Luís Carlos Lopes
São curiosas as reivindicações desta gente do Cansei. Eles dizem que estão cansados dos assaltos, dos assassinatos e de coisas como acidentes aéreos trágicos. Dizem que são contra a corrupção e pensam que a época da ditadura era melhor. Prenunciam a campanha eleitoral presidencial que se aproxima, acusando o governo atual de todos os males do país. E o governo, para eles, é composto apenas pela presidência da República. O resto do Executivo, o Congresso e o Judiciário desaparecem de suas críticas. Os governos estaduais e municipais também escapam de suas fúrias, principalmente, os dirigidos por aqueles que consideram aliados.
As empresas nacionais e estrangeiras, segundo eles, não têm quaisquer responsabilidades nos problemas do país. O crime nada tem a ver com a distribuição de renda, da qual eles fogem, tal como o dito cujo foge da cruz. Existiria uma corrupção de Estado aceitável e a de hoje, para eles, mais grave. Na ditadura viviam no céu, na democracia chegaram ao inferno. Eles precisam rapidamente voltar ao passado. Não criticam o Estado brasileiro e nem as políticas de governo. Criticam pessoas que seriam despreparadas e incapazes, isto é, não seriam membros da elite branca (expressão usada por um deles) e nem teriam a formação universitária correspondente aos cargos ocupados.
Esquecem que para roubar não é preciso diploma. Roubam de doutores a analfabetos, de acordo com a ocasião, que sempre fez e faz o ladrão. A cor da pele nada tem a ver com o roubo. Aliás, os cometidos pelos brancos costumam ser maiores, mais valiosos e menos punidos. Tudo isto é esquecido. Eles turvam seus olhares, evitando ver a realidade que os envolve e encontrando bodes expiatórios para os seus problemas de consciência. Imaginam com impaciência, o jovem negro, pobre, ladrão e, eventualmente, assassino como sendo uma calamidade. Mas, calam-se contra os de colarinho branco que são facilmente absolvidos pela justiça, mesmo depois de serem reunidas provas incontestáveis de suas rapinagens.
Direitos humanos para eles é uma excrescência. Bandido bom é bandido morto, quanto mais torturado melhor. Pensam como alguns dos seus bisavôs que colocavam no tronco qualquer escravo, por ‘delitos’ mínimos. Os direitos deles são sempre os mais justos. Ninguém deve protestar quanto aos verdadeiros problemas sociais e políticos do país. Eles é que estão certos. Não querem discutir os seus reais problemas. Já sabem de tudo e acreditam que podem resolver as questões complicadas que tanto os cansam.
Eles parecem uma frente que juntou malufistas e fernandistas históricos, viúvos e viúvas da ditadura, deslumbrados das mídias, artistas de pouco talento, advogados, empresários, políticos, publicitários, outros profissionais de nível superior, alguns desportistas e até, segundo os jornais, um ou outro pobretão. As madames e os patrões levaram alguns dos seus domésticos para protestar. Nem todos sabem bem o que estão fazendo ali. Possivelmente, acham cool estar entre os famosos. Afinal, é um momento especial e raro para aparecerem na tv. Alguns, já esquecidos pelas grandes mídias, têm instantes de brilho e de fama. Não casualmente, eles são quase todos paulistas quatrocentões, brancos, volúveis e instáveis. Querem dar um sentido às suas vidas. Não agüentam mais o tédio cotidiano e o cheiro da miséria social e moral que os envolvem.
Eles estão cansados com certa razão. O ócio cansa. Falar para os mesmos cansa. Viver sem razão cansa. Omitir-se cansa. Ser brasileiro cansa. A impossibilidade de tirar da visão os mais pobres cansa. Afinal, o Brasil é pobre e miserável e alguns deles têm dinheiro demais. Acreditar-se belo para sempre cansa. Não ser capaz de pensar cansa. Defender a superficialidade cansa. Manipular o próximo cansa. Como seria bom que um novo pai da pátria branco cuidasse de tudo. Em breve, estarão cansados deste movimento e terão que conseguir outras coisas para fazer.
É verdade que numa democracia criticar o governo é tarefa da oposição seja ela de direita ou de esquerda, partidária ou social. Trata-se de algo salutar e próprio dos regimes que aceitam o diálogo e não amordaçam a palavra. Neste sentido, os cansados do Brasil têm o direito à crítica, bem como têm os mesmos direitos, os que estão cansados da elite brasileira, de seus políticos corruptos de qualquer partido e dos irracionalismos de plantão. O problema que precisa ser notado e que parece grave é que os cansados midiáticos apelam para volta de um passado baseado na tortura, na prisão, na morte, no exílio e na censura. Será que eles esqueceram? Ou será que estamos frente a um novo negacionismo?
CARTA MAIOR
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