. Em 1994 um grupo que percebeu que o PT era apenas “reformista” e não “revolucionário” deixa o partido e forma o PSTU.

O PT continua se profissionalizando cada vez mais, o Real adia o plano de levar Lula ao poder e finalmente Lula é eleito em 2002.

Por que Lula foi eleito?

O segundo governo de FHC foi um desastre. Muitos empresários perderam suas empresas, a classe média estava de saco cheio com a queda do seu padrão de vida, do engodo que foi a privatização e com as merdas que o neoliberalismo fez na América Latina. Lula contratou um dos melhores publicitários do Brasil a peso de ouro, montou uma embalagem bonita e chegou lá. GRAÇAS AO CAIXA DOIS.

E o mercado financeiro?

O mercado financeiro odeia Lula. Nas vésperas das eleições encostou a faca no pescoço de Lula e PALOCCI FOI O NEGOCIADOR de um pacto de não agressão. A conversa foi mais ou menos assim: “Há uma dívida absurda que vencia em curto prazo, se Lula fizer alguma surpresa não rolaremos a dívida e isso aqui em menos de três meses vai ficar pior que a Argentina”. Eles queriam que Armínio Fraga permanecesse no Banco Central (e a mídia, como boa serva, ventilou isso nessa época). Palocci bateu o pé, disse que o governo era novo e os eleitores não aceitariam isso. Então o PT levantou o nome de Henrique Meireles; ele tinha bom relacionamento com sindicalistas graças ao Projeto Travessia que o Bank Boston havia feito para crianças carentes. Era o nome ideal, o mercado financeiro aceitaria e Palocci iria para a fazenda PARA GARANTIR O ACORDO.

O mercado financeiro continuou odiando Lula por puro preconceito de classe. Mais tarde empresários como Antônio Ermírio de Moraes também (por ter perdido licitações devido à ação de fundos de pensão comandados agora por petistas).

A criação do PSOL foi outra inflexão importante. Ela marca a separação entre os funcionários públicos e o PT.

Os funcionários públicos sempre tiveram posição política privilegiada, tinham mais liberdade de falar o que quiserem sem o jogo bruto do patronato. Por isso eles formavam a ala mais utópica do PT. Quando Lula entrou e o PT percebeu que administrar a estrutura previdenciária do funcionalismo público poderia ser complicado lançou logo a mini-reforma da previdência.

O funcionalismo público já estava enfraquecido com a brutalidade da era FHC. Queria recuperar tudo o que havia perdido imediatamente, ficou decepcionado com o projeto da reforma da previdência e pulou fora.

Hoje o PSOL, comandado pela professora Heloísa Helena, representa basicamente o funcionalismo público.

Como entra a mídia nessa história?

Dirceu continuou com seu projeto de colocar quadros do partido em pontos chaves do governo. Esse pessoal não era comandado por ninguém do mainstream. Eram independentes demais. Pior, o governo não mostrava sinais de ser um desastre.

A elite financeira viu que o capital político da esquerda estava crescendo vertiginosamente graças ao discurso “populista” inicial que pregava a erradicação da miséria.

A elite financeira sabia que eles foram corrompidos, mas não tinha certeza se haviam sido corrompidos até onde ela queria.

Havia duas saídas: Ou comprar o governo de vez ou destruir toda a estrutura montada por Dirceu. Eles tentaram comprar, mas não funcionou.

Aí entrou o serviço sujo da mídia.

MENSALÃO NUNCA EXISTIU. O QUE EXISTIU FOI CAIXA DOIS.

Para a mídia ficou o papel de emporcalhar tudo o que lembrasse o PT. Emporcalhar a reputação do Dirceu, do Genoíno e do Campo Majoritário. Pregar a destruição de tudo que lembrasse a esquerda, desde o governador Requião aos filósofos e sociólogos e todos que ousassem defender o PT e a esquerda, como foi o caso de Paulo Betti.

Mas as coisas não saíram como eles queriam. Lula foi reeleito, o PT sobreviveu e o governo continua.

O Campo Majoritário ganhou mais poder ainda, Dirceu pode ter ficado inválido eleitoralmente em plano nacional, mas ainda tem mais poder dentro do PT do que pensamos.

*Paulo de Tarso Neves Junior

Um comentário:

Julio Neves disse...

E onde entra o bolsa-esmola nessa estória?