
Flávio Aguiar é correspondente internacional da Carta Maior.
Acredito que esse espaço na Internet (http://eleicoessepe.blogspot.com/) possa contribuir para o debate educacional, especialmente nesse momento eleitoral onde diversos grupos com visões e propostas diferenciadas sobre educação e, claro sobre a sociedade brasileira, se apresentam a você com o objetivo de conquistá-lo para o que acreditam ser o melhor. Nesse momento os discursos tornam-se aparentemente muito parecidos, todos defendem aumento salarial, todos são a favor de uma educação pública de qualidade, da realização de concursos, enfim todos progressistas e supostamente de esquerda, acredito mesmo que bem intencionados. Então como decidir qual o melhor grupo para nos representar, em quem votar se suas propostas são tão parecidas,? A opção mais lógica talvez seja referendar aqueles que já estão à frente do processo, diga-se de passagem, há mais de 15 anos, os quais afirmam de maneira arrogante e excludente, que “neles você pode confiar”, pois como conhecemos seus defeitos e qualidades não há risco de surpresas, uma lógica equivocada e cruel onde o novo passa a ser elemento dos governos que a cada ano nos surpreende com sua capacidade de piorar o que já estava ruim. Outra opção tentadora é escolher o que se apresenta como mais radical, aqueles que dizem que tudo está errado, embora não digam que também estão , aliás ,cinicamente equivocados, pois fazem parte ou apóiam governos responsáveis pela lógica do caos que se configura na educação pública atualmente.
O debate educacional é um debate político, que não pode ser reduzido a meia dúzia de palavras de ordem ou práticas supostamente vanguardistas e paradoxalmente previsíveis que têm conduzido a nossa categoria a um afastamento do Sindicato, aliás, Sindicato esse que foi fruto de uma construção coletiva, no final dos anos 70, e que portanto não têm dono, ou melhor o SEPE SOMOS NÓS, e o seu futuro depende basicamente da sua capacidade em agregar novos companheiros, novas idéias sempre fiéis aos princípios de independência da classe trabalhadora para que continue sendo NOSSA FORÇA E NOSSA VOZ.
A CHAPA 4 pretende nesse espaço, http://eleicoessepe.blogspot.com/, expor as suas idéias e estabelecer um diálogo com a categoria e toda comunidade escolar. Ela não é dona da verdade, mas tenho clareza e responsabilidade que não chegaremos a ela, nos afastando de princípios que constituem os alicerces de nosso Sindicato e o primeiro deles é o respeito a você.
Saudações.
Paulo Kautscher
Rede Municipal de São Gonçalo
Aqui neste Observatório da Imprensa um leitor, dizendo-se funcionário público de Brasília, questionou o que lhe pareceu contraditório no artigo Por que tanto estardalhaço em torno de um sequestro que não ocorreu?: a minha afirmação de que nada havia de errado na escolha de Delfim Netto como alvo de sequestro em 1969 e a crítica que fiz à Folha de S. Paulo por trombetear tal episódio.
Meu comentário de resposta ao leitor me permitiu abordar um outro ângulo da questão: o imenso desconhecimento do que foi a ditadura brasileira e a dificuldade para transmitir tais informações ao grande público, já que a indústria cultural não colabora (muito pelo contrário!). Então, só um público mais seletivo tem uma idéia aproximada da realidade do período. A maioria dos cidadãos fica à mercê da propaganda enganosa da extrema direita.
Daí eu ter advertido desde o primeiro momento: ruim mesmo seria a utilização panfletária da reportagem da Folha por parte dos sites e correntes de e-mails fascistas. É o que Antonio Roberto Espinosa, em carta ao ombudsman Carlos Eduardo Lins da Silva, afirma estar ocorrendo.
Quanto aos próprios leitores do matutino, boa parte deles é capaz de perceber as manipulações grosseiras da repórter e chegar a uma conclusão diametralmente oposta àquela que a Folha tentou plantar em sua cabeça.
Quando se fala que os resistentes assaltavam bancos e sequestravam diplomatas, o cidadão comum forma um juízo a partir das circunstâncias atuais. Ele não sabe que isto se passou sob um regime totalitário nem a indústria cultural cumpre seu dever de inteirá-lo disto (pelo contrário, deturpa a verdade histórica, vendendo gato por lebre, ou seja, ditadura como ditabranda...). Também ignora o que seja um movimento de resistência à tirania, como o que protagonizamos no Brasil e os que existiram em países submetidos ao nazifascismo.
Alienação e infantilização
Já não existem tantas pessoas vivas que eram adultas nos anos de chumbo e, menos ainda, que tivessem conhecimento do que acontecia, mas não era noticiado por força da censura e das intimidações de todo tipo que a imprensa sofria (desde a prisão de jornalistas até os atentados que os terroristas do CCC cometiam, com a conivência do regime).
Além disto, há a tendência que os idosos têm de colorir as lembranças do passado, apenas porque eram ativos e vigorosos então. Com avaliações distorcidas pelo saudosismo, eles informam muito mal as novas gerações.
Finalmente, não devemos esquecer que o cidadão comum brasileiro tem muita tolerância ao totalitarismo - tanto que consentiu em viver sob ditadura por mais de um terço do século passado. Há brasileiros que verdadeiramente apreciavam ser reduzidos à infantilização por um regime de força, assim como é frequente encontrarmos velhos italianos elogiando os tempos em que viviam debaixo das botas de Mussolini e "os trens chegavam sempre no horário"...
Devido a todos esses fatores, a pregação demagógica, simplista e falaciosa da extrema direita é mais facilmente aceita pelos leigos do que a verdade dos historiadores e das pessoas familiarizadas com a jurisprudência internacional e os valores civilizados.
Assim, o desserviço prestado pela Folha, magnificando um episódio sem nenhuma relevância jornalística, foi colar na imagem de Dilma Rousseff vários adjetivos que causam imenso mal se não forem compreendidos dentro do contexto dos anos de chumbo.
Quem sabe o que realmente acontecia, tende a concluir que Delfim Netto merecia mesmo ser sequestrado e trocado pelas vítimas de sua canetada infame ao assinar o AI-5, autorizando e coonestando todas as atrocidades cometidas pela repressão ditatorial. Mas para quem não tem o quadro real na cabeça e fiar-se nas informações da Folha parecerá que Dilma era uma contraventora. E foi exatamente esta a intenção do jornal, imputando-lhe responsabilidade num projeto que, ao que tudo indica, estava sendo desenvolvido apenas por Antonio Roberto Espinosa e só seria submetido ao comando Nacional da VAR-Palmares mais tarde; e que, além disto tudo, não saiu da prancheta.
Folha vende gato por lebre
Aliás, um erro crasso que não está sendo destacado nesta polêmica é o de que a reportagem da Folha sutilmente induziu os leitores a acreditarem que a escolha de Delfim Netto como alvo de sequestro se explicaria por ele ser "símbolo do milagre econômico", o ministro da Fazenda "que sustentava a popularidade dos generais com um crescimento econômico de 9,5% em 1969". Ou seja, sugere-se que os guerrilheiros, malvados como eles só, estariam ressentidos com o boom econômico e seu alegado artífice.
A Folha omitiu, entretanto, que nem se falava em milagre brasileiro no ano de 1969. O PIB avançara 9,8% em 1968, mas o salário-mínimo tivera crescimento negativo de 24,78%! A política econômica da ditadura beneficiou, primeiramente, o grande capital; só depois, em 1970, é que as sobras chegaram até a classe média.
No período entre 1968 e 1973, mais da metade dos assalariados brasileiros recebia um salário-mínimo ou menos. E, enquanto o PIB cresceu 146,33% nesses seis anos, o salário-mínimo teve de se contentar com apenas 81,52%, pois o modelo era acentuadamente concentrador de renda. O período também foi marcado por um aumento dos acidentes de trabalho, conseqüência das horas extras e da maior intensidade produtiva; e até por um agravamento das condições de saúde da maioria da população brasileira, evidenciado, por exemplo, no ressurgimento de epidemias como a meningite e no aumento das taxas de mortalidade infantil.
O certo é que, em 1969, nem sequer a classe média estava eufórica com o regime, pois não havia a percepção de uma melhora econômica significativa, depois de tantos anos de vacas magras. E Delfim não sustentava a (inexistente) popularidade dos generais. Tudo isso viria a partir de 1970.
Signatário do AI-5
Já o aspecto que eu destaquei – o de que Delfim era um alvo para sequestros por conta de sua condição de signatário do AI-5 –, isto ficou totalmente fora da reportagem da Folha, assim como nunca é lembrado nas discussões sobre a punição dos torturadores. Ao contrário do tribunal de Nuremberg, os brasileiros parecem dar mais importância aos executantes das atrocidades do que aos mandantes.
A Folha, inclusive, considera Delfim Netto digno de figurar no seu elenco de colunistas, o que equivale a um juízo de valor do jornal sobre ele – e também serve como parâmetro para o juízo de valor que nós outros formemos sobre a Folha.
Enfim, a matéria "Grupo de Dilma planejava sequestrar Delfim" não passou de uma "forçação de barra", justamente para reforçar os preconceitos dos desinformados e influir na sucessão presidencial.
Ingenuidade celestial
Por último, Antonio Roberto Espinosa acaba de esclarecer, em entrevista concedida ao blog do Zé Dirceu, o que a repórter Fernanda Odilla lhe disse, para convencê-lo a falar três horas ao telefone e a dar informações complementares em telefonemas e e-mails, além de autorizá-la por escrito a acessar os arquivos do Superior Tribunal Militar a ele referentes.
Nos seus desmentidos indignados, Espinosa vinha repetindo o que já ficara evidenciado para qualquer leitor minimamente perspicaz: ajudou a Folha a reconstituir esse insignificante episódio histórico (um não-fato, como fui o primeiro a constatar), sem perceber que poderia ser superdimensionado e deturpado para servir como arma contra Dilma Rousseff.
Talvez até em resposta a meus insistentes pedidos, ele finalmente colocou a questão em pratos limpos:
– A desculpa usada pela repórter era que queria contar melhor a trajetória da VAR-Palmares. Disse que pretendia também esclarecer a participação da ministra Dilma na organização. Dispus-me a colaborar, pois acho que o público tem direito a todas as informações, sobretudo sobre um virtual candidato a presidente. Um dos assuntos tratados, evidentemente, foi a preparação do seqüestro de Delfim Netto, que eu, como comandante militar da VAR, conhecia; mas a atual ministra, não necessariamente, pois sua área de atuação era a política, não a armada.
Cheguei até a pensar que Espinosa fora iludido, concedendo a entrevista sem saber que Dilma teria papel destacado na reportagem decorrente. Mas, agora está explicado: ele acreditou que o jornal da ditabranda estava empenhado em resgatar com isenção e fidelidade a memória da luta armada, depois de ter colaborado com a repressão durante a ditadura e vir, desde então, invariavelmente apresentando de forma negativa e distorcida os resistentes que pegaram em armas...
A Organização Não Governamental Movimento dos Sem Mídia – MSM, entidade de direito privado constituída juridicamente em 13 de outubro de 2007, exorta a sociedade brasileira a repudiar a perniciosa e ameaçadora revisão histórica perpetrada recentemente por editorial do jornal Folha de São Paulo, texto que relativizou a gravidade de crimes cometidos pelo Estado brasileiro entre os anos de 1964 e 1985, período durante o qual a Nação brasileira sofreu usurpação de um golpe militar ilegal e inconstitucional que, por seu turno, gerou aos brasileiros conseqüências nefandas tais como censura à liberdade de pensamento e de expressão, prisões arbitrárias e crimes de tortura, de estupro e de morte, atos de terror que destruíram as vidas de milhões de brasileiros, muitos dos quais sobreviveram àquele terror e, assim, carregam até hoje seqüelas daquele período de trevas.
No âmbito desse repúdio, cumpre à nossa entidade tornar públicos os pontos daquele texto jornalístico que julgamos perniciosos e ofensivos às vítimas que tombaram e às que sobreviveram àquele regime de força, que suprimiu os princípios e mecanismos do Estado Democrático de Direito e as garantias, liberdades e direitos individuais e coletivos, somente restituídos ao povo brasileiro com a edição da vigente Constituição Federal de outubro de 1988.
O editorial do jornal Folha de São Paulo intitulado “Limites a Chávez” foi publicado em 17 de fevereiro deste ano. O veículo de comunicação exerceu um direito óbvio e que não se questiona, o direito de opinar. Criticar o resultado do plebiscito recente na Venezuela ou emitir qualquer outra opinião, portanto, jamais estimularia nossa Organização a protestar de forma tão solene e veemente se não fosse a tentativa de revisão histórica que afirmou que o regime dos generais-presidentes teria sido “brando”, pois tal afirmativa constituiu-se em dolorosa bofetada nos rostos dos que sobreviveram, em verdadeiro deboche dessas vítimas expresso por meio do termo jocoso “ditabranda”, corruptela do único termo possível para identificar aquele regime, o termo ditadura.
Em poucas palavras, o editorial da Folha de São Paulo criou teorias novas, como se verá em trecho a seguir. Disse a Folha de São Paulo: “As chamadas "ditabrandas" – caso do Brasil entre 1964 e 1985 – partiam de uma ruptura institucional e depois preservavam ou instituíam formas controladas de disputa política e acesso à Justiça”.
O perigo e a afronta residem no eufemismo. Com efeito, o diabo está nos detalhes. Diga-se essa barbaridade de “acesso controlado à Justiça” aos que ficaram pelo caminho da máquina opressora do Estado brasileiro de então, aos que sofreram tudo que foi acima enumerado. Diga-se a eles que tiveram acesso “controlado” para buscarem reparação pelas violências que sofreram. Achem um só que tenha encontrado guarida e reparação na Justiça, à época, pelas violências que sofreu. E mais: diga-se isso aos que não sobreviveram às ações arbitrárias daquele Estado ditatorial e aos seus famliares.
No conceito de nossa Organização, conceito este amparado no melhor Direito Universal, o que fez o jornal em questão foi dizer “brandos” aqueles crimes, abrindo espaço para a proliferação de mentalidades que ainda defendem publicamente métodos excepcionais de “controle” da Cidadania e das próprias vidas dos cidadãos.
Dizem os defensores da usurpação do Estado Democrático de Direito que ocorreu naquele período obscuro de nossa história que havia então uma “guerra” no Brasil. Uma guerra em que tantos jovens idealistas, muitas vezes pouco mais do que imberbes, sucumbiram defendendo a Constituição, por sua vez violentada pelos desejos de poucos, que estupraram o desejo da maioria que delegou o Poder a um governo constitucional que a ditadura derrubou por meio de golpe de Estado.
O Brasil daquele 1964 tinha um governo eleito pelo voto. Não foi destituído por um processo democrático que se valeu dos mecanismos constitucionais que existiam e que poderiam ser usados se os que se opunham àquele governo acreditassem que tinham representatividade popular para fazer tais mecanismos prevalecerem. Não. Por não estarem amparados pela maioria dos brasileiros, os usurpadores do Poder de Estado legalmente constituído em eleições livres e democráticas trataram de usar a violência, a sedição e a ilegalidade para fazerem prevalecer suas visões, desejos e interesses minoritários, impondo-os sobre uma maioria que mais tarde seria amordaçada e ameaçada, de forma que não pudesse contestar a ruptura do Estado de Direito.
Equiparar o Estado àqueles que os defensores do regime de exceção diziam ser “terroristas”, era, é e sempre será uma aberração jurídica, para economizar palavras. Não cabe no conceito de democracia, de Estado de Direito, a hipótese de agentes do Estado imporem suplícios físicos desumanos e criminosos àqueles dos quais desconfiavam de que não compartilhavam suas idéias totalitárias.
O que torna mais dramática essa revisão afrontosa daquele período da história é que o jornal Folha de São Paulo não se contentou só com ela. Diante dos protestos de dois dos expoentes mais respeitados da intelectualidade brasileira tanto no Brasil quanto no exterior, a professora Maria Victória Benevides e o professor Fábio Konder Comparato, o jornal tratou de insultá-los de forma virulenta, qualificando-os como “cínicos e mentirosos”, claramente tripudiando da indignação dos justos ante absurdo tão rematado quanto o acima descrito.
Nem as poucas opiniões contrárias que o jornal permitiu que fossem vistas em suas páginas opinativas, sempre de forma tão “controlada” quanto afirmou antes que fazia a sua “ditabranda”, puderam minorar a dor dos sobreviventes dos Anos de Chumbo, e tampouco fizeram a justiça necessária à memória das vítimas fatais da ditadura cruel que vigeu naquele período triste da história deste País.
Tanta injustiça, desrespeito, deboche talvez encontre “explicação” quando se analisa o papel exercido pelo jornal contra o qual protestamos durante boa parte do tempo em que a ditadura militar oprimiu esta Nação.
Em obra literária de autoria de um colaborador desse meio de comunicação, do jornalista Elio Gaspari, intitulada “A Ditadura Escancarada”, figura acusação ao jornal Folha de São Paulo que este jamais rebateu de forma adequada e pública, a acusação de que cedeu veículos à sua “ditabranda” para o transporte de presos políticos.
Mas é em editorial desse grupo empresarial publicado em 22 de setembro de 1971, no auge da ditadura, que transparecem as relações de então entre a mídia e o regime. Diz aquele editorial pretérito tão nefasto quanto o editorial mais recente, sendo ambos do grupo empresarial de comunicação da família Frias:
“Como o pior cego é o que não quer ver, o pior do terrorismo é não compreender que no Brasil não há lugar para ele. Nunca ouve. E de maneira especial não há hoje, quando um governo sério, responsável, respeitável e com indiscutível apoio popular, está levando o Brasil pelos seguros caminhos do desenvolvimento com justiça social - realidade que nenhum brasileiro lúcido pode negar, e que o mundo todo reconhece e proclama. O país, enfim, de onde a subversão - que se alimenta do ódio e cultiva a violência - está sendo definitivamente erradicada, com o decidido apoio do povo e da imprensa, que reflete o sentimento deste." Octávio Frias de Oliveira, 22 de setembro de 1971”.
Apesar desse documento histórico com dia, mês e ano, e que pode ser encontrado nos arquivos desse grupo empresarial de comunicação, apesar desse documento que mostra faceta do jornal Folha de São Paulo que ele teima em não reconhecer e que certamente não quer ver conhecido por seu público atual talvez por ter vergonha de seu passado, sua alegação contemporânea é a de que “combateu” a ditadura que aquele editorial, assinado por seu proprietário de então, qualificava como “séria, responsável, respeitável e com indiscutível apoio popular”.
Não se consegue entender como a Folha de São Paulo, então, media o “apoio popular” à ditadura, pois não havia eleições livres ou mesmo pesquisas sobre a popularidade dos ditadores. Era, pois, uma invenção a tese de que a ditadura estaria “levando o Brasil pelos seguros caminhos do desenvolvimento com justiça social”, porque, à luz do conhecimento histórico daquele período, o que se sabe é que o que gerou foi concentração de renda, ou seja, empobrecimento dos mais pobres e enriquecimento dos mais ricos.
No dia em que o editorial profano mais recente foi lido pelos Sem Mídia, o que nos veio às mentes foram as palavras imortais do ativista negro norte-americano doutor Martin Luther King que pregaram, há tantas décadas, a conduta dos democratas diante dos violadores da democracia: “O que preocupa não são os gritos dos maus, mas o silêncio dos bons”. E é por isso que estamos aqui hoje, porque a sociedade civil não aceita e não ficará inerte assistindo a defesa velada de uma ditadura e a tentativa de vender a tese de que ela foi menos do que ilegal, imoral e terrivelmente dura, tendo sido tudo, menos “branda”.
São Paulo, 7 de março de 2009
Presidente
"Eu não preciso ler jornais, mentir sozinho eu sou capaz।" (Raul Seixas)
Ao declarar à revista piauí de janeiro que não lia jornal porque sofre de azia, Lula talvez tenha deixado muitos jornalistas perplexos e desapontados [a versão da revista está aqui e a íntegra da entrevista, aqui]. E também intelectuais inconformados. Roberto Damatta, por exemplo, reagiu num típico "pito acadêmico" proclamando, em artigo publicado no Estado de S.Paulo que não se pode ter discernimento da realidade sem a leitura, mas parece tomar uma crítica informal de Lula a um certo jornalismo como se fosse uma aversão à leitura em geral.
Ao repreender Lula porque este parece "estar seguro de que é mesmo possível saber das coisas por tabela e em segunda mão, por meio de olhos alheios", Damatta talvez polemize mais com Schopenhauer do que com o presidente. O célebre filósofo alemão também já havia causado muita celeuma, há mais de século, quando levantou dúvidas acerca da possibilidade de uma correta compreensão da realidade unicamente a partir da leitura, pondo em dúvida a qualidade dos textos, inclusive nos jornais. Questionando aqueles que absolutizam a leitura, Schopenhauer afirma que "assim como a leitura, a mera experiência não pode substituir o pensamento". E para aqueles, como Damatta, que deploram os que não lêem e porque aprenderiam por tabela, o pensador germânico sustenta ainda que "um livro nunca pode ser mais do que a impressão dos pensamentos do autor", alertando que "quando lemos, somos dispensados em grande parte do trabalho de pensar" e que "a nossa cabeça é, durante a leitura, uma arena de pensamentos alheios".
Instrumento de desinformação
Citá-lo não significa defender suas posições históricas, mas adicionar elementos à polêmica atual, quando vivemos na "idade mídia", sob intenso dilúvio informativo, com variadas possibilidades de informação. A celeuma levanta também reflexões interessantes, não só comentários injustos, já que Lula não fez nenhuma apologia da não-leitura, fez uma crítica ao jornalismo atual. E o fez a seu modo, com um raciocínio nada convencional, porque é o raciocínio simples e direto, sintonizado e compreendido pela grande massa da população que, durante toda uma vida, também foi praticamente proibida da leitura. Assim, poderíamos partir do princípio afirmando que, tal como a esmagadora maioria do povo brasileiro, o presidente Lula também não lê jornal. E confessa. As razões são múltiplas e até diferentes em cada caso.
O argumento de que não pode haver discernimento da realidade sem a leitura também pode conter uma injusta soberba acadêmica para com esta grande maioria de brasileiros hoje ainda proibida da leitura de jornais e livros, por razões fundamentalmente sócio-econômicas. É injusta porque ignora ou despreza outras modalidades de discernimento, interpretação e ação transformadora das grandes massas sobre esta mesma realidade.
Segundo estatísticas da Unesco – talvez não sejam as mais atuais –, a taxa de leitura de jornais e revistas no Brasil é inferior à da Bolívia, país mais pobre da América do Sul, mas que acaba de realizar uma façanha que exige reconhecimento de todos nós: a Bolívia foi declarada no dia 20 de dezembro último, pela mesma Unesco, "território livre do analfabetismo". Segundo a agência da ONU, enquanto no Brasil são lidos apenas 27 exemplares de jornais ou revistas por cada grupo de mil leitores, na Bolívia são 29 exemplares. Talvez o que devesse merecer mais a preocupação da academia é o fenômeno da leitura-proibida, um sistema que torna difícil o acesso dos brasileiros à leitura, que não educa leitores, que não democratiza livros – ao invés de uma quase indignada/desconcertada reação diante da evidente crítica feita pelo presidente Lula à qualidade do jornalismo praticado no Brasil.
Será que a informalidade da crítica de Lula – preciosa característica do presidente, sobretudo quando a cultiva no exercício do cargo – a um certo jornalismo – que já chegou a entrar de modo desrespeitoso e arrasador na vida pessoal e familiar do presidente em sua primeira campanha, ao mesmo tempo que preservou obedientemente outros presidentes do mesmo desconforto – não tem razão de ser? Estaria, afinal, acima de críticas, um jornalismo que tem reiteradamente operado mais como desinformação da sociedade do que como a instrumento de comunicação social tal como estabelecido pela Constituição Federal?
Ouça um bom conselho
Tomemos alguns casos recentes de "jornalismo que faz mal ao fígado", alguns já argumentados pelo próprio presidente, para alargarmos este debate.
Quando o governo brasileiro propôs à Unasul, em sua primeira reunião, a formação de um Conselho de Defesa Sul-americano, praticamente todos os jornais estamparam, com fartura, que a proposta havia sido derrotada, rejeitada, um fiasco afinal. Pouco tempo depois, a proposta do Conselho, debatida e examinada com tempo pelos governos, foi oficialmente aprovada e é uma hoje uma realidade. Mais do que isso, tem a importância histórica de ser uma entidade sem a presença dos EUA, que sempre tutelaram a região com ferro e fogo das ditaduras, mas também de representar um esforço coordenado de recuperação da indústria bélica regional, com a relevância intrínseca – ainda mais destacada por vivermos num mundo de sombras, tensões e violência – de promover independência tecnológica setorial.
Afinal, um país sem defesa não tem soberania! Será que os jornais que manchetearam "o fracasso do Conselho", estariam agora dispostos a confessar seu equívoco e reavaliar a informação defeituosa que difundiram? E a esclarecer, com informações verazes, o significado de reorientação estratégica que a nova entidade tem, sobretudo quando os países emergentes foram praticamente obrigados a aceitar a demolição de suas políticas de defesa e de suas indústrias bélicas? Alguém sabe informar se o Procon também cuida de informação com defeito?
A fazenda que não foi vendida
Um segundo caso diz respeito também à família do presidente, sempre alvo de comentários preconceituosos, como de resto os que se lançam também contra o presidente Evo Morales, por ser indígena, ou ao presidente Hugo Chávez, por suas características étnicas e sua origem militar. Refiro-me à "notícia" de suposta compra de uma grande fazenda por um dos filhos do presidente Lula. Até o portal do Centro de Mídia Independente reproduziu a suposta transação, acompanhada de inúmeros comentários insultantes e ofensivos ao presidente Lula.
E mesmo depois que numa pequeníssima nota da Agência Estado o proprietário da referida fazenda esclarecia que já estava cansado de atender jornalistas ao telefone e desmentir cabalmente que tenha vendido o imóvel para o filho do presidente ou para qualquer outro, assim mesmo nem a Central de Mídia Independente dignou-se a corrigir seu erro de difundir versões de um "jornalismo que faz mal para o fígado", mantendo até bem pouco tempo no portal, a falsa notícia da compra da fazenda e a mesma coleção de insultos ao presidente, nem os outros veículos cuidaram de divulgar as declarações do verdadeiro proprietário do imóvel desmentindo a transação. Qual o nome que deve ser dado a este "jornalismo"? Ou melhor, será isto jornalismo? Mas que dá azia... isso dá.
Os profetas do calote
Mais recentemente, O Globo estampou em primeira página manchete sobre a preparação de um calote do Equador contra o Brasil, insinuando que até uma funcionária da Receita Federal brasileira havia sido cedida para trabalhar nesta operação, cujo intuito seria o de evitar que os financiamentos feitos pelo BNDES ao país andino fossem saldados. Gravíssima acusação: o governo cederia uma funcionária para preparar calote contra si. Mas o jornal não publicou o pedido de direito de resposta da funcionária da Receita, informando objetivamente que não tinha prestado qualquer consultoria técnica relativa a financiamentos brasileiros ao Equador, mas sim, à Auditoria da Dívida Privada que está curso naquele país, uma decisão de Estado inscrita na Constituição, tal como consta das Disposições Transitórias de nossa Constituição a realização de uma auditoria da dívida.
No fundo, este é o temor dos banqueiros refletido por este jornalismo que dá azia, um jornalismo que cuida de preservar os indecentes privilégios que o setor financeiro tem no mundo da economia da especulação que despreza o valor do trabalho, transformando o sistema bancário mundial numa bancocracia, ou verdadeiro cassino, como também lembrou o presidente. Há quanto tempo não temos um presidente que chama as coisas pelo verdadeiro nome! Pois bem, especulou-se no jornal, depois no rádio, depois na TV, sobre o calote equatoriano ao Brasil, o jornalismo aziago teve todo o espaço do mundo, consultores ligados aos bancos foram hiper-entrevistados, repetiram-se, anunciaram o caos.
Mas quando, na semana que passou, o governo equatoriano pagou a parcela de 243 milhões de dólares da dívida para com o BNDES, os profetas do calote se calaram, os consultores desapareceram e o Globo não informou aos seus leitores, com a mesma importância que havia dado inicialmente ao tema, que não houve calote. Eis aqui um exemplo de como a leitura de jornal também pode não conduzir a um correto discernimento da realidade...
A retórica do Itamaraty
Muitos exemplos justificam uma maior reflexão e elaboração sobre o que vem a ser um jornalismo de desintegração, aquele que desconsidera ou não informa sobre a implementação de medidas reais, de Estado, visando à integração regional latino-americana. A este jornalismo da desintegração, que também pode causar azia, que decreta editorialmente que a integração é apenas retórica diletante do Itamaraty, deve-se contrapor com um jornalismo de integração, ainda por ser elaborado, mas que tem como sustentação teórica, histórica e política nada menos que a Constituição, na qual está consolidado que a construção de uma integração latino-americana baseada na solidariedade, na economia, na cultura, na informação é um objetivo da República Federativa do Brasil.
Claro, o jornalismo que faz mal ao fígado prefere apenas cultuar e pôr em prática o artigo 166 da Constituição, aquele que sacraliza a gastança com os serviços da dívida, tornando-os mais importante do que merenda escolar, saúde pública, habitação popular, previdência social etc. Contra esta gastança, esta verdadeira esterilização de recursos públicos nos juros da dívida, o jornalismo aziago nada informa. Quando o Brasil realizou com sucesso o teste do Veículo Lançador de Satélites, em dezembro, a mídia não noticiou, ignorando a dimensão deste fato – quando apenas um clube fechado de países tem acesso ao mundo da estratégica economia satelital. Tal como ignorou quando a Venezuela recentemente lançou o satélite Simon Bolívar, preferindo ironizar que Chávez tenha declarado que é um satélite socialista. Sim, será colocado à disposição de países pobres para a cooperação. Onde cabe a ironia? Ambos os casos são de avanço da independência tecnológica.
Aliás, foi necessário um "presidente que não lê", conforme define o acadêmico Damatta, para que o idioma espanhol tenha se transformado em matéria obrigatória nas escolas básicas brasileiras, com indiscutível impulso à integração latino-americana, como também para que o Brasil assumisse a construção da Unila (Universidade da Integração Latina-Americana), assim como a Universidade da África, em Redenção, cidade cearense pioneira na abolição da escravatura. Mas, para o jornalismo da desintegração, tudo isto é apenas retórica itamarateca terceiro-mundista. Mesmo a retirada do dólar nas operações comerciais Brasil-Argentina, a cooperação entre os dois vizinhos na construção de um carro de combate, na indústria aeronáutica e na esfera nuclear, ou a participação brasileira na construção de um gasoduto na Argentina, ou nas obras de infra-estrutura no Peru e Bolívia, na construção da estrada que ligará finalmente o Atlântico ao Oceano, a presença da Embrapa na Venezuela ou no Timor Leste, da Petrobras em Cuba, tudo isto é apenas retórica, farta-se de repetir o jornalismo que faz mal ao fígado. Mas quando aquele chanceler de sobrenome judeu tirou o sapato ante as ordens de um guardinha da alfândega dos EUA, este mesmo jornalismo tangenciou a simbologia do gesto. Como qualificar? Vocação para a vassalagem?
"Territórios livres do analfabetismo"
Muito ainda precisa ser feito para que o Brasil supere seus níveis indigentes de leitura, sobretudo no campo das políticas públicas. É motivo de preocupação a monopolização do setor editorial, sobretudo a do livro didático, bem como sua desnacionalização e controle por editoras estrangeiras muito próximas da Opus Dei. Mas são salutares, e devem ser expandidas fortemente, as políticas públicas já implementadas pelo governo Lula e governos como o do Paraná para assegurar o livro didático público e gratuito aos milhões.
Estamos na era das mudanças e na mudança de eras também quando o país mais pobre da América do Sul, a Bolívia, consegue extirpar a praga do analfabetismo ou quando a Venezuela, também declarada "território livre do analfabetismo" pela Unesco, distribui gratuitamente 1 milhão de exemplares do livro Dom Quixote, de Cervantes, de Os miseráveis, de Vitor Hugo e de Contos, de Machado de Assis, este com uma distribuição gratuita de 300 mil exemplares. Basta informar que a tiragem padrão de livros no Brasil é de apenas 3 mil exemplares. Segundo a Unesco, Cuba chegou a publicar em 1986, 480 milhões de exemplares de livros num ano, quando sua população era de apenas 10 milhões de habitantes. Ainda temos muito que aprender, muito por fazer nesta área.
A dialética do retirante
Mas, esta dívida informativo-cultural despejada pelas elites sobre o povo brasileiro, proibindo-o da leitura, não deve ser mecanicamente dimensionada como um obstáculo intransponível para que os milhões e milhões que não lêem jornal ou qualquer coisa não tenham um discernimento adequado da realidade. Talvez não tenham o "discernimento" que segmentos das elites, econômica ou cultural, gostariam que o povo tivesse, sobretudo para uma escolha eleitoral sintonizada com a linha editorial do jornalismo que faz mal ao fígado. Realmente, a maioria do povo, tal como o presidente Lula, na sua dialética de retirante, foi obrigada a desenvolver uma interpretação realista do mundo para salvar a própria vida. Lula declarou recentemente que quando um nordestino que nem ele consegue vencer a pena de morte da elevada taxa de mortalidade infantil no nordeste, "torna-se um encrenqueiro".
Para os que admiram o fato de que ele tenha levado 13 dias de viagem num pau-de-arara para ir de Garanhuns a São Paulo, dormindo ao relento e cozinhando com as águas barrentas do Velho Chico, ele lembrou que seus tios, que também não liam jornal, já tinham feito o mesmo percurso, mas em seis meses, porque o fizeram a pé! São atos heróicos que apontam para uma outra leitura do mundo, a partir da dialética do retirante, tão capaz de permitir um real discernimento da vida, como capaz de permitir que salvassem suas próprias vidas, e permitindo-lhes progredir na mobilidade social, superar os estágios de sobrevivência vegetativa quase animalesca a que estavam condenados no nordeste sem água, sem terra, sem trabalho e sem nada! E sem jornal para ler...
Talvez alguns círculos acadêmicos se irritem ainda mais com esta abordagem e a condenem como elogio à não-leitura. Mas, o que se trata de argumentar aqui é que para aqueles milhões de brasileiros condenados à não-leitura, por razões do elitismo sócio-econômico, não há outra saída senão inventar uma forma nova de ler o mundo, de caminhar na vida, de discernir, sim, a realidade e de uma forma tão eficiente que lhes permitiu, no caso de Lula, sair da indigência do sertão, preparar a si próprio para escapar da pena de morte da fome, preparar coletivamente a classe trabalhadora para fazer política, construir instrumentos como o PT e a CUT para viabilizar o protagonismo dos próprios trabalhadores na política e alcançar a Presidência da República.
E o fez não exatamente a partir da leitura de jornal, mas informando-se profundamente sobre o funcionamento da sociedade. Afinal, nem sempre ler jornal é informar-se. Em muitos casos, como vimos acima, é exatamente o contrário.A provocação de Schopenhauer ainda está bailando por aí. E ele acrescenta: "Há eruditos que ficam burros de tanto ler."
O rentista e o faxineiro
Episódio saboroso para refletirmos é o caso Maldoff, quando o megaespeculador, ex-presidente da Bolsa Nasdaq, baseada em sua credibilidade neste mundo da economia virtual, arquitetou uma fraude de 50 bilhões de dólares que lesou também rentistas brasileiros. Esta minoria de brasileiros, experimentados na arte de ganhar dinheiro sem produzir um prego ou sem mesmo trabalhar, escolados na evasão de divisas para paraísos fiscais, provavelmente não imaginavam que um dos seus ícones do mundo financista os lesaria. Pois bem, nem toda a leitura do mundo – ou talvez tenha sido exatamente excesso de certa leitura – os salvou do rombo. Talvez não tivessem o correto discernimento de que a economia especulativa era insustentável, que o castelo de cartas ia cair e continua caindo...
Enquanto os poucos rentistas que evadem divisas para o exterior estão sendo lesados por "profissionais" mais experimentados, o faxineiro do Aeroporto de Brasília, que achou um envelope de milhares de dólares no lixo e o devolveu ao dono, nos oferece um fortíssimo exemplo para reflexão. Ele, que também não lê jornais, tem uma leitura do mundo, um discernimento da realidade, que o leva a ser ético, limpo e honesto, com o dinheiro alheio, a despeito da avalanche de exemplos negativos que recebe das elites, sobretudo de financistas.
Montanhas de preconceitos elitistas também foram despejadas contra Evo Morales, o valente presidente de uma Bolívia que sai das trevas do neoliberalismo. Pois poucos sabem que Evo viveu, quando criança, em Tucumã, na Argentina, onde sua família tentou sobreviver trabalhando no corte de cana. E o menino Evo também foi reprovado na escola primária argentina, com um veredicto que deveria ser amplamente discutido hoje: os pedagogos argentinos chegaram à conclusão que Evo era inapto para o mundo letrado. Uma condenação que não levava em consideração sua condição de indígena, sua noção de tempo, sua postura frente à natureza, seu comportamento destoante das relações sociais de uma sociedade consumista e individualista, as dificuldades para pensar e escrever no idioma espanhol, que não era o seu idioma originário, a carga do preconceito e humilhações que sofreu por parte de seus colegas não-indígenas...
Hoje, o menino que havia sido condenado como incapaz para o letramento é o presidente da República da Bolívia e foi o mandatário que transformou a economia mais débil da América do Sul em "território livre do analfabetismo"! Como, então, afirmar soberbamente, de modo absoluto e mecânico, sem considerar as dialéticas do retirante Lula e do indígena Evo, que sem leitura é impossível haver o discernimento da realidade? Aliás, o próprio método de alfabetização cubano, aplicado na Venezuela, na Bolívia, em indígenas da Nova Zelândia ou no Haiti, considera que os educandos já têm acesso a um conjunto de informações que vão decodificando deste mundo complexo da idade-mídia e têm uma capacidade de discernimento, sim, razão pela qual é possível reduzir drasticamente o tempo de alfabetização, sendo o tempo, segundo Marx, a "matéria-prima mais preciosa da humanidade".
Jornalismo público e cidadão
Foi exatamente o presidente que teve menos acesso à leitura o que teve a grande sensibilidade de ver que boa parte da programação da televisão brasileira é simplesmente degradante, embrutecedora, animalizante. E criou a TV Brasil, que enfrenta seus desafios para expandir-se, consolidar-se, qualificar-se e caminha positivamente, saldando um pouco daquela imensa dívida informativo-cultural que despejou contra os brasileiros, sobre aqueles proibidos da leitura. Foi ainda o presidente que não lê que trouxe de volta, para o bem-estar da civilização, o ensino obrigatório da música e da filosofia nas escolas, abolido antes por presidentes que devoravam livros e... também direitos humanos. Villa-Lobos e Sócrates agradecem.
Enquanto isto, dos rigorosos críticos da academia jamais se ouviu um queixume sobre, por exemplo, o fato da própria Constituição de 1988 não ser acessível ao povo, não só materialmente, mas também na sua linguagem, bastante incompreensível para a grande maioria proibida da leitura. No entanto, apesar do povo jamais ter tido acesso à Constituição, há uma lei que estabelece que o conhecimento das leis é obrigatório pelo cidadão, que a ninguém é dado o direito de desconhecer a lei. Enquanto o presidente que não lê está criando instrumentos para reduzir o desequilíbrio informativo no país, além de expandir a universidade pública e multiplicar os institutos tecnológicos, ainda não se ouviu da academia uma proposta concreta para reverter este absurdo de termos uma Constituição desconhecida, de conhecimento exigido a todo um povo que não a pode ler.
Quem sabe não é chegada a hora, diante de tantas identidades entre Lula e Evo, que a decisão do presidente da Bolívia de criar um jornal público a ser editado aos milhões, com distribuição gratuita ou acessível às grandes massas pobres bolivianas, que agora já sabem ler, fosse também implementada aqui no Brasil? Sempre lembrando que o Brasil tem a maior economia da região, tem uma capacidade ociosa crônica de 50% em sua indústria gráfica, ao mesmo tempo em que tem um povo sem qualquer acesso a jornal.
É bem provável que os círculos acadêmicos que tentaram identificar uma crítica de Lula a um certo tipo de jornalismo como uma elegia à não-leitura não tenham agora razões para não apoiar a estruturação de um jornal popular público, de distribuição gratuita e massiva, aos milhões e milhões, aproveitando esta indústria gráfica semi-paralisada e os contingentes de jornalistas e escritores desempregados e sem ter onde escrever. Ao criar a Voz do Brasil, Vargas permitiu que milhões de brasileiros sem acesso a jornal e não alfabetizados tivessem acesso a informações, sobretudo alguma presença dos poderes públicos nos grotões, numa verdadeira ação radiofônica de integração nacional. Como sabemos, ainda hoje a Voz do Brasil é a única fonte de acesso de milhões de brasileiros espalhados por todos os grotões sociais, e que não lêem jornais, a informações que a maioria das rádios não difunde, a não ser naquele horário obrigatório. Eis por que a ditadura midiático-financeira trabalha para eliminar a Voz do Brasil.
Não será hora também de se criar um jornal público, popular e gratuito, livre do controle editorial da bancocracia, considerando que o mercado, por si só, dificilmente resolverá o problema de eliminar as várias proibições sócio-econômicas à leitura ainda vigentes? Obstáculos à democratização da leitura de jornal sempre haverá। Monteiro Lobato nos conta um deles. Quando, na década de 1940, procurou os poderosos proprietários de um dos maiores jornais paulistas, propondo-lhes que este diário se engajasse numa campanha para erradicar o analfabetismo, obteve uma resposta desconcertante, mas sociologicamente auto-explicativa. "Ô Monteiro, mas se todos aprenderem a ler, quem é que vai trabalhar na enxada?" Estamos em plena mudança de eras. Aquele que, para oligarquia midiática, deveria estar na enxada, está no Palácio do Planalto. Não lê jornal, mas é um dos brasileiros mais bem informados.
Por Beto अल्मीडा।
Jornalista, presidente da TV Comunitária de Brasília