A importância extraordinária da insurreição de 35 reside no fato de que pela primeira vez situou de forma concreta, em termos práticos, para os militantes comunistas e as forças populares, a tarefa da preparação e do desencadeamento da luta armada”.
(Pedro Pomar)
Muito se tem ocultado o grande acontecimento histórico ocorrido há 74 anos sobre o solo do nosso país. Em novembro de 1935 a Aliança Nacional Libertadora, frente única antifascista dirigida pelo proletariado, lançava-se corajosamente em armas para assaltar o poder e libertar o Brasil da infinita submissão, obscurantismo e fascistização imposta pelo governo reacionário de Vargas.
Batizaram com seu ódio de classe de “Intentona Comunista” o glorioso Levante Popular. Aliás, diga-se de passagem, não é o ódio cego dos seus inimigos um índice da autenticidade e da intrepidez das manifestações das classes populares?
A Frente Única Antifascista:
O mundo vivia uma situação dramática. As hordas fascistas preparavam-se febrilmente para a guerra e o anticomunismo raivoso era a doutrina oficial não só desses países como também de muitas ditas “democracias”. Perante o VII Congresso da Internacional Comunista o valente Jeorge Dimitrov declarou, em 1935: “A classe operária unida, juntamente com as autênticas forças democráticas dos povos, está em condições de barrar os bandidos e incendiários fascistas da guerra e, unida aos povos dos próprios países capitalistas, destruir o fascismo”. Aliás, diga-se de passagem, nesse histórico informe intitulado “A unidade da classe operária na luta contra o fascismo” a Aliança Nacional Libertadora é citada como exemplo de frente única.
No Brasil, claro, tal escalada fascista não poderia deixar de se manifestar. Logo em 1932 o escritor medíocre Plínio Salgado funda, em São Paulo, a Ação Integralista Brasileira, partido político alinhado sob a consigna “Deus, Pátria e Família”. Enquanto os comunistas são perseguidos pelo governo getulista o Manifesto de lançamento da AIB, em outubro de 1932, chegou a ter dezenas de milhões de exemplares distribuídos. Sob o roto argumento de que o PCB era sustentado com o “ouro de Moscou” as camarilhas reacionárias perseguiam e massacravam nosso povo, enquanto elas é quem de fato entregavam o Brasil: ora jogando com os ingleses e os ianques, ora com os alemães. Os postos-chave no Exército e na polícia (além da Igreja, claro) eram ocupados por integralistas numa prova inconteste de que Vargas apoiou sim, na luta contra as mobilizações sobretudo operárias da época, os fascistas de cá.
Por outro lado, como ademais em todo o mundo, as massas se mobilizavam contra o fascismo. Em 7 de outubro de 1934 a Ação Integralista Brasileira programa uma manifestação “de massas”, na Praça da Sé, para saudar o “Führer” brasileiro, Plínio Salgado. O PCB, juntamente com outras correntes antifascistas, prepara a contra-manifestação. Junto aos fascistas marcha a guarda civil de São Paulo. A classe operária paulista os recebe com vaias e gritos de “Abaixo o fascismo”! Ouvem-se tiros. Três guardas civis caem. Após um princípio de tumulto os integralistas ocupam as escadarias da Catedral da Sé quando então os discursos antifascistas começam. Era a contra-manifestação do proletariado brasileiro. A polícia de Vargas intervém e começa um intenso tiroteio. Durante o combate os “camisas-verdes” são vistos em pânico, correndo pelas ruas como galinhas, e nos dias seguintes pode-se encontrar camisas verdes às centenas abandonadas pelo chão.
Para materializar a frente única contra o fascismo é fundada em março de 1935 a Aliança Nacional Libertadora. O que de melhor havia na intelectualidade brasileira, o que havia de progressista e consciente em nosso país, a ela adere. Luís Carlos Prestes, então na URSS, contando com um imenso prestígio devido aos seus feitos legendários no comando da Coluna Prestes e já membro do PCB, é eleito seu presidente de honra. Os comícios da ALN são enormes atos contra o fascismo e seus comitês estão presentes em todo o país. Em abril daquele ano Prestes chega clandestino ao Brasil, juntamente com a grande comunista Olga Benário. Pedro Pomar assim resume o programa da “Nacional-Libertadora”:
1) Suspensão em definitivo do pagamento das dividas externas, sob o fundamento de que já haviam sido pagas há muito;
2) Nacionalização imediata de todas as empresas imperialistas, ‘arapucas’ para as quais o povo trabalhava sob terrível exploração;
3) Proteção aos pequenos e médios lavradores; entrega da terra dos grandes proprietários aos camponeses e trabalhadores que as cultivavam, visto serem seus únicos e legítimos proprietários;
4) Gozo das mais amplas liberdades pelo povo, nele incluídos os estrangeiros; e
5) Constituição de um governo popular orientado somente pelos interesses do povo brasileiro.
Sem dúvida o Partido Comunista, apenas 13 anos após a sua fundação, já se preparava audazmente para a tomada do Poder com as armas nas mãos. Em seu livro “Cavaleiro da Esperança” Jorge Amado cita a chegada ao Brasil do dirigente comunista alemão Berger para acompanhar os preparativos da insurreição. Berger, aliás, vinha da China aonde acompanhou a epopéia da revolução chinesa. Após a derrota, Berger e sua esposa são presos e o alemão é, segundo Jorge Amado, “o homem que mais sofreu com as torturas da polícia varguista”. Quando em julho o governo reacionário de Vargas decreta a ilegalidade da ANL o Partido, segundo Pedro Pomar, “apressou o desfecho da ação armada e lançou a palavra de ordem de Governo Nacional Popular Revolucionário, com Prestes à frente".
O Levante e suas lições:
Assim, em 23 de novembro, tem início o levante em Natal, Rio Grande do Norte. Cabos, sargentos e soldados do Exército se levantam e, acompanhados por operários, camponeses e estudantes iniciam o movimento armado. A bandeira vermelha é erguida triunfante e, naquele dia, pela primeira vez na nossa história, uma parte do território nacional é decretada dirigida por um governo popular e revolucionário. “Participam do governo provisório o sapateiro José Praxedes, encarregado de aprovisionamento; o sargento Quintino Clementino de Barros, da Defesa; o funcionário público Lauro Cortes do Lago, do Interior; o estudante João Galvão, da Viação; e o funcionário dos Correios e Telégrafos José Macedo, das Finanças. As medidas iniciais adotadas pelo governo revolucionário destinaram-se a baratear os preços dos gêneros alimentícios e das tarifas dos transportes, a moralizar a administração pública, a mobilizar forças para o prosseguimento da luta armada.", relata Pomar.
Na madrugada de 27 de novembro levanta-se, no Rio de Janeiro, o Terceiro Regimento de Infantaria e o Regimento da Escola de Aviação. Devido à traição o governo já estava preparado para o acontecimento e consegue, além de isolar os insurretos do apoio da maior parte da população, concentrar forças muito superiores contra aqueles. O Regimento de Infantaria rebelado foi bombardeado por artilharia e aviação,e reduzido a escombros. Após 4 dias de heróica resistência cai também o movimento em Natal. Apesar da tenacidade, da intrepidez e do espírito inaudito de sacrifício dos comunistas e democratas aliancistas o Levante é derrotado.
Vargas decreta então Estado de Sítio. A propaganda raivosa (na verdade contendo medo da força do povo) anticomunista é de uma vez por todas doutrina oficial. Os revolucionários são fuzilados, encarcerados, perseguidos e nas prisões faltam lugares para tantos lutadores. Mergulha o país no terror negro. A valentia e o heroísmo demonstrado nesses dias, contudo, e nos anos posteriores, são ao lado de tanta escuridão mostra do que pode de mais valioso e radiante realizar o Homem consciente da ideologia justa que defende. Nos cárceres imundos do fascismo, no Brasil e no mundo, os lutadores sobreviviam ao terror e combatiam sempre. E combatiam sempre.
O Partido Comunista do Brasil não fará, então, um balanço sistemático da experiência. Logo o Levante, embora saudado formalmente, será esquecido e considerado equivocado quando no interior do PCB ganhar vulto uma posição direitista. Erros, não há dúvida, existiram. O decreto de ilegalidade da ANL, e a avaliação não muita precisa do que isso significava, a mobilização insuficiente das massas para o Levante (sobretudo da população camponesa) são questões que Pedro Pomar apontaria.
Mas com os erros devemos aprender e jamais negar de forma absoluta e unilateral as nossas experiências. O Levante Popular de 35, com todo o heroísmo e perspectiva histórica que encerra, é um marco histórico do proletariado brasileiro e seu Partido que ainda jovem ousou desafiar o imperador. O significado dessa iniciativa, tão cuidadosamente ocultado, quando muito torpemente caluniado, somente no futuro poderá ser devidamente esclarecido a todo nosso povo e colocado em seu devido lugar, indelével memória que nos cabe honrar.
Fonte:http://mepr.org.br/cultura-popular/celebracoes/292-viva-o-glorioso-levante-popular-de-1935.html
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