31 de out. de 2010

Declaração de voto (2)

Antonio Ozaí da Silva

Em 2006, votei nulo. Não o fiz motivado por qualquer campanha ou em adesão aos manifestos que circulam em tempos de eleições. Era apenas expressão da minha decepção com o governo Lula, em seu primeiro mandato. Por outro lado, também expressava o meu descrédito com a política – política, bem entendido, no sentido restrito vinculado à democracia representativa baseada no sistema partidário. Foi uma decisão de cunho pessoal e individual. Certa ou equivocada, o meu juiz era tão somente a minha consciência. E, não me arrependo.

Em 2006, como hoje, eu não estava vinculado a qualquer partido ou grupo organizado que defendesse a anulação do voto. Talvez chocasse alguns dos meus alunos quando, inquirido, dizia que iria votar nulo. Deixava claro, porém, que era uma posição individual e que respeitava as opções deles. Apenas defendia o direito legítimo e democrático de não sufragar qualquer dos candidatos. Não tinha o objetivo de arrebanhar discípulos e seguidores em torno da minha atitude política – mesmo atualmente, os únicos “seguidores” que tenho são os que me seguem no Twitter!

Em 2006, eu não tinha blog, twitter e nem participava ativamente das redes sociais (Orkut, Facebook, etc.). As minhas opções políticas eram públicas, mas restritas aos artigos que publico na REA e ao círculo mais próximo de amigos, colegas e acadêmicos. Na verdade, porém, elas não estavam em discussão. Imagino que mesmo os críticos simplesmente as relegavam ao status de mais entre outras presentes no campo acadêmico. Que eu saiba, a minha decisão não teve qualquer impacto e consequência pública. Quedou conservada à esfera da minha consciência.

Em 2010, uma amiga me perguntou, de supetão, se votar nulo era uma questão de princípios para mim. De pronto, respondi: sim! Defendi esta postura publicamente quando ouvi um companheiro insinuar que eu estava “em cima do muro”. Outro disse que era “apolítico”. Li e ouvi argumentos contra o voto nulo ainda mais esdrúxulos. Por que esta grita contra os que se recusam a aceitar os limites da democracia partidária? Por que esta ira insana contra os que insistem em buscar outros caminhos para além dos partidos, dos seus candidatos e da democracia representativa? Por acaso é justo acusá-los pela eventual vitória do candidato da “direita”? Parece-me que não. Por que, então, a chantagem política contra o voto nulo?

O tempo, que é o melhor conselheiro, mostrou que a resposta intempestiva à minha amiga estava equivocada. Se no início da campanha eleitoral estava decidido a anular o voto, terminei por mudar de posição e votar no PSOL e PSTU. No 2º turno, acabei por ficar indeciso entre repetir o gesto de 2006 ou votar na candidata Dilma Rousseff.

Não obstante, chegou o momento da decisão. Ao tornar público a minha indefinição entre votar nulo ou em Dilma Rousseff, consequentemente admiti a interlocução com os que defendem uma ou outra posição. Os comentários em meu blog expressam este diálogo e os argumentos pró e contra o voto nulo. Neste período, recebi emails, dialoguei com amigos, colegas e companheiros dos velhos tempos. Assisti aos programas eleitorais e debates, vídeos e a intervenções on-line via twitcam. Li atentamente o que me foi enviado e o que encontrei na internet.

De repente, fui objeto de uma atenção que, sinceramente, não esperava. Afinal, trata-se apenas de um voto! Seja qual for a minha decisão, nunca esteve em meus planos fazer campanha. Amigos telefonaram, outros escreveram. Até fui convidado para uma reunião suprapartidária – algo inédito nos mais de doze anos que moro em Maringá(PR).

Não vou cansar os leitores reproduzindo os argumentos contra e a favor do voto nulo ou pelo voto em Dilma Rousseff. As manifestações dos partidos de esquerda (PSOL, PSTU, PCB, PCO), de grupos que militam no PSOL, entrevistas e declarações públicas do Plínio de Arruda Sampaio, dos movimentos sociais como o MST, o editorial do jornal Brasil de Fato e a declaração de José Arbex Jr., entre outros, dão bem a idéia do quanto a questão é polêmica.

Como disse outra amiga de longa data, não sou um enragé. Concordo com muitos dos argumentos dos que defendem o voto nulo, mas também fui tolerante com aqueles que tentaram me convencer do contrário. O que não aceito é o sectarismo e autoritarismo dos que almejam “convencer” com argumentos maniqueístas, catastrofistas e “culpabilizadores”; aqueles de visão tacanha que não percebem que a democracia pressupõe o direito de divergir e de oposição de esquerda ou de direita.

Claro, alguns argumentos pesaram em minha decisão. Algumas mensagens que recebi – e comentários dos leitores – foram fundamentais para a minha reflexão. Também contribuiu a leitura de O julgamento de Sócrates, de I. F. STONE (Companhia das Letras, 2007). A postura raivosa e preconceituosa de setores da classe média e de setores obscurantistas religiosos também me fizeram pensar, bem como as mentiras e calúnias durante o processo eleitoral.

Um telefonema que recebi hoje contribuiu decisivamente e foi a pá de cal sobre as dúvidas que ainda restavam. Depois desta conversa, liguei para a minha mãe e perguntei se ela ia votar. Ela respondeu que sim e reafirmou o voto na Dilma do PT. Até analisou o último debate: “Ela [a Dilma] estava nervosa no início, mas depois melhorou”. Concordei e provocativo, disse que ia anular o meu voto. Em tom bem-humorado, ela argumentou: “Na faça isso! Você já me decepcionou no primeiro turno!” Ri e disse que iria pensar.

Está decidido: votarei em Dilma Rousseff. Farei isto sem ilusões políticas e ideológicas. Mais do que um voto em Dilma, é um voto contra Serra. Parodiando o presidente Lula, recorro a uma metáfora futebolística: sou palmeirense e, portanto, visceralmente anti-Corinthians. Num campeonato de pontos corridos, porém, pode ocorrer a necessidade de, apesar de tudo, torcer pelo Corinthians. Ora, não é possível fazer isto pela metade, ou ficar contra ambos – já que a derrota do time contra o qual o arqui-rival joga interessa ao Palmeiras. Não posso, portanto, torcer pelo empate. Sou obrigado a deixar as idiossincrasias de lado e apoiar intensamente o adversário, porque a derrota do adversário comum nos interessa. Depois, a vida segue e eu continuarei sendo palmeirense e contra o Corinthians. Ou seja: é ineficaz ser contra Serra e o projeto político que ele representa sem sê-lo 100%. E isto exige ir além do ato de não votar nele, votando nulo; é preciso ser 100% contra, votando em sua adversária e, portanto, diminuir suas chances de vitória eleitoral. Depois das eleições, a vida continua e estaremos na oposição de esquerda à Dilma Rousseff.

Declaro o meu voto em respeito aos leitores deste blog e aos meus interlocutores. Não tenho o intuito de fazer campanha, nem de convencer a ninguém. Como em 2006, é uma decisão de cunho estritamente pessoal e individual. Respeito os que permanecem na defesa do voto nulo e defendo o seu direito legítimo e democrático a esta opção

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