Roberto Numeriano*
Na Espanha, ano passado, foi recolhida a um depósito uma estátua eqüestre do ditador Francisco Franco. Era a última memória visível do fascismo espanhol, responsável por uma ditadura que durou 36 anos, depois de golpear a República e se instalar no poder ao fim de uma cruenta guerra civil. A não ser o mausoléu tétrico e de mau gosto, conhecido “Valle de los Caídos”, não há ruas, praças, becos e instituições espanholas homenageando o ditador. Na Espanha, Franco, tanto quanto Hitler para os povos, virou sinônimo de guerra, traição, genocídios, tortura, terror de Estado e ditadura.
No Brasil, neste mês de maio, justamente estas seis palavras se impuseram aos brasileiros quando o governo Lula divulgou a 3ª versão do Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH). A 3ª versão é a maior prova de que os legados autoritários do regime militar, aliados à mentalidade reacionária hegemônica no clero católico e evangélico, ao latifúndio e à mídia do grande capital, continuam impondo ao país uma visão de mundo autoritária e ideologicamente regressiva.
O recuo do governo Lula ante a reação dos bastiões conservadores (e potencialmente neofascistas, em alguns casos) pode ser interpretado por duas vertentes que não se excluem. Em primeiro lugar, é possível dizer que houve um cálculo político-eleitoral na decisão. Em segundo lugar, relacionado diretamente com este, tivemos um cálculo político-ideológico. É claro que estes cálculos não eximem Lula e seus “conselheiros” palacianos da grave traição aos princípios e objetivos que inspiram a luta de entidades e pessoas no combate pelo resgate da memória e da verdade e pela afirmação de um Estado de Direito democrático fundado numa radicalidade democrática.
O cálculo político-eleitoral pesou o desdobramento dos naturais embates que os temas provocariam na sociedade, amplificados, sobretudo numa perspectiva negativa, pela mídia do grande capital. Preocupado com os prejuízos para a candidata Dilma Roussef, o governo Lula simplesmente fez a montanha parir um rato emasculado. (Até nos lembra aquela fatídica Carta aos Brasileiros, texto que qualquer banqueiro de Wall Street assinaria com um largo sorriso).
O cálculo político-ideológico é o mais deletério para uma sociedade política submetida aos consensos fraudados, entre os quais a Lei da Anistia (1979), e a Constituição de 1988 (menos cidadã do que podemos supor). Assim afirmamos porque ele busca bloquear / neutralizar processos de luta sociais, políticas, culturais e econômicas que refletem o conflito de ideologias e de classes, ou seja, ele quer calar a voz dissidente de pessoas e coletivos que pretendem formular e praticar uma contra-hegemonia à presente ordem social e política fraudada.
Se já não tínhamos qualquer ilusão quanto ao PNDH como potencial mobilizador daqueles processos, menos ainda devemos alimentar esperanças de que aquele rato possa roer e guinchar. Mas, parece-nos, a derrota por força do “fogo amigo” talvez sirva de lição para algo que devemos resgatar e que tem a ver com a permanência da luta dos trabalhadores, a despeito da manipulação da religiosidade, mistificação da imprensa do grande capital, ameaças implícitas da caserna golpista e pressão do latifúndio do agronegócio. Trata-se de resgatar o potencial de luta e rebeldia por cima e além das estruturas estatais, inspirando-se nos homens e mulheres que nos precederam e que começaram suas batalhas para conquistar o fundamento de tudo: a liberdade pela emancipação material e espiritual.
Está na hora de fazer a nossa hora. O PNDH não deve servir como despojo de uma batalha perdida sobre o qual nos resta chorar. Era, aliás, muito institucional e formalista como espaço de intervenção dos que lutam contra memórias e legados da ditadura. Vamos recriar conceitualmente o PNDH, sem retalhos e com propostas calcadas numa radicalidade democrática, em oposição ao institucionalismo político burguês. Não há possibilidade de qualquer direito humano pleno sem a emancipação plena dos homens e mulheres no contexto da luta anticapitalista.
*Roberto Numeriano é membro do Comitê Central e do Comitê Regional do PCB – Pernambuco.
No Brasil, neste mês de maio, justamente estas seis palavras se impuseram aos brasileiros quando o governo Lula divulgou a 3ª versão do Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH). A 3ª versão é a maior prova de que os legados autoritários do regime militar, aliados à mentalidade reacionária hegemônica no clero católico e evangélico, ao latifúndio e à mídia do grande capital, continuam impondo ao país uma visão de mundo autoritária e ideologicamente regressiva.
O recuo do governo Lula ante a reação dos bastiões conservadores (e potencialmente neofascistas, em alguns casos) pode ser interpretado por duas vertentes que não se excluem. Em primeiro lugar, é possível dizer que houve um cálculo político-eleitoral na decisão. Em segundo lugar, relacionado diretamente com este, tivemos um cálculo político-ideológico. É claro que estes cálculos não eximem Lula e seus “conselheiros” palacianos da grave traição aos princípios e objetivos que inspiram a luta de entidades e pessoas no combate pelo resgate da memória e da verdade e pela afirmação de um Estado de Direito democrático fundado numa radicalidade democrática.
O cálculo político-eleitoral pesou o desdobramento dos naturais embates que os temas provocariam na sociedade, amplificados, sobretudo numa perspectiva negativa, pela mídia do grande capital. Preocupado com os prejuízos para a candidata Dilma Roussef, o governo Lula simplesmente fez a montanha parir um rato emasculado. (Até nos lembra aquela fatídica Carta aos Brasileiros, texto que qualquer banqueiro de Wall Street assinaria com um largo sorriso).
O cálculo político-ideológico é o mais deletério para uma sociedade política submetida aos consensos fraudados, entre os quais a Lei da Anistia (1979), e a Constituição de 1988 (menos cidadã do que podemos supor). Assim afirmamos porque ele busca bloquear / neutralizar processos de luta sociais, políticas, culturais e econômicas que refletem o conflito de ideologias e de classes, ou seja, ele quer calar a voz dissidente de pessoas e coletivos que pretendem formular e praticar uma contra-hegemonia à presente ordem social e política fraudada.
Se já não tínhamos qualquer ilusão quanto ao PNDH como potencial mobilizador daqueles processos, menos ainda devemos alimentar esperanças de que aquele rato possa roer e guinchar. Mas, parece-nos, a derrota por força do “fogo amigo” talvez sirva de lição para algo que devemos resgatar e que tem a ver com a permanência da luta dos trabalhadores, a despeito da manipulação da religiosidade, mistificação da imprensa do grande capital, ameaças implícitas da caserna golpista e pressão do latifúndio do agronegócio. Trata-se de resgatar o potencial de luta e rebeldia por cima e além das estruturas estatais, inspirando-se nos homens e mulheres que nos precederam e que começaram suas batalhas para conquistar o fundamento de tudo: a liberdade pela emancipação material e espiritual.
Está na hora de fazer a nossa hora. O PNDH não deve servir como despojo de uma batalha perdida sobre o qual nos resta chorar. Era, aliás, muito institucional e formalista como espaço de intervenção dos que lutam contra memórias e legados da ditadura. Vamos recriar conceitualmente o PNDH, sem retalhos e com propostas calcadas numa radicalidade democrática, em oposição ao institucionalismo político burguês. Não há possibilidade de qualquer direito humano pleno sem a emancipação plena dos homens e mulheres no contexto da luta anticapitalista.
*Roberto Numeriano é membro do Comitê Central e do Comitê Regional do PCB – Pernambuco.
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