“Washington tem de sentar-se à mesa com Teerão com o tal “punho aberto” realmente aberto e examinar todas as opções diplomáticas, à busca de um pacote abrangente de segurança para o Oriente Médio – pacote o qual, é claro, terá de incluir a total desnuclearização; quer dizer, fim, também, para as bombas atómicas «secretas» de Israel. Difícil, só, saber se o governo Obama – acossado pelos falcões da guerra por todos os lados – sobreviverá a esse desafio.”
O ministro das Relações Exteriores do Brasil Celso Amorim foi tão polido quando preciso e claro, em conferência conjunta de imprensa, ao lado de seu contraparte Manouchehr Mottaki em Teerão nessa 5ª.-feira. Amorim disse que “o Brasil está interessado em participar de uma solução apropriada para a questão nuclear iraniana.”
“Apropriada” é palavra em código para “conversações” – não uma quarta rodada de sanções lançada pelo Conselho de Segurança da ONU, muito menos a opção militar, que o governo Barack Obama insiste, com estridência, em manter à mesa. Assim, ao posicionar-se como um mediador em busca de solução pacífica, o governo brasileiro põe-se em rota de colisão “soft” com o governo Obama.
O presidente Luiz Inacio Lula da Silva do Brasil estará em visita a Teerão, mês que vem. Aos olhos dos falcões do “pleno espectro de dominação” nos EUA, é anátema. Tanto quanto para a ‘mídia’ ocidental de direita, meios brasileiros inclusos, que não se cansam de martelar Lula, sem parar, por sua iniciativa de política exterior.
Pouca diferença faz que, mais uma vez, Amorim tenha repetido, com destaque, que absolutamente não há consenso na chamada “comunidade internacional” quanto a isolar Teerão. “Comunidade”, mais uma vez nesse caso significa Washington e uns poucos países europeus. O Sul global vota pelo diálogo. O Movimento dos Não-alinhados [ing. Non-Aligned Movement (NAM)] é unanimemente contrário a mais sanções. O Grupo dos 172 (todos os países exceto o Grupo dos 20) é também contra mais sanções.
O Brasil e a Turquia, ambos contrários a novas sanções, ocupam atualmente lugares não-permanentes no Conselho de Segurança da ONU. A posição de ambos é idêntica, em essência, à de China e Rússia – que são membros permanentes do Conselho de Segurança. A tática russa de nada deixar transpirar, e a da China, que concordou com “discutir” pacotes de sanções, têm sido distorcidas e mal interpretadas pela mídia corporativa e vendidas como se esses países estivessem aceitando as exigências de Washington.
Não aceitaram. No encontro dos BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China) em Brasília, há menos de duas semanas, esses países mais uma vez definiram que a ‘solução’ de novas sanções não é solução, e repetiram que toda a questão deve ser decidida pela Agência Internacional de Energia Atómica (IAEA).
Em Teerão, Mottaki e Amorim também discutiram a proposta iraniana de troca de combustível nuclear, como “medida para construir confiança” que beneficiaria o Irão, em relação a Washington e capitais europeias. O Brasil ofereceu-se para enriquecer urânio para o Irão.
O problema é que a nova rodada de sanções está sendo discutida em New York exclusivamente entre os cinco membros permanentes mais a Alemanha – e só depois dessa fase a discussão será aberta aos membros não permanentes, como Brasil, Turquia e Líbano, que mês que vem assumirá o assento rotativo do Conselho de Segurança.
O xis da questão
O xis da questão
Cada ator tem suas próprias razões para opor-se às sanções. Moscou – que já fornece ao Irão tecnologia de reatores nucleares, além de armas –, sabe que, mais cedo ou mais tarde Washington terá de aceitar o óbvio; que o Irão, produtor chave de energia, é uma potência regional natural. Para Pequim, o Irão é assunto de segurança nacional energética; mais sanções põem sob risco a estabilidade regional e caem na categoria de delírios-desejos da secretária de Estado Hillary Clinton.
Nova Delhi dificilmente não terá visto, até agora, que, no Afeganistão, Washington embarcou em aliança sem volta com Islamabad; a Índia, portanto, precisa de um Irão estável como contrapoder, para enfrentar a influência do Paquistão no Afeganistão, onde o Paquistão pode, outra vez, reengajar os Talibã. Brasília quer expandir os negócios com Teerão; e Lula, por sua vez, não abre mão da ideia de que mais sanções só farão abrir caminho para mais guerra, não para evitar guerras.
Os diplomatas, na mais recente reunião do BRIC, tocaram no xis da questão. Os líderes do BRIC – o poder atual, novo, multipolar que seriamente se tem dedicado em manter sob xeque as ambições de hegemonia dos EUA – avaliaram atenta e cuidadosamente todos os sinais complexos, desde a carta “secreta” do supremo do Pentágono Robert Gates a Obama, em janeiro passado, na qual passa em revista as opções militares “que continuam na mesa” contra o Irão, até ao discurso do almirante Mike Mullen, da Junta de Comando do Estado-Maior, na Columbia University, que disse que o ataque sempre seria sua “última escolha”. Avaliaram o nível de ansiedade de Washington. E concluíram que os EUA não atacarão o Irão.
Talvez estejam errados. Por trás de espessa cortina de espelhos e fumaça na mídia corporativa, há furiosa luta de gatos em curso em Washington, entre os ativistas do “espectro de plena dominação” – desde os militares ao pessoal do Instituto “American Enterprise”. Mas só discutem uma coisa: quando atacarão o Irão, mais cedo, ou mais tarde.
Entre os falcões está decidido que Washington jamais permitirá ao Irão “adquirir capacidade nuclear”. É o mesmo que falar de guerra preventiva. O “crime” do Irão, até aqui, teria sido já ter um programa de energia nuclear aprovado pelo Tratado de Não-proliferação e inspecionado como se ante o juiz do Juízo Final.
Nesse cenário de ansiedade altíssima, não importa que o Líder Supremo do Irão, aiatolá Ali Khamenei, tenha recentemente pregado o total desarmamento global e repetido sua fatwa, contra, até, o uso de armas de destruição em massa. São haram (proibidas) nos termos da lei islâmica.
O Pentágono, via Gates, insiste na ofensiva – ameaçando o Irão com uma explícita “todas as alternativas continuam à mesa”, quer dizer, bomba atómica incluída; e Obama, em obra prima de duplifalar orwelliano, acrescentou que os EUA “manterão o seu [poder nuclear] de contenção”, como “incentivo” para Irão e Coreia do Norte. Incentivo ao suicídio, quem sabe?
Assim sendo, o que acontecerá?
O mês que vem, em New York, haverá nova revisão do Tratado de Não-proliferação. O governo Obama já começou a pressionar o Brasil para que aceite um protocolo adicional. O Brasil recusou.
Na essência, o Tratado de Não-proliferação é extremamente assimétrico.
Nações que pertençam ao clube da bomba atómica recebem tratamento VIP, em relação aos demais. O protocolo adicional aumenta ainda mais essa discriminação – e dificulta até a pesquisa para finalidades pacíficas, nas nações não-nucleares.
O Brasil que – diferença crucial nesse contexto – ostenta tradição pacifista – defende o direito de qualquer país soberano adquirir “capacidade de tecnologia nuclear”. Foi onde o Irão subiu ao barco, conforme todas as evidências disponíveis. Assim sendo, o Brasil está em evidente rota de colisão com Washington, no que tenha a ver com o Tratado revisto de Não-proliferação. Para Brasília, seria submeter-se à interferência estrangeira.
Quanto às sanções, Washington precisa cair na real. Acreditar que o BRIC ou países da Ásia ou Europa deixarão de comprar gás e petróleo do Irão; que não venderão gasolina ao Irão, e que os bancos iranianos não encontrarão meios de continuar a operar na economia global (eles têm parceiros, por exemplo, nos Emirados Árabes Unidos e na Venezuela) é viver no País das Maravilhas.
As majors chinesas do petróleo já vendem gasolina diretamente ao Irão. Em 2012, o Irão terá dobrado a produção de gasolina, depois de expandir 10 refinarias, e está investindo cerca de 40 mil milhões na construção de sete novas refinarias. O Irá continuará no negócio dos produtos do petróleo – principalmente com as “satans” da Ásia Central. O que mostra, por exemplo, que pode importar gasolina contornando o sistema bancário internacional.
E, sobretudo, há o mercado negro. Jordânia e Turquia contrabandeiam rios de petróleo para fora do Iraque “sancionado” durante os anos 90. Com novas sanções sobre o Irão, será a vez de uma nova geração de iraquianos ganharem a sorte grande. Quanto à ditadura militar do mullariato em Teerão, os mullás adorarão consumir seus lucros de energia para reforçar seu escudo protetor.
Os líderes do BRIC – Lula entre eles – podem, sim, ter visto a estrada por trás da cortina de espelhos e fumaça. Bomba? Mas que bomba? Todos sabem que o Irão não pode fabricar uma bomba, por exemplo, em Natanz, não, com certeza, enquanto as instalações forem inspecionadas até ao esqueleto descarnado pela IAEA. Suponha-se que o Irão supera a Coreia do Norte, engana todos os inspetores, dá um chapéu no Tratado de Não-proliferação e decide fabricar uma bomba em local secreto. Precisariam de quantidades enormes de água e energia – e os satélites lá estão, para ver qualquer movimentação desse tipo.
Os líderes do BRIC já concluíram, isso sim, que Washington nada pode fazer quanto a o Irão adquirir “capacidade nuclear”, além de invadir o país, em edição conjunta das operações Tempestade no Deserto + Choque e Pavor, e provocar um banho de sangue para trocar de regime.
Nem rodadas e mais rodadas de sanções conseguirão excluir do Irão essas opções. Bombas “de precisão” israelenses, dos EUA ou híbridas, poderão, no máximo, atrasar um pouco o processo iraniano – e, isso, sem considerar as muitas possibilidades de retaliação. Tudo isso considerado, só há uma solução viável.
Washington tem de sentar-se à mesa com Teerão com o tal “punho aberto” realmente aberto e examinar todas as opções diplomáticas, à busca de um pacote abrangente de segurança para o Oriente Médio – pacote o qual, é claro, terá de incluir a total desnuclearização; quer dizer, fim, também, para as bombas atómicas “secretas” de Israel.
Difícil, só, saber se o governo Obama – acossado pelos falcões da guerra por todos os lados – sobreviverá a esse desafio.
* Pepe Escobar, jornalista, é correspondente no Brasil O Real News Network e colunista de Jornal Ásia Times Online.
Fonte: O Diario.info
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Tradução de Caia Fittipaldi
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