28 de mai. de 2007

OBSERVATÓRIO DA IMPRENSA

No site "Observatório da Imprensa", tem um escaninho que é pouco visitado e conseqüentemente pouco lido, chama-se "marcha do tempo".
Então, para divulgar este espaço, irei postar um artigo do profº Victor Gentilli*. Espero que apreciem.

Na ditadura, enfim, a mídia alcança o poder

Por Victor Gentilli * em 22/5/2007

Na história brasileira, não durou sequer vinte anos a primeira experiência formalmente democrática a partir de 1945-46, com o fim da ditadura do Estado Novo, a convocação de uma Assembléia Constituinte e a liberdade partidária. Os barões da mídia de então praticavam um jornalismo ostensivamente partidário. Mas o poder daqueles jornais, revistas e emissoras de rádio era limitado, embora aparentemente inquestionável. Tanto que os candidatos apoiados – praticamente à unanimidade – pela mídia, sistematicamente perdiam eleições.

Em 1945, o brigadeiro Eduardo Gomes tinha praticamente toda a mídia brasileira em sua campanha para a Presidência da República. Pois o vencedor daquela primeira eleição democrática brasileira foi o marechal Dutra, ex-ministro de Getúlio Vargas que contou com discreto apoio do ex-ditador. Nas eleições seguintes, o brigadeiro volta a disputar a presidência da República, mas seu oponente é o próprio Getúlio Vargas, que abandona seu exílio voluntário numa fazenda em São Borja para voltar "nos braços do povo" à Presidência da República. Acompanhando a campanha de Getúlio Vargas, apenas o jornalista Samuel Wainer, então no O Jornal, jornal do grupo do maior poderoso da mídia de então, Assis Chateaubriand. Getúlio vence as eleições mas encontra uma mídia unanimemente unida na oposição ao seu governo. Tamanha unanimidade faz com que o presidente estimule Samuel Wainer a montar um jornal. Beneficiado por um empréstimo generoso do Banco do Brasil Wainer inaugura a imprensa popular no Brasil com a Última Hora, inicialmente lançada no Rio de Janeiro, pouco depois em São Paulo e em várias outras capitais importantes.

A ousadia de Wainer lhe custaria caro. Uma CPI na Câmara Federal – bafejada, apoiada e coberta com enorme destaque pela mídia de então – inicialmente busca comprometer Wainer pelo empréstimo recebido, mas termina por uma perseguição ferrenha alegando que Wainer não seria brasileiro nato. Nem antes, nem depois, jamais falou-se tanto em Bessarábia, região de onde viera a família Wainer quando emigrou para o Brasil.

Sufocado e isolado Wainer, a oposição e toda a mídia volta-se direto para seu objetivo: derrubar Getúlio Vargas. Arauto de uma campanha violenta e irracional, Carlos Lacerda misto de político e jornalista, discursa e publica editoriais violentos contra o presidente em sua Tribuna da Imprensa, coluna que mantinha no Correio da Manhã mas que transforma em jornal a partir de 1952. Em São Paulo, o aristocrático O Estado de São Paulo repercutia a tonitroante vociferação oposicionista.

Jornais empastelados

A pressão era tamanha que um membro da guarda pessoal do presidente decide "colaborar com o chefe" armando um atentado com a pretensão de matar Carlos Lacerda. No início de agosto de 1954, o atentado é perpetrado, mata um militar da aeronáutica que trabalhava na segurança de Carlos Lacerda e fere no pé o líder oposicionista.

A partir do fracassado atentado, a pressão aumenta até o paroxismo. Um inquérito militar instaurado no Ministério da Aeronáutica passa a ser o centro das atenções – com todo destaque midiático. No decorrer dos dias de agosto de 1954 a pressão sobre o Catete só faz aumentar. O destaque que o inquérito da Aeronáutica recebe é tamanho que, à medida que Getúlio vai sendo encurralado a "República do Galeão" vai ganhando poder, liberdade e autonomia. Getúlio resiste cada vez mais fraco e isolado até ser praticamente deposto. Uma reunião ministerial avalia o quadro com pessimismo na madrugada do dia 24 de agosto. Com um tiro no coração às 8h, Getúlio "sai da vida para entrar na história".

A reação popular ao suicídio é tamanha mas sabe identificar os responsáveis. Os jornais são invadidos, depredados, empastelados.

Nas eleições seguintes a oposição decide mudar o candidato. Depois de duas derrotas consecutivas, o brigadeiro Eduardo Gomes recolhe-se e a mídia brasileira – ao lado das forças mais conservadoras opta por lançar o marechal Juarez Távora como candidato à presidência. Mas uma bem montada aliança faz de Juscelino Kubitscheck um vencedor, embora não tenha obtido a maioria absoluta – como aliás, a maioria dos seus predecessores.

Apesar da famosa frase de Carlos Lacerda "ele não será candidato; se for, não vencerá as eleições; se vencer, não tomará posse; se tomar posse não governará", Juscelino é candidato, vence as eleições, toma posse (somente graças a um contra-golpe preventivo do general Teixeira Lott, ministro do Exército) e ainda se torna o primeiro civil a cumprir um mandato integral de presidente na história do Brasil. Apesar de ter enfrentado sérios movimentos militares que visavam derrubá-lo.

Embora consiga alguns apoios isolados aqui e ali, a mídia continua ostensivamente oposicionista. Juscelino constrói uma imagem de seriedade, respeitabilidade, bom senso e simpatia apesar dos jornais. Neles, aparecia o corrupto, o populista, o "presidente bossa-nova", como na canção de Juca Chaves.

Escolha populista

Tantos fracassos sucessivos levam a grande mídia conservadora a buscar um candidato mais condizente com o perfil populista dominante na política. Encontra Jânio da Silva Quadros que iniciou uma carreira política em São Paulo como candidato a vereador sem se eleger, mas depois que assume como suplente segue uma carreira meteórica. É eleito prefeito de São Paulo e governador de São Paulo com votações sempre consagradoras. E o apoio dos jornais e da mídia.

Desta vez quem comparece com um candidato militar é a coligação situacionista. Legalista e tornado conhecido e popular por liderar o contra-golpe que permitiu a posse de Juscelino, o marechal Teixeira Lott polariza a disputa presidencial com Jânio Quadros. Pela primeira vez, um candidato apoiado pela UDN, pela mídia e pelos conservadores assume o poder. Histriônico, Jânio tenta governar sem apoio no Congresso e ainda desejando desvencilhar-se do grupo udenista que o apoiou. Permaneceu sete meses no governo até renunciar. João Goulart, que já fora vice-presidente de Juscelino, embora fosse lançado e apoiado pela coligação que apoiava Lott venceu as eleições para vice-presidente (a constituição de 1946 previa eleições distintas para presidente e vice).

Em missão na China quando da renúncia, Goulart só viria a assumir o poder depois de dias de negociações. Embora a Constituição fosse clara, o veto militar era poderoso e categórico. Foi preciso uma habilidade de Tancredo Neves para mudar a Constituição, instaurar um regime parlamentarista para que Goulart pudesse assumir a Presidência da República sem tomar o poder. Foi o que se sucedeu. Com crises sucessivas e trocas freqüentes de gabinete, o governo Goulart, sofreu sobretudo com sua base de apoio que permanentemente pressionava-o a avançar. Goulart consegue antecipar o plebiscito que lhe restaura os poderes presidencialistas, mas a votação espetacular deveu-se muito mais ao fato de que sua sucessão prometia embates entre os grandes nomes da época. Nas eleições de 1965, cada partido se apresentaria com seu verdadeiro porta-voz. A UDN com Carlos Lacerda, o PSD novamente com Juscelino e o PTB com Leonel Brizola.

Mas as pressões foram tantas que Goulart governava como que respondendo aos impasses da conjuntura. Chega a solicitar o Estado de Sítio em setembro de 1963, mas não consegue apoio do Congresso. Em 1964 conduz o governo rumo às chamadas "reformas de base". Apesar de um vigoroso comício em 13 de março de 1964 – com transmissão ao vivo para São Paulo e Rio de Janeiro, Goulart consegue mobilizar sua oposição que também sai às ruas em marchas com enormes multidões.

Seu governo não resiste ao mês de março. Tropas começam a marchar rumo ao Rio de Janeiro a partir de 31 de março e, em primeiro de abril, embora ainda estivesse em território brasileiro, o presidente da Câmara declara vaga a presidência da República.

Nos anos imediatamente subseqüentes a 1964, boa parte daquela mídia que infernizou os governantes de então foi fechando as portas. Mas a mídia que sobrevive finalmente se encontra com o poder.

Na democracia, a mídia perdeu todas. Acreditou que finalmente tomaria o poder na ditadura. Em parte, foi bem sucedida. O que veio depois constitui-se em outra fase de nossa história. Seja na política, seja na configuração e constituição do que podemos chamar de sistema midiático.

Victor Gentilli

Jornalista, professor da Universidade Federal do Espírito Santo, autor de Democracia de Massas: jornalismo e cidadania, diretor administrativo da SBPJor.


Para enviar um e-mail ao editor do blog, clique aqui.


Um comentário:

Zé Renato disse...

E ae Kautscher! Que bom saber que montou um blog... mas quanto ao "orelha seca" não esquenta, pq o blogger não é o serviço de blog mais fácil que exista, acho até que é um dos mais complicados, mas quando vc pega o jeito ve que não é tão dificil.
Ajudo claro! Me mande um email (r.enato@uol.com.br) que explico links e tudo mais...
Abracos...
O orelh seca aqui vai linkar o seu! hehehhee