7 de jun. de 2007

LUIS NASSIF ONLINE

Ruim com mídia, ruim sem mídia


Na "Folha" de hoje, mais um sinal desse conflito crescente mundial entre poder político e mídia. É um jogo novo que ainda não foi suficientemente entendido por nenhum lado.

No México, o Congresso decidiu acabar com a Lei Televisa, que beneficiava a Globo local. Quando foi aprovada a lei, segundo a matéria da “Folha”, houve pressão da rede de televisão, ameaçando parlamentares com matérias. Lá, como aqui, recorre-se ao expediente de se valer do escândalo como ferramenta política. Ou da barganha de dar visibilidade a políticos, jornalistas e intelectuais que se disponham ao apoio incondicional.

No “Globo”, Mirian Leitão analisa a questão venezuelana. Fala das arbitrariedades de Hugo Chavez, o que não deve estar muito longe da verdade. Mas atribui a má vontade da televisão venezuelana ao fato de Chavez ocupar muitas vezes o horário nobre, desarrumando a grade de programação. Como a grade é sagrada, e TVs abertas têm direito divino à concessão, fica assim legitimada a tentativa de golpe contra Chavez.

O jogo é muito mais complexo do que parece e a coluna da Mirian evidencia a perda de referência da mídia. A conspiração se legitimou a partir do momento em que Chavez investiu contra um dos pilares das modernas sociedades de massa: a grade de programação. Esse exagero da Mirian é significativo para entender esse processo de auto-sacralização que fez a mídia se desprender dos demais poderes, perder as referëncias, não entender os novos tempos, e se considerar poder absoluto.

Historicamente, a mídia tradicional (jornais, rádios e televisão) foi elemento fundamental de equilíbrio de poderes dentro de um sistema democrático, com surtos de exagero e de autoritarismo (vide campanha contra Vargas, campanha contra Roosevelt, o apoio ao macartismo). Muitas vezes foi utilizada pelos proprietários para turbinar outros negócios. Muitas vezes, para exercer poder político. Mas em países com um mínimo de diversidade, a própria mídia se auto-regulava.

Acontece que, desde o episódio Watergate, houve um porre quase generalizado na mídia, inclusive dos países centrais – veja, a propósito a reportagem de capa da última Carta Capital. De moderadora dos poderes, tentou se transformar em poder central. Principalmente depois que se consolidaram redes de televisão com uma capacidade muitas vezes maior de atingir as massas. Os fenômenos Berlusconi, na Itália, Carlos Slim, no México, Globo, no Brasil, mídia espanhola nas últimas eleições, talvez sejam os mais significativos desse período. Assim como os episódios do impeachment de Collor, das tentativas de impeachment de Fernando Henrique, até a guerra santa contra Lula, onde se chegou a um paroxismo inédito, uma batalha sangrenta que marcou o fim do poder absoluto da mídia.

O grande fator legitimador de sua atuação – o de investir contra qualquer forma de concentração de poder –virou-se contra ela, quando quis se sobrepor aos demais poderes, usando seletivamente o escândalo como arma política.

É curioso esse jogo, ainda mais em plena ascensão das novas mídias. As notícias do mundo todo revelam uma desmoralização gradativa de todos os grandes veículos, depois que tentaram se apossar do poder político. Com as novas mídias, o uso da notícia como ferramenta política perde força rapidamente porque pode ser facilmente desmascarado - como foi em muitos episódios recentes.

No caso brasileiro, as extravagâncias, a incompetência flagrante da cobertura política nos últimos anos, contribuíram para uma desmoralização adicional.

Ruim com ela, mas e sem ela? Nos próximos anos, o crescimento das novas mídias permitirá criar novos anteparos aos demais poderes? Qual será o grau de afrouxamento do governo Lula, com a desmoralização de um dos poderes moderadores e, mais que isso, com a desmoralização dos demais poderes, com a geléia-geral em que se converteram os partidos, com a desmoralização das ideologias como elementos aglutinadores? Esse quadro caótico seria o melhor cenário para uma mídia profissional e competente poder exercer sua função de ajudar a reorganizar o pensamento nacional. Mas a velha mídia se suicidou.

O resultado das loucuras do ano passado foi péssimo para a mídia. Mas não foi bom para o Brasil.


Luis Nassif

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