Maria Beatriz Lugão Rios, coordenadora geral do Sepe e professora da rede estadual de ensino.
Beatriz Lugão - Essa questão do achatamento salarial não é só do professor. É uma luta maior e é também dos demais funcionários das escolas. E salário de funcionário a gente não pode nem falar que sofreu achatamento, porque nunca teve um teto maior. Mas começou um achatamento mais visível para nós na década de 90, quando os governos começaram a trabalhar com gratificações, deixando o piso congelado. Assim, da implementação do Plano de Carreira que nós conquistamos na década de 80, que são nove níveis, com 12% cumulativos entre os níveis, isso não está sendo aplicado.
O que a gente estranha nisso tudo é que justamente aqueles que começaram a implementar esse tipo de achatamento mais visível na década de 90 foram governos de oposição ao projeto neoliberal, são oposição ao projeto neoliberal, que são contrários ao achatamento de salário da classe trabalhadora, contrários às demissões, contrários à exclusão do aposentado de qualquer política salarial.São justamente esses governos que começaram com alinhamento, na nossa maneira de ver, com essa política neoliberal, porque senão nada justificaria o que a gente tem hoje. O governo eleito no Estado do Rio de Janeiro com a bandeira da oposição ao governo FHC, ao projeto neoliberal, é um governo que tem mantido o aposentado afastado de qualquer política salarial. Por que estou dizendo isto? Porque nós hoje temos uma série de gratificações que compõem o salário e não temos a paridade para o aposentado. A gente corre escolas e vê pessoas com 30, 35 anos de trabalho, que estão dobrando, triplicando às vezes sua carga horária para conseguir aumentar sua renda. E não podem se aposentar para não perder quase todo o salário.
Há professores que estão trabalhando numa jornada de 7 horas da manhã até 10 horas da noite, com turmas de primeira à quarta série, para poder fazer a GLP (NR: Gratificação de Lotação Prioritária), pegando turmas pela manhã, outra à tarde e outra à noite. E se ela se aposenta, vai reduzir o seu salário, e muito, até porque o projeto Nova Escola, do Governo do Estado, não se estende ao aposentado. Os que se aposentam perdem mais da metade do salário. Isto tem roubado o direito da categoria a uma aposentadoria. Assim como o funcionário administrativo, de piso de R$ 400, na verdade ele virou um teto de R$ 400, porque está tudo incluído, qualquer gratificação, qualquer diferença salarial, toda ela foi engolida pelo dito piso de R$ 400. O governo devia fazer uma propaganda diferente, em vez de dizer que nenhum funcionário ganha menos de R$ 400, deveria dizer que nenhum funcionário ganha mais de R$ 400, porque essa é a realidade na rede estadual. No município do Rio também, o prefeito eleito era contrário às políticas do Fernando Henrique e aplica o mesmo receituário neoliberal. Tivemos em janeiro deste ano um seminário promovido pelo Banco Mundial e pelo Inep, para secretários de educação, onde estranhamente a gente viu pesquisas feitas pelos técnicos apontando que os salários dos professores da rede pública estavam acima da média do mercado, que estavam ganhando, por sua formação, um salário acima do das pessoas com o mesmo nível no mercado. Mas que mágica eles fizeram? Essas pesquisas são muito subjetivas, na verdade, depende do enfoque que você já traz, de onde você quer olhar e você vai chegar a determinados resultados.
A gente se perguntava como é que o professor da rede estadual está ganhando acima da média do mercado com nível de formação de terceiro grau, se ele tem piso de R$ 151. Eu falo por mim. Tenho 16 anos de magistério, sou enquadrada, tenho mestrado e o meu piso salarial é de R$ 176. Quem tem que ter vergonha disso é o Governo do Estado, não sou eu. A gente costuma dizer que a escola pública só está aberta hoje pelo entendimento que a categoria tem do valor social do seu trabalho, porque senão ela já teria fechado. Muita gente sai do magistério todo dia, todo mês. E ao contrário do que governos sucessivos dizem, elas são capazes, elas vão à luta, se formam, procuram aumentar sua formação e a contrapartida não está sendo verdadeira. O governo não tem investido no salário desses profissionais, pelo contrário, sempre se mantêm as políticas de gratificação. Parece que o governo acreditou naquela pesquisa que o Inep e o Banco Mundial apresentaram. Nós ficamos chocados, nós estamos financiando níveis de pesquisa que estão contradizendo anos e anos de prática social. E a desculpa dos governos de oposição para manter este tipo de política de gratificações que exclui aposentados é que somos uma categoria numerosa. A gente pára para olhar, mas é numerosa por quê? Por que a gente quer que seja numerosa? Não, porque é necessária. É uma categoria numerosamente necessária. Senão as escolas não funcionam. E, no entanto, a gente pode dizer que temos a metade do número necessário, porque nós trabalhamos com turmas superlotadas.
A gente encontra turmas de alfabetização com 40 alunos na sala de aula. Isso é bastante complicado. Nós temos um número até abaixo do necessário para o funcionamento com uma qualidade maior, porque o ideal seria turma com 20, 25 alunos de quinta à oitava e no Ensino Médio. É uma categoria numerosamente necessária para se manter esse direito da população à educação pública, esse é o primeiro ponto. O segundo, embora nós discordemos do projeto federal, o Fundef (NR: Fundo Nacional do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério), que temos certeza de que é excludente, só pega de primeira à oitava série. Não prevê financiamento da educação infantil, porque vemos a educação como um todo. Da pré-escola, da creche até a pós-graduação, para nós tem que ser um sistema. E não prevê as pontas do sistema, nem do Ensino Médio, nem da educação infantil, então para nós é um projeto excludente logo de cara. Mas os governos têm ganhado dinheiro com o Fundef, o município do Rio de Janeiro tem ganhos altos com o Fundef e até hoje não vimos uma prestação de contas convincente, porque o salário do professor no município do Rio também tem uma série de penduricalhos. Por que tudo não foi transformado em piso salarial? No Estado do Rio de Janeiro, quando o Fundef foi implementado em 98, no governo Marcello Alencar, foi aprovada na Assembléia Legislativa uma diferenciação de ICMS, porque o governo dizia que ia ter prejuízo com o Fundef. Então aumentou ICMS de cigarros, de bebidas, de uma série de produtos no Rio para cobrir este prejuízo. Cobriu o prejuízo e atualmente parece que recebe bastante dinheiro do Fundef. A gente precisou fazer uma greve em 1998 para haver uma gratificação de R$ 164 a mais no nosso contracheque. A gente tem visto, tanto no estado quanto no município do Rio, constantemente manchetes em jornais e revistas dizendo que têm aumentado a arrecadação, que tem dinheiro.
O Rio de Janeiro recebeu do estado royalties do petróleo, há dois anos mais de R$ 1 bilhão tem entrado e quando é que a educação vai ver a cor desse dinheiro? Quando é que os profissionais da educação vão ser realmente valorizados, quando vão deixar de ter um piso de R$ 151? Você tem que remar contra a maré de um projeto que diz que tem que achatar salário, pagar de acordo com a produtividade, que aliás é o projeto Nova Escola. No município do Rio de Janeiro também tem premiação por produtividade. Aí a gente se pergunta: o que é produtividade na educação? Como você faz esse translado de termos da economia, de fábricas e leva para dentro da escola? Escola não é fábrica e aluno não é mercadoria. E nem nós estamos lá apertando parafuso, para dizer que nós estamos formando tantos por ano. Essa é nossa produtividade, a quantidade de alunos que a gente aprova. Aí você paga por produtividade e, por extensão, diz que o aposentado é improdutivo. Qual é a produtividade do funcionário? Quantos banheiros ele limpou? Quantas salas ele varreu? Quantas panelas de merenda fez? São coisas que não têm como mensurar numa escola. Você não pode medir por número o trabalho de um professor, de um funcionário em uma escola.
Os projetos são pautados na produtividade e se esquece de valorizar a categoria como um todo no seu piso salarial. Não é a produtividade, não é o fato de a escola chegar ao padrão máximo e receber R$ 400 de gratificação, como é o caso da Nova Escola, que vai fazer que o professor e o funcionário trabalhem mais. No município do Rio de Janeiro, na primeira gestão do prefeito Cesar Maia, ele também deu um prêmio por produtividade para 200 professores e está tentando repetir isso, mas se esquece de fazer uma discussão da categoria de uma forma mais geral. Por que uma escola produz e a outra não produz? O governo está naturalizando diferença de qualidades e aponta para a população que existem cinco níveis diferentes de escola. Vai ter escola nível cinco para toda a população? Não vai. Então a população também está sendo roubada no seu direito de ter escola de qualidade.
Uma diretora do sindicato trabalha em duas escolas diferentes, faz o mesmo trabalho numa escola e na outra, e numa escola é nível 4, na outra é nível 2. Como? É a mesma professora, é a mesma formação. Dá aula para as normalistas, dá aula para a formação de professores, e no entanto recebe salários diferentes de uma escola para outra. Esses projetos não valorizam, eles não remam contra a maré do achatamento, do projeto neoliberal de dar uma série de penduricalhos no salário e roubar o direito à aposentadoria do trabalhador. Eles não fazem diferente disso, pelo contrário, vêm corroborar com essa visão neoliberal. Há dois anos que o governador não recebe os professores. Ele prometeu a incorporação de uma das gratificações. É pouco o que a gente está pedindo. Se incorporasse as gratificações hoje ao piso salarial do magistério, o nosso piso salarial seria de R$ 630. Não é nada estapafúrdio. E um funcionário, incorporando tudo, R$ 400. E não fomos recebidos pelo governo. O governo não diz nada, não se coloca, não tem proposta. O município do Rio de Janeiro também não tem o costume de negociar com a categoria.
Fonte:http://www.folhadirigida.com.br/professor2001/cadernos/base_futuro/21.html
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