14 de out. de 2010

Paradoxos da democracia (3)

Antonio Ozaí da Silva

Os políticos não estão nem aí com a quantidade dos votos em branco (e nulos), já que serão eleitos com base nos votos válidos, independente do total. Porém, a insistência em convencer o cidadão a votar revela a preocupação com a legitimação do processo eleitoral. Não se advoga aqui soluções autoritárias, até porque as eleições, ainda que limitada, é uma conquista das lutas pela democratização do país. No entanto, é preciso democratizar a democracia, isto é, ir além da esfera eleitoral. Mesmo neste âmbito, faz-se necessário uma reforma política que confira real poder aos eleitores, reduzidos na atualidade a legitimar o domínio dos políticos.
A democracia eleitoral se restringe a periodicamente escolhermos os que irão nos governar. Eis a nossa liberdade! A abstenção, os votos brancos e nulos também expressam a crítica ao sistema político e é um alerta aos políticos em geral quanto à sua legitimidade e a fragilidade da democracia. A não obrigatoriedade dos votos imporia uma dificuldade aos políticos profissionais: ter de convencer os eleitores de que vale a pena participar do processo. Não pode ser essencialmente democrático um procedimento que, a despeito de toda propaganda e da pressão pela participação, reduz o eleitor à opção de referendar os candidatos escolhidos pelos caciques e profissionais da política e a periodicamente legitimá-los em sua ânsia de permanecerem no poder. Nestas circunstâncias, qual é o poder real do eleitor?

Em nossa época, a política tende a ser pensada apenas em termos institucionais, isto é, vinculada às instituições do Estado. Nesta perspectiva, a ação política é reconhecida apenas quando direcionada ao Estado. A democracia representativa, por sua vez, constitui-se na forma privilegiada de intermediação entre os cidadãos e o Estado. Claro, no Estado de Direito. Fora da política partidária e do sistema eleitoral parece não haver a possibilidade da ação política. A cidadania termina por restringir-se ao direito individual do voto – igualdade jurídica – e a política torna-se a atividade por excelência do especialista, o profissional da política, o político.

Aos representados resta a opção de escolher entre os políticos que se apresentam como seus representantes. Formalmente há a possibilidade de aderir a um partido político e, em seu interior, ser escolhido para ser candidato. De fato, porém a classe política pouco se renova. Usando uma expressão cara ao leninismo, diria que a democracia representativa, fundamentada na competição entre os partidos para conquistar os eleitores, termina por formar quadros. São estes que controlam a máquina partidária e, portanto, os que têm mais chance de ocupar os postos do Estado – seja como políticos eleitos ou enquanto burocratas indicados para cargos chaves. Assim, o sistema político retroalimenta-se.

Parece não haver alternativas, mas há. A ação política também se manifesta para além da política institucional, ou seja, da política partidária. Contudo, esta também é tencionada no sentido da sua institucionalização na medida em que suas demandas têm o Estado como referência. Há a tendência à cooptação das lideranças e movimentos sociais, originalmente extra-institucionais e até contra o Estado. Paradoxalmente, o processo de fragilização de determinados movimentos sociais, e até mesmo sua ‘morte’, pode ser o resultado da conquista das suas reivindicações, na medida em que se perde a sua razão de existir. Devemos considerar, ainda, os casos dos partidos que nascem revolucionários, contra o Estado qualificado de “burguês”, mas que terminam por se adaptarem a este. A social-democracia européia é um exemplo clássico.

 FONTE AQU


.

Nenhum comentário: